Mil e uma esperanças
O ano de 2020 não foi nada fácil, mas 2021 nos encontrará de cabeças e braços erguidos, com toda a disposição para a luta. No dia 4 de janeiro o Portal da Contee retoma suas publicações. Até lá, fiquemos, sem esmorecer, com a mensagem escrita por nosso consultor jurídico, José Geraldo de Santana Oliveira, que, neste ano difícil, aceitou a brincadeira de encarnar também nosso Papai Noel e trazer de presente uma palavra de esperança:
No fantástico conto árabe “As 1.001 noites”, por igual período, Sherazade viveu sob a ameaça de ter sua cabeça decepada antes da aurora, a mando do rei que a desposou, como acontecera com mais de 300 outras por ele desposadas e mortas.
No mundo real de 2020, a humanidade acha-se sob ameaça de dizimação, não a mando de rei tão cruel, mas, sim, do impiedoso e invisível coronavírus. Mais de 1,65 milhão de pessoas, das quase 200 mil, no Brasil, não tiveram a mesma sorte de Sherazade, tendo sua vida ceifada por esse enigmático algoz.
Ironicamente, a letalidade do coronavírus atingiu com mais furor o todo poderoso império norte-americano — mais de 310 mil mortes —, que sempre se impôs perante os demais países, sobretudo os menos desenvolvidos, pelo poderio de seu arsenal atômico; arsenal que se mostra inoperante e absolutamente insignificante ante esse inimigo invisível.
Imune a qualquer aparato militar, e ainda longe de ser controlado pela ciência, o coronavírus continua a ameaçar e a desafiar a humanidade e os poderes constituídos.
Por quanto tempo? Nenhuma mente idônea e ciosa de suas responsabilidades é capaz de o dizer; somente cabeças insanas, alheias ao mais ínfimo sentimento de humanidade, fazem aleivosas incursões nesse terreno desconhecido, tornando-se, por isso mesmo, desautorizadas e desmoralizadas a cada nova aurora. Bolsonaro e Trump que o digam!
Há pelo menos 102 anos, desde a gripe espanhola de 1918, a humanidade não se debatia em meio a tamanho desafio, que a martiriza, angustia e a declara incompetente para, até aqui, vencê-lo.
Por tudo isso, pode-se dizer que o ano de 2020 reveste-se da condição de o mais longo de todos os últimos 102 anos, não obstante, como os demais, durar exatos 12 meses. Parece induvidoso que seus vestígios de destruição, aflição e temor jamais serão apagados, permanecendo indeléveis e presentes por todo o sempre.
Além de sua letalidade, a pandemia do coronavírus levou à humanidade a longo e desconhecido isolamento social e à completa restrição das relações de afetos, construídas e cultivadas por milênios a fio, tais como o inigualável aperto de mão, o abraço cordial e o beijo facial; tudo isso como a medida mais eficaz de combate à sua disseminação.
Essas medidas, absolutamente imprescindíveis, não raras vezes produzem a dolorosa sensação de que a humanidade se desumanizou; o que, se fosse real e definitivo, fatalmente representaria o seu irremediável definhamento e a sua morte em vida, tal como os trogloditas do conto de Jorge Luis Borges, “O Imortal”, que, após adquirirem a imortalidade, não viram mais nenhum sentido para vida, pois que não tinham nenhuma necessidade humana. Para eles, a vida tornou-se insignificante ao ponto de deixarem correr nada menos que 70 anos para ajudar um deles que caíra em buraco profundo a voltar à superfície.
No entanto, com exceção de figuras caricatas e desprovidas de qualquer sentimento humano, tais como Bolsonaro, Trump, seus comparsas e aqueles que neles acreditam, a humanidade, há muito, não se sentia tão humana e tão solidária, buscando com sofreguidão e plena abnegação a incolumidade física, mental e o bem-estar de todos. Isso não obstante ter a certeza de que viver, sobretudo em meio à pandemia, é muito perigoso — parafraseando o jagunço Riobaldo, personagem do sempre atual romance “Grande Sertão: Veredas”, do imortal escritor mineiro Guimarães Rosa, profundo conhecer alma humana, em especial a sertaneja.
Esse sublime sentimento coletivo representa inestimável alento à superação da pandemia e à reconstrução da vida social plena, que tenha como marcas primeiras e fundantes a solidariedade e os múltiplos afetos nas relações interpessoais.
A humanidade, com exceção dos já citados embaixadores do mal, conscientemente, já chamou a si a árdua missão de sepultar o caos em que se acha enleada e, das cinzas dele, reconstruir-se em patamar superior, que é seu fim maior. Isso é esperado para breve, tendo como marco inicial e seguro a vacinação de todos, em todos os países do mundo, sem exceção, com absoluto respeito à isonomia, princípio universal e multissecular, que se funda na garantia de igualdade entre iguais e de desigualdade entre desiguais, quanto à ordem de vacinação e de assistência.
Ante essas boas razões, a desafiar a todos quantos não perderam sua humanidade, é desejo universal que o ano de 2021 seja também inesquecível, como o da superação do inferno provocado pela pandemia e, como corolário, de reconstrução social, em todos os quadrantes do planeta Terra.
Como já bradava o poeta alemão Friedrich Schiller, em seu magnífico poema “Esperança”:
“A esperança não é somente um sonho criado por um cérebro insensato/ O coração murmura que nascemos para um mundo melhor edificarmos/ A voz interior, que sempre ouvimos, jamais iludirá a alma que espera”.
A hora é essa!
Vivas ao vindouro ano de 2021.