Movimentos fazem marmitaço em frente à Câmara de São Paulo em protesto contra ‘PL da fome’

Após repercussão, vereador Rubinho Nunes diz que deve retirar PL que impõe regras e multa a quem fizer doação de comida

Com a distribuição de 500 marmitas, movimentos populares fizeram um protesto na tarde desta terça-feira (2) em frente à Câmara Municipal de São Paulo. O ato denunciou o Projeto de Lei (PL) 445/23 do vereador Rubinho Nunes (União Brasil) que, apelidado de “PL da fome”, cria regras para quem doar comida a pessoas em situação de vulnerabilidade e multa de R$17.680,00 para quem descumpri-las.

Aprovado em primeira discussão na última quarta-feira (26), o texto precisa passar por segunda votação antes de ir para a sanção do prefeito Ricardo Nunes (MDB).

Com a repercussão negativa, no entanto, vereadores da base de Nunes declararam que devem vetar a proposta antes que chegue ao Executivo. O próprio prefeito afirmou que não dará sua sanção e Rubinho Nunes disse, nesta segunda (1º), que deve retirar o PL da pauta.

“É um absurdo pagar R$17 mil porque você dá comida a quem tem fome. Isso é inaceitável”, opina Auricélia da Silva, cozinheira da Cozinha Solidária do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) do bairro de Perus. “A gente dá comida, sim. Levanta cedo e vai para a cozinha com todo o carinho”, ressalta.

Junto do MTST, o ato foi organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Coletivo Banquetaço, a Pastoral do Povo de Rua, a Central de Movimentos Populares (CMP) e o Levante Popular da Juventude, entre outras entidades.

“A gente está aqui para pautar essa questão da forma correta. Porque, mesmo tendo recuado, na verdade, o que o Nunes queria era pautar essa questão de maneira errada. Colocando a população em situação de rua como criminosa, as pessoas que ajudam essa população como criminosas”, afirma David Zamory, da direção estadual do MST. “A verdadeira pauta é a da fome. Que persiste na cidade de São Paulo apesar de ser a cidade mais rica do país”, diz.

O que diz o PL

O texto proposto pelo vereador Rubinho Nunes prevê que, para fazer doação de alimentos sem ser multado, instituições e pessoas físicas devem ter autorização da prefeitura, fazer um cadastro e apresentar informações sobre onde, quando e quanto será distribuído.

Com a justificativa de que o objetivo é “garantir a segurança e o bem-estar dos beneficiários”, o projeto determina ainda que as pessoas que recebem as doações terão que estar cadastradas na Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social.

Rubinho Nunes, um dos fundadores do Movimento Brasil Livre (MBL), tem histórico de engajar suas redes por meio de declarações e propostas que têm como alvo o padre Júlio Lancellotti, o MTST e coletivos que atuam contra a violação de direitos na região central de São Paulo, como o coletivo A Craco Resiste. Foi ele o autor da CPI que mira organizações atuantes na região da cracolândia.

“A gente vive um momento no Brasil e no mundo em que a direita se utiliza de fake news para distorcer a realidade e inverter as pautas”, avalia Zamory.

“O que fizeram foi isso: pegaram uma realidade concreta, que são as pessoas na rua, sem casa, sem comida, sendo a todo momento violentadas pelo serviço público ao invés de ser acolhidas”, define o dirigente do MST.

“Para não expor que essa é uma falha do poder público, do capitalismo, criam uma fake news de que os culpados são os próprios moradores de rua, os movimentos, as organizações, os religiosos que tentam combater essa situação”, conclui.

“A gente está dando para as pessoas os direitos que eles [governantes] não dão”, sintetiza Rosilene Maurício, cozinheira da Cozinha Solidária do MTST em Jardim Iguatemi.

“Eles têm tantas coisas para fazer e ainda querem agir contra aqueles que estão fazendo. Pois que caçem o que fazer porque a gente, na cozinha, está indo muito bem. Dando comida a quem tem fome”, ressalta Rosilene.

Meio milhão de famílias têm fome em SP

Divulgados em abril deste ano, dados da PNAD Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que no estado de São Paulo há 523 mil domicílios em que famílias estão em situação de insegurança alimentar grave.

Ainda há, no entanto, as que nem domicílio têm. Só na capital paulista, a quantidade de pessoas vivendo nas ruas aumentou 16,8 vezes em 11 anos. Em 2012, eram 3.842. Em 2023, 64.818. O levantamento foi feito pelo Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O número é mais que o dobro do que aquele apresentado pela prefeitura de São Paulo em janeiro de 2022, a partir de um censo cuja metodologia foi criticada pela Pastoral do Povo de Rua e outras entidades que trabalham com essa população. A gestão municipal estima que 31.884 vivem nas ruas da capital paulista.

“Estamos aqui porque acreditamos em um país melhor”, diz Bárbara Cardoso, cozinheira do MTST em Santo André, região metropolitana de São Paulo: “onde a gente possa ter o direito de alimentar quem tem fome. Onde a fome, um dia, deixe de existir”.

Edição: Martina Medina

Do Brasil de Fato

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