MP 934 x MP 936: Como ficam os professores?
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Abstraindo-se as afrontas diretas aos comandos da Constituição Federal (CF), notadamente aos do Art. 7º, incisos VI, XIII, XIV e XXVI, e 8º, incisos III e VI, a redução de jornada e de salário (Art. 6º) e a suspensão temporária de contrato (Art. 7º), autorizadas pela Medida Provisória (MP) 936, têm como pressupostos inarredáveis a diminuição das atividades empresariais ou a sua suspensão temporária.
Não há nenhuma conformidade jurídica e/ou fática na suposição de que tais medidas excepcionais são compatíveis com a plenitude das atividades empresariais; não há como os compatibilizar.
Essa incompatibilidade se evidencia com absoluta clareza no ensino privado, quer de nível básico, quer superior, que se obriga ao cumprimento das normas gerais ditadas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) — Lei N. 9394/1996 —, e às emanadas dos respectivos sistemas de ensino no que diz respeito ao número de dias letivos e de horas anuais e diárias, no nível básico, e dias de trabalho acadêmico e programação de cursos para o cumprimento das respectivas matrizes curriculares no prazo legalmente estabelecido, no nível superior.
Muito embora a MP 934, de 1º de abril de 2020, com validade máxima de 120 dias, tenha flexibilizado o número de dias letivos e de trabalho acadêmico, as demais exigências permanecem inalteradas.
Nos estados em que as atividades pedagógicas/acadêmicas não foram suspensas, sendo realizadas de forma não presencial (remota), não há como as compatibilizar, de modo regular, com a redução da carga horária ou a suspensão temporária dos contratos de trabalho de professores. Quem se encarregará da preparação, aplicação, avaliação e acompanhamento das atividades pedagógicas/acadêmicas, se os professores estão com a jornada reduzida de 25% a 70% ou com contrato suspenso? Essa conta não se fecha, principalmente se considerando que essas duas medidas extremas, autorizadas pela MP 936, são aplicadas ao conjunto dos professores.
É bem de ver-se que, mesmo que somente uma parcela dos professores do estabelecimento de ensino esteja com a jornada reduzida ou com contrato de trabalho suspenso, ainda assim a conta não se fecha, pois que não os haveria em número suficiente para o regular desenvolvimento das atividades pedagógicas/acadêmicas diárias.
Assim, a toda evidência, nas centenas de estabelecimentos de ensino que já adotaram uma dessas duas medidas, quiçá ambas, de duas uma: ou a legislação educacional não é observada, nem mesmo no seu aspecto formal; ou, então, a redução de jornada ou suspensão temporária de contrato é mera formalidade, que visa apenas à diminuição salarial e o custeio de parcela da folha de pagamento pela União, mantendo-se inalterada a carga horária dos professores.
Se for a primeira alternativa, frauda-se a legislação educacional; se for a segunda, fraudam-se os direitos dos professores e a União. Em qualquer deles, além da afronta aos princípios da probidade e da boa-fé, obrigatórios na celebração e na execução dos contratos (Art. 422 do Código Civil), patenteiam-se o crime de falsidade ideológica (Art.299 do Código Penal) e o enriquecimento sem causa, vedado pelo Art. 884 do Código Civil.
Destarte, como se multiplicam as informações e comunicações de tais “acordos”, na educação infantil, no ensino fundamental, no médio e no superior, há imperiosa necessidade de que os sindicatos averiguem a sua lisura, com vistas à adoção de medias administrativas e/ou judiciais, caso se constatem indício de fraude ou sua concretização.
Para o cumprimento desse mister, os sindicatos são legitimados pelo Art. 8º, inciso III, da CF a requisitar a documentação que se fizer necessária, respeitado o seu sigilo, não podendo ser utilizada, exceto para instruir denúncia aos sistemas de ensino e ao Ministério Público, e ações judiciais, ainda assim, com ressalva de sigilo.
Igual averiguação, e com maior amplitude, deve ser pautada pelos respectivos sistemas de ensino, responsáveis pela regulamentação e supervisão das unidades escolares a eles jurisdicionadas; bem assim pelo Ministério Público, comum e do Trabalho, como fiscais da lei (custos legis), consoante os Arts. 127 e 129 da CF. Se não fizerem por moto próprio, que o façam a partir de denúncia das entidades sindicais, de trabalhadores prejudicados e/ou de pais.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee