MST reavalia ações e lutas pela reforma agrária no país
No Ginásio Nilson Nelson são esperados 15 mil integrantes do MST para debater rumos da reforma
Brasília – Ao completar 30 anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) reavalia suas ações e começa a reformular diretrizes dentro de um novo conceito de reforma agrária para o país. A avaliação dentro da organização é de que o modelo atual está esgotado. De ontem (10) até sexta-feira (14), em Brasília, haverá bastante tempo para discussão durante o 6º Congresso Nacional do MST, no ginásio Nilson Nelson, onde são esperadas 15 mil pessoas de todo o país, além de 250 convidados internacionais.
As principais discussões passam por um novo lema para o movimento e a avaliação cuidadosa das novas ações. “Temos 350 mil famílias assentadas em 1.200 municípios brasileiros, mas temos também 90 mil famílias não assentadas vivendo em barracas país afora, lutando pela terra. Esse modelo de reforma agrária não produz mais os efeitos desejados”, enfatizou em entrevista coletiva a diretora do movimento Marina Santos, coordenadora do congresso do MST.
Marina destacou a necessidade de se definir novas formas de luta pela terra, e de se avaliar a reforma agrária do ponto de vista das transformações sociais observadas nos últimos anos, com aumento da renda salarial, redução no número de desempregados e crescimento da população urbana. As questões revistas passam ainda por desafios relacionados à organização do movimento, o papel político dos assentamentos e a participação da mulher e dos jovens em defesa da reforma agrária.
O congresso também deverá analisar como lidar com o que alguns integrantes têm chamado de “privatização dos assentamentos”, que é o repasse, por parte dos assentados, das terras recebidas por eles para o setor privado. Para o movimento, a prática desmobiliza as pessoas e seria consequência do “descaso” do poder público em suas diversas esferas para com a questão. “Não há dinheiro público nos assentamentos, o mercado está tomando conta desses locais, que estão sendo privatizados a cada dia”, criticou, ao falar sobre o tema, o coordenador nacional do MST Alexandre Conceição.
Para o dirigente, os trabalhadores sem-terra migram cada vez mais para as cidades para trabalhar na construção civil, deixando de lado a luta pela terra por empregos que são abertos em iniciativas como o Minha Casa, Minha Vida ou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). “Ninguém aguenta mais esperar pra receber uma terra. Tem gente que está acampada há quinze anos e nada de ser assentado. O pessoal está preferindo trabalhar nas obras que surgem e, com isso, muita gente tem deixado o campo”, colocou.
Novo lema
Uma das primeiras deliberações foi a troca do lema do MST “Reforma agrária por justiça social e segurança alimentar” para “Lutar, construir, reforma agrária popular”. Também está sendo discutido o modo de atuação do movimento, já que uma corrente forte considera que a ocupação de terras não é mais, hoje, a maneira mais eficiente de luta pela reforma agrária, podendo as manifestações serem ampliadas em atos públicos próximos no entorno dos municípios e nas estradas.
“A questão da luta pela terra hoje está fora da pauta da sociedade e do governo, está despolitizada, cooptada por muitos intelectuais que acham que a reforma agrária e a luta pela terra não existe mais”, afirma Conceição, acrescentando que essa invisibilidade observada tem atrapalhado o trabalho do movimento. “Sobretudo porque continua sendo necessidade para o país uma reforma agrária efetiva, uma vez que a alta concentração fundiária no campo não tem sido alterada.”
Oposição do agronegócio
Outra crítica feita por Alexandre Conceição diz respeito ao poder observado junto ao agronegócio, formado, segundo ele, por alianças transnacionais, investimentos financiados por bancos privados, pela bancada ruralista no Congresso Nacional e pelos latifundiários.
“O movimento do outro lado é muitíssimo articulado. No Congresso, eles (os ruralistas) são quase 200 parlamentares para dois deputados que representam o MST e, no Judiciário, os processos sobre desapropriação de 200 mil hectares de terra estão parados há anos”, disse Conceição. Ele ressaltou ainda o desinteresse da mídia comercial em divulgar as ações do movimento. “No ano passado, durante o abril vermelho, foram trancadas 95 rodovias por mais de 20 minutos para que os trabalhadores pedissem por reforma agrária. Isso não foi noticiado porque a luta do MST não é mais notícia.”
As queixas também atingem as políticas do governo federal. Balanço apresentado neste primeiro dia de congresso mostrou que, no último ano do governo Lula, 55 mil famílias foram assentadas. Já no ano passado, o número pode não ter chegado a 30 mil. Para o MST, a queda é radical e representa um acumulado nos últimos anos, quando o número de assentamentos ficou em uma média de 20 mil a 22 mil por ano.
Os dados oficiais do Executivo, de 30 mil assentamentos feitos em 2013, foi divulgado no final do ano, mas o MST contesta. Conforme os coordenadores do movimento, os 30 mil englobam tanto os assentamentos realizados em 2013 (que teria sido apenas 7 mil, conforme argumentaram) somado às regularizações fundiárias de áreas da Amazônia e ao número de realocação de famílias em lotes que estavam vagos. “Vivemos o pior momento de reforma agrária no governo, desde quando o presidente era Fernando Henrique Cardoso”, afirmou Conceição.
O congresso foi aberto durante a manhã com uma grande apresentação por parte de crianças e trabalhadores sem-terra do Paraná. Fazem parte da programação dos próximos dias a realização, quarta-feira (12), de marcha em defesa da reforma agrária, e na quinta-feira (13), de ato com a participação de movimentos sociais e partidos políticos. Simultaneamente está sendo realizada ao lado do local dos debates a chamada Mostra Nacional da Cultura e Produção Camponesa – um espaço destinado à demonstração e comercialização dos alimentos produzidos pelos assentamentos.
Da Rede Brasil Atual