Navegar é preciso: A trajetória de Allysson Mustafa e a luta sindical pela educação

Da docência à Secretária de Relações Institucionais da Contee

Apaixonado pelas ondas da educação, Allysson Mustafa mergulhou cedo na docência. No segundo ano da faculdade, já ministrava suas primeiras aulas enquanto cursava História na Universidade Federal da Bahia (UFBA) e Comunicação Social na Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Com o tempo cada vez mais apertado, decidiu deixar a Comunicação e se dedicar integralmente à História. Esse mergulho profundo marcou o início de sua jornada como professor e abriu caminho para sua imersão nas águas do sindicalismo.

Logo se engajou nas questões coletivas das escolas onde lecionava, representando colegas e discutindo demandas junto à gestão das instituições. Em 2004, ao se formar, sindicalizou-se no Sindicato dos Professores no Estado da Bahia (Sinpro-Ba). Mesmo antes de ocupar cargos formais, participava de assembleias, reuniões e debates, defendendo os interesses da base, se destacando pelo espírito combativo e habilidade de diálogo.

Em 2011, Allysson tomou posse como membro do conselho fiscal do Sinpro-Ba. Nas eleições seguintes, assumiu a tesouraria — então somada à coordenação-geral — e, posteriormente, coordenou a diretoria por quatro gestões, consolidando sua atuação administrativa e estratégica. Por fim, foi eleito presidente do Sinpro-Ba, função que ocupa atualmente. São 15 anos de dedicação contínua à defesa dos direitos dos(das) professores(as).

Em 2016, foi escolhido pelo Sinpro-Ba para assumir a interlocução do sindicato com o campo político ao qual a entidade está vinculada dentro da Contee, denominado Fortalecer. Nesse papel, passou a representar o Sinpro-Ba junto a diferentes instâncias políticas. A partir dessas experiências, Allysson chegou à direção executiva da Contee.

Inicialmente, ocupou a cadeira de forma compartilhada, dividindo responsabilidades com o companheiro Manuel Henrique e, depois, com a companheira Adércia. Nesses primeiros mandatos, atuou nas pastas de Relações de Trabalho e, em seguida, na de Assuntos Educacionais.

Hoje, Allysson é coordenador da Secretaria de Relações Institucionais da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee). Na atual diretoria da Contee, Allysson coordena a interlocução política da confederação, acompanhando o trabalho do Congresso Nacional, dialogando com partidos e levando as demandas dos trabalhadores da educação aos ministérios, aos espaços legislativos e demais órgãos de decisão.

A trajetória de Allysson Mustafa é marcada pelo equilíbrio entre ensino e militância. Professor há 24 anos, concilia a prática docente com uma trajetória sólida de liderança sindical em defesa da categoria. Cada passo da sua carreira reflete o compromisso na construção de um movimento sindical mais forte e representativo.

Ele segue em alto mar, movido pela força coletiva, cumprindo sua travessia na luta sindical e educacional com o mesmo entusiasmo com que contempla o mar da Bahia.

Cada onda é um desafio, cada maré, uma conquista. Navegar é preciso para defender direitos, transformar realidades e semear dignidade. Navegar com coragem e esperança é preciso para promover a justiça social e melhorar a vida dos profissionais da educação.

O planejamento da Secretaria de Relações Institucionais

A Secretaria de Relações Institucionais da Contee tem como principal objetivo estreitar os laços entre o movimento sindical e a esfera política, fortalecendo a presença da entidade em debates e decisões de interesse dos trabalhadores da educação. Faz parte também da secretaria: O coordenador-adjunto – Jorge Luiz Carneiro de Melo (Sinpro-Ba) e o diretor Manoel Henrique da Silva Filho (SINTEEPE).

Segundo o coordenador da pasta, Allysson Mustafa, o plano é consolidar relações com mandatos de deputados e senadores para garantir interlocução em pautas estratégicas.

O coordenador enfatizou que o foco é o campo progressista, mas que o diálogo se estende a diferentes partidos, parlamentares e entidades, concentrando esforços junto ao Executivo e ao Legislativo Federal. A atuação junto ao Judiciário é responsabilidade da pasta de Assuntos Jurídicos.

O plano de trabalho da secretaria apresenta duas vertentes. A primeira, de caráter mais imediato, consiste em acompanhar e atuar sobre pautas já em tramitação no Congresso e no governo. A segunda vertente tem foco no processo eleitoral de 2026: a pasta pretende identificar candidaturas alinhadas às bandeiras do movimento sindical e da educação, oferecendo apoio e contribuindo para que questões relativas aos trabalhadores estejam presentes nos programas de governo.

“Precisamos identificar candidaturas que possam levar nossas pautas ao Congresso Nacional e à Presidência da República”, pontuou Allysson.

A implementação desse planejamento, na opinião de Allysson, se reflete diretamente em momentos de movimentação política intensa, como ocorre em votações estratégicas no Congresso. É nesse contexto que o coordenador vem acompanhando de perto o que ele chama de “xadrez político”, em que cada passo do Legislativo pode influenciar diretamente os interesses da categoria.

O xadrez político

Allysson Mustafa comentou que acompanhou de perto a votação e o noticiário sobre o projeto de lei que garante isenção do imposto de renda para trabalhadores que ganham até R$ 5 mil e desconto para quem recebe até R$ 7.350, aprovado na Câmara dos Deputados no dia 1º de outubro.

O coordenador explicou que a direita se sentiu pressionada e não pôde se opor à iniciativa. “Não havia como se colocar contra um projeto como este. Tentaram algumas manobras, por exemplo, para retirar a contrapartida, porque, obviamente, para isentar os trabalhadores de menor renda, era preciso alcançar também a camada superior, daqueles com rendimento fora da curva para a realidade brasileira”, disse.

Allysson acrescentou que, apesar da unanimidade na aprovação, é necessário cautela. “Essa unanimidade é extremamente importante, mas representa um movimento que encampamos porque o dia 21 de setembro definiu isso. Essa vitória é significativa, mas não é suficiente. Precisamos estar com as barbas de molho. A direita tentará impor uma agenda que não nos interessa. A política é um xadrez: a peça que se move aqui modifica o movimento da peça lá na frente. Temos que estar atentos e entender os próximos passos para nos posicionarmos. Isso faz parte do jogo político, mas não nos assusta”, afirmou.

21 de setembro: recados da mobilização social

Para Allysson, a votação vitoriosa também é resultado de um processo mais amplo de mobilização social, iniciado nas manifestações de 21 de setembro, que ele considera um marco político recente. “Aquele dia definiu muita coisa. A sociedade foi às ruas e deu recados muito claros”, frisou.

Entre esses recados, o dirigente destaca dois pontos fundamentais: o repúdio à anistia de golpistas e a rejeição à chamada PEC da blindagem, que, segundo ele, “ameaça a transparência e a igualdade perante a lei”.

“O Brasil já viveu experiências de anistia que não foram positivas. Não podemos aceitar a impunidade de quem tentou um golpe de Estado e atentou contra a vida de autoridades. Assim como não podemos aceitar retrocessos que blindem parlamentares de responderem à Justiça como qualquer cidadão”, salientou.

Ele complementou dizendo: “mesmo setores da sociedade não alinhados à esquerda entenderam a importância de se opor a pautas como a anistia e a blindagem. Não havia o menor cabimento de aceitar aquela agenda. Agora, precisamos manter o foco e interpretar os movimentos do Congresso de forma estratégica”, sublinhou

O coordenador declarou que o movimento também quis mostrar o que interessa à sociedade e que precisa estar no centro da pauta política: “Há temas urgentes, que dizem respeito à dignidade das pessoas e ao fortalecimento do Estado social — como a isenção de imposto de renda para trabalhadores, a redução do custo da energia elétrica para famílias de baixa renda e outras medidas que impactam diretamente a vida do povo”, observou.

Para Allysson, o retorno das ruas em setembro também foi simbólico. “Estávamos há algum tempo ausentes das ruas, e retomamos esse espaço. É claro que nem todos estavam ali com os mesmos propósitos, mas o importante é que havia uma mensagem comum: a sociedade brasileira não aceita retrocessos.”

15 de outubro: a luta para tornar o Dia do Professor feriado nacional

Representando a Contee, Allysson Mustafa participou de audiência pública na Câmara dos Deputados, convocada pelo deputado Tarcísio Motta (PSOL–RJ), para debater PL nº 3.965/2024 que transforma o 15 de outubro — Dia do Professor — em feriado escolar nacional, estendido também aos demais trabalhadores da educação.

Ele ressaltou que a iniciativa é de suma importância, especialmente para o setor privado, onde o feriado só se concretiza quando previsto nas convenções coletivas de trabalho. “Em estados como a Bahia, conseguimos garantir o 15 de outubro como dia não letivo, evitando que escolas remanejem a data e professores que lecionam em várias instituições fiquem sem o descanso”, contextualizou.

Para Allysson, o projeto deve ter tramitação tranquila no Congresso, pois há consenso sobre sua relevância na valorização dos profissionais da educação.

Plano Nacional de Educação

Na visão de Allysson Mustafa, o novo Plano Nacional de Educação (PNE) representa um avanço em relação às diretrizes discutidas nas conferências nacionais, mas o processo de tramitação no Congresso acendeu um sinal de alerta. “A proposta avançou e atendeu, em grande parte, ao que foi construído nas conferências de educação e consolidado na Conferência Nacional de 2024. O problema é o Congresso que temos hoje, majoritariamente conservador, dominado por interesses do agronegócio, de grupos empresariais e de setores religiosos”, ilustrou.

Segundo ele, esse cenário cria o risco de distorções entre o texto produzido de forma participativa na Conae e o resultado final aprovado pelos parlamentares. “Entre o documento referência, a proposta apresentada pelo MEC e o texto que sai do Legislativo, pode haver mudanças profundas: pontos essenciais podem ser retirados e outros, alheios à educação, podem ser incluídos para atender a disputas de projeto de país”, alertou.

Allysson informou que a Contee tem atuado em articulação com outras entidades no Fórum Nacional Popular de Educação, no Fórum Nacional de Educação, no Conselho Nacional de Educação e junto ao Parlamento, buscando garantir que o PNE preserve o espírito da educação plural, inclusiva e democrática defendido pela Conae.

“O PNE é uma matéria difícil e complexa. Precisamos garantir que ele se aproxime ao máximo do que foi proposto coletivamente, com metas que expressem o compromisso do Estado com a formação cidadã e com o direito à educação pública de qualidade”, destacou.

É preciso combater a pejotização

Na opinião de Allysson Mustafa, a pejotização é hoje o tema mais grave das relações de trabalho desde a reforma trabalhista de 2017 — e deriva diretamente dela. “A rigor, a ideia de pejotização já existia, mas encontrou espaço maior a partir da reforma. Agora, o Supremo Tribunal Federal se debruça sobre esse tema, e as preocupações do movimento sindical são enormes”, assinalou.

Segundo ele, a pejotização é uma das expressões mais claras da precarização das relações de trabalho, e não pode ser confundida com modernização. “Ela retira do trabalhador um conjunto de proteções garantidas pela contratação tradicional com carteira assinada. É um modelo que falseia a ideia de liberdade e de benefício para o trabalhador, mas, na verdade, o torna mais vulnerável”, sinalizou.

Allysson lembrou que muitos trabalhadores acreditam, num primeiro momento, que a pejotização aumenta a renda mensal. “É um engano. No médio e longo prazo, eles perdem: não têm FGTS, não têm garantias previdenciárias e muitas vezes deixam de recolher para o INSS, o que compromete o futuro e reduz a possibilidade de aposentadoria digna”, ressaltou.

O professor discorreu ainda sobre o impacto coletivo da pejotização no que tange o sistema previdenciário e o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). “Quando milhões de trabalhadores deixam de contribuir, a Previdência sofre, porque em algum momento essas pessoas precisarão de benefícios. O mesmo ocorre com o FGTS, que financia habitação, saneamento básico e obras públicas estruturantes. Ao minguar o fundo, o país inteiro perde, não só o trabalhador”, advertiu.

Para Allysson, o discurso de modernização é uma falácia. “A pejotização retoma o modelo do início da Revolução Industrial: o trabalhador sem garantias e sem direitos. Quem vende essa ideia está interessado na precarização, não em modernizar o país”, enfatizou.

Ele também manifestou preocupação com o julgamento em curso no STF, sobretudo pelo posicionamento do ministro Gilmar Mendes, relator da matéria. “Gilmar já afirmou que ‘a CLT não pode ser tratada como uma vaca sagrada’. O que ele chama de moderno é o trabalhador sem direitos. E esse pensamento tende a ganhar força, pois temos ministros com perfil liberal nas pautas trabalhistas”, avaliou.

Outro risco apontado é o esvaziamento da Justiça do Trabalho, uma vez que a pejotização desloca muitos conflitos para a justiça comum, sob a lógica de contratos civis. “Aí se perde a essência da relação de trabalho, e as fraudes ficam mascaradas. É o desmonte silencioso da proteção trabalhista e do papel da Justiça especializada”, salientou.

Fim da escala 6×1

Allysson Mustafa destaca que a jornada 6×1 — seis dias de trabalho seguidos de um de descanso — é desumana e precisa ser revista. “Essa pauta tem grande apelo, porque já esteve presente na mobilização do dia 21 de setembro. É uma jornada que precisa ser rediscutida”, realçou.

Ele discorreu que a questão é complexa, pois envolve PEC e mudança constitucional, mas aponta que há caminhos viáveis para avanços graduais. “O ideal seria uma escala 4×3, mas é difícil. Acreditamos que a 5×2 é viável. Conseguir essa alteração sem mexer na remuneração já seria uma grande vitória”, ponderou.

Allysson chamou atenção que o desafio é mobilizar os trabalhadores formalmente contratados, que representam cerca de 39 a 40 milhões de brasileiros, enquanto o mercado informal permanece fora do alcance da lei. “A metade que vai ser alcançada, precisamos mobilizar. Isso já faz barulho e caminha para se tornar realidade”, disse.

Ele também reiterou que o tema se conecta a outras pautas trabalhistas, como a pejotização, que depende de pressão social para moderação na aplicação pelo Supremo Tribunal Federal, sinalizando a necessidade de articulação política e sindical ampla.

O esperançar freiriano

Para Allysson Mustafa, a atuação sindical vai além da esperança passiva; trata-se de “esperançar” no sentido freiriano: acreditar em um futuro melhor e trabalhar ativamente para construí-lo.

“Lidamos com as durezas e as dores do nosso cotidiano, mas também com as delícias de sermos quem somos. O movimento sindical existe porque acreditamos que é possível fazer diferente, fazer melhor e construir um mundo mais justo, democrático e fraterno”, argumentou.

Ele reforça que os direitos não são dádivas, mas conquistas que exigem mobilização, representação forte e ação coletiva. “A Contee e os sindicatos que a compõem são a expressão desse fazer coletivo. Perdemos aqui, ganhamos ali, mas seguimos na luta, porque sem ela não há como conquistar nada”, concluiu.

Por Romênia Mariani

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