Notícias falsas devem pautar o debate eleitoral em 2020
Especialistas criticam alcance do PL das fake news: “vai na ponta de baixo, mas não vai na estrutura”
Personagem importante das eleições de 2018, as notícias falsas devem influenciar, ainda, o debate eleitoral neste ano. Apesar dos debates no Congresso e no Judiciário, especialistas escutados pelo Brasil de Fato estão pessimistas sobre o combate à desinformação no país.
“Esse processo se expandiu e agora influencia tudo. Por exemplo, a pandemia da covid-19 tem gerado notícias que favorecem quem desacredita a doença e tem morrido muita gente por isso. Não é só eleição que ela influencia e continuará influenciado neste ano, é comportamento também”, explica Leda Gitahy, professora do Departamento de Política Cientifica e Tecnológica (DPCT) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior de São Paulo.
Para o cientista político Rudá Ricci, as legislações propostas não coibirão a atuação dos produtores de notícias falsas. “O que está sendo sugerido pelo Congresso Nacional, coloca algumas balizas para coibir o disparo de fake news, mas o fato é que temos dois problemas, tivemos agora o caso da Sara Winter, que teve uma conta no Instagram extinta e ela criou, em seguida, uma segunda conta. É preciso um tipo de ação que seja mais dura em relação ao contraventor, ao criminoso. Só limitar as contas, mas não coibir o infrator, é insuficiente”.
Criticado por Ricci, o Projeto de Lei (PL) 2.630, formalmente chamado de Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e conhecido como PL das fake news, é a legislação mais próxima de ser adotada para regulamentar as consequências para a conduta de produção e disseminação de notícias falsas.
A lei também desagradou Gitahy. “Ela vai na ponta de baixo, mas não vai na estrutura, ela responsabiliza quem espalha. Não adianta nada, sai uma peça e entra outra. Aí, criam um algoritmo que diz que tais palavras serão censuradas, mas aí surgem outras que continuam circulando”, critica a especialista.
A internet, que já é um palco importante para as eleições, ganhará mais relevância em 2020, com as limitações impostas para a campanha nas ruas, por conta da pandemia. Esse elemento deve favorecer a propagação de notícias falsas. Para Gitahy, há um campo político que explorará as fake news.
“A extrema-direita é quem está mais preparada e quem realmente mais usa isso [notícias falsas], mas usam a desinformação de forma sofisticada. Olha a rede do [Steve] Bannon, funciona muito bem”, explica a professora, que coordena o Grupo de Estudos da Desinformação em Redes Sociais, na Unicamp.
Relatora da Comissão Mista Parlamentar de Inquérito (CPMI) das Fake News no Congresso, a deputada federal Lídice da Mata (PSB-BA), está pessimista. “Tenho muita clareza que, enquanto não aprovarmos uma legislação específica para coibir campanhas de desinformação nas redes, continuaremos acompanhando o crescimento deste fenômeno. Entendo que o problema persistirá na eleição deste ano, influenciando resultados, assim como acompanhamos em 2018″.
Legislação
A Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet foi aprovada no dia 30 de julho no Senado e seguiu para a Câmara dos Deputados, onde precisa ser aprovada. Os deputados ainda estão discutindo o projeto, que pode sofrer alterações.
O PL, que é proposto pelo senador Alessando Vieira (Cidadania-SE), determina que as empresas de redes sociais excluam contas falsas, que tenham sido criadas para “assumir ou simular identidade de terceiros para enganar o público”, a fim de evitar a propagação em massa de desinformação.
As plataformas também deverão, caso o projeto seja a aprovado com o texto atual, limitar o número de contas por usuário. Em caso de denúncias, as redes sociais devem identificar quem são os controladores dos perfis falsos. Porém, não há punição prevista para as empresas, em caso de reincidência.
Para Ricci, só a cobrança dos usuários pode fazer com que as redes sociais se comprometam com mudanças. “Empresa quer lucro, então se o público-alvo das empresas, os clientes, agirem em massa, as empresas se enquadram. Se elas notam que suas imagens não está sendo afetada, elas se calam. Não há outra saída, somente a pressão do cidadão fará as empresas se enquadrarem.”
Aplicativos de conversa
O PL ainda cria regras para o uso de aplicativos de conversa, como Whatsapp e Telegram. O envio de uma mesma mensagem será limitado e o número de membros de um grupo será reduzido. Além disso, a empresa deve garantir que o usuário seja consultado antes de ter seu número adicionado à uma lista de transmissão.
Os aplicativos de conversa deverão manter arquivadas, mesmo que os usuários deletem, as mensagens encaminhadas mais de uma vez, com registro do primeiro remetente, data, horário e quantidade total de envios.
Mata pondera que “é difícil que tenhamos a chamada ‘bala de prata’ que irá exterminar as fake news das redes sociais e dos aplicativos de mensagens”. Para a parlamentar, a cooperação do cidadão será fundamental. “É preciso que o usuário das redes e de aplicativos de mensagens entenda que há limites para a liberdade de expressão. Afinal, liberdade de expressão não se confunde com liberdade de agressão, de ataque, de incitação à violência”, conclui a relatora da CPMI das Fake News.