Nova decisão do TST abre perspectivas para professores da educação privada
Atividades realizadas em plataformas digitais passam a ser consideradas acréscimo de carga horária, garantindo o direito a horas extras
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Há muito, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), concernente ao contrato de trabalho de professor de instituições privadas de ensino, com exceção da Súmula 10 – que assegura o direito à remuneração no período de recesso escolar, cumulado com aviso prévio, quando for o caso – e a 351- que assegura o direito ao repouso semanal remunerado-, caminha no sentido anti-horário, ou seja, para trás; com destaque negativo para a Orientação Jurisprudencial (OJ) 244 da SDI1, que permite a alteração de carga horária com redução de salário, e o entendimento solidificado de que as atividades extraclasse já se acham remuneradas no valor do salário-aula. Com certeza, um disparate!
Eis o que diz a OJ N.244 da SBDI-1 – TST:
“PROFESSOR. REDUÇÃO DA CARGA HORÁRIA. POSSIBILIDADE (inserida em 20.06.2001) A redução da carga horária do professor, em virtude da diminuição do número de alunos, não constitui alteração contratual, uma vez que não implica redução do valor da hora aula”.
Eis alguns julgados referentes às atividades extraclasse: “RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/14. PROFESSOR. ATIVIDADES EXTRACLASSE. HORAS EXTRAS INDEVIDAS. As atividades extraclasse, como a preparação de aulas e a correção de provas, são inerentes à função docente e já estão incluídas na remuneração de que trata o art. 320, caput, da CLT, não configurando labor extraordinário. Recurso de embargos conhecido e não provido” (Processo: E-RR – 11264 24.2015.5.03.0149 Data de Julgamento: 05/04/2018, Relator Ministro: Hugo Carlos Scheuermann, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 13/04/2018). “RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/14. PROFESSOR. ATIVIDADE EXTRACLASSE. DIFERENÇAS SALARIAIS. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que o professor não tem direito ao pagamento de hora extra pelo exercício de atividade extraclasse, porquanto já incluída em sua carga horária e devidamente remunerada, na forma prevista no art. 320 da CLT. Incidência do art. 896, § 7º, da CLT. Recurso de revista de que não se conhece” (Processo: RR – 475 21.2013.5.04.0015 Data de Julgamento: 05/06/2019, Relator Ministro: Walmir Oliveira da Costa, 1ª Turma, Data de Publicação: DEJT 07/06/2019).
“PROFESSOR. HORAS-ATIVIDADE. TRABALHO EXTRACLASSE. REMUNERAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 320 DA CLT. PROVIMENTO. A remuneração do professor, na forma prevista no artigo 320 da CLT, abrange as atividades pedagógicas extraclasse, tais como preparação de aulas, elaboração de provas e correções, porquanto inerentes ao exercício da função do magistério. Assim, afronta à letra do referido dispositivo quando se defere à reclamante (professora) as horas-atividade, porquanto estas já estão incluídas na remuneração de que trata o aludido preceito. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e ao qual se dá provimento” (Processo: RR – 20953-27.2016.5.04.0021 Data de Julgamento: 29/09/2020, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 02/10/2020).
“RECURSO DE REVISTA. PROFESSOR. ATIVIDADE EXTRACLASSE. HORAS EXTRAS INDEVIDAS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Toda atividade preparatória em torno das aulas e do fornecimento de materiais didáticos, bem como avaliação e acompanhamento didático dos alunos, é, em essência, uma atividade compatível com a remuneração do cargo de magistério, sobretudo pela previsão legal da chamada atividade extraclasse (art. 320 da CLT), que se encontra englobada pela remuneração contratual do professor. Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho orienta-se no sentido de que as atividades extraclasse, tais como a preparação de aulas e a correção de provas, são inerentes à função de professor, sendo indevido o pagamento como horasextraordinárias, na medida em que tais atividades já estão inclusas na remuneração de hora-aula. Precedentes. Recurso de revista conhecido e provido” (Processo: Ag-ED-RRAg – 21738-70.2017.5.04.0015 Data de Julgamento: 07/02/2024, Relator Ministro: Breno Medeiros, 5ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/02/2024).
“RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA SOB A ÉGIDE DA LEI 13.467/2017. PROFESSOR. HORA ATIVIDADE. Da leitura do art. 320 da CLT, infere-se que as atividades extraclasse, referentes a estudos, preparação de aulas e correção de provas, funções precípuas dos docentes, já foram consideradas para o cômputo da remuneração do professor, sendo indevido o pagamento de um adicional de horas extras pelo tempo despendido com essas atividades. Recurso de revista conhecido e provido” (Processo: RRAg – 20282-52.2017.5.04.0511 Data de Julgamento: 26/04/2023, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, Data de Publicação: DEJT 28/04/2023).
“RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI Nº 13.467/2017. CATEGORIA PROFISSIONAL ESPECIAL. PROFESSOR. TRABALHO EXTRACLASSE. REMUNERAÇÃO. I. A jurisprudência desta Corte Superior sedimentou posição de que a remuneração dos professores também engloba as atividades exercidas fora do espaço físico da sala de aula, tais como preparo de conteúdos a serem ministrados, além da elaboração e correção de avaliações e demais trabalhos dos alunos. Precedentes. II. No presente caso, foram deferidas horas extraordinárias, em decorrência das atividades extraclasse inerentes ao trabalho dos professores. III. Desse modo, à luz da jurisprudência assente desta Corte Superior, a condenação ao pagamento de horas extraordinárias pelas atividades exercidas fora da sala de aula viola o art. 320 da CLT. IV. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento” (Processo: RR – 20849-30.2014.5.04.0013 Data de Julgamento: 08/02/2023, Relator Ministro: Evandro Pereira Valadão Lopes, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 17/02/2023).
“RECURSO DE REVISTA. PROFESSOR. ATIVIDADES EXTRACLASSE. HORAS-ATIVIDADE INDEVIDAS. Esta Corte Superior, interpretando o artigo 320 da CLT, adota o entendimento de que as atividades extraclasse são inerentes à função de professor e, por isso, estão inclusas na remuneração da hora-aula desse profissional, sendo indevidas as horas-atividades. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido” (Processo: RR – 21237 11.2016.5.04.0029 Data de Julgamento: 19/10/2022, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/11/2022).
Felizmente, em recentes decisões, o TST fez uma inflexão de grande relevância, como se colhe da Ementa do Acórdão e fundamentos do voto do ministro relator Hugo Scheuermann, que benefício, de modo considerável, sobretudo o professor que atua em educação a distância (EaD).
Veja-se:
“Professor. Atividades exercidas em plataforma digital. Acréscimo de atribuições e de carga horária. Horas extras devidas. As tarefas realizadas por professor em plataforma digital não integram as atividades extraclasse originariamente desenvolvidas quando acarretarem acréscimo de atribuições e de carga horária, não caracterizando mera transposição de tarefas para o ambiente virtual. No caso dos autos, o docente passou a ser responsável pela inserção de material didático na plataforma digital, em observância a determinados requisitos técnicos, bem como se tornou necessária a interação com os alunos em ambiente virtual para resolução de dúvidas fora do horário das aulas. Nesse contexto, a SBDI-I, por maioria, deu provimento aos embargos para restabelecer o acórdão regional quanto às horas decorrentes do trabalho executado na plataforma digital, vencidos os Ministros Breno Medeiros, Alexandre Luiz Ramos, Aloysio Corrêa da Veiga e a Ministra Dora Maria da Costa. TST-E-RR-10866 19.2018.5.15.0091, SBDI-I, rel. Min. Hugo Carlos Scheuermann, julgado em 20/3/2025.
Apesar de extenso, vale a pena transcrever, aqui, os principais fundamentos do voto do relator, que resultou na Ementa acima, por servir de balizador para as demandas dessa natureza:
“RECURSO DE EMBARGOS. INTERPOSIÇÃO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014. HORAS EXTRAS. PROFESSOR. NOVA METODOLOGIA DE ENSINO ADOTADA PELA RECLAMADA. TRABALHO NA PLATAFORMA SYLLABUS. ACRÉSCIMO DE ATRIBUIÇÕES E AUMENTO DA CARGA HORÁRIA.
- A controvérsia devolvida à apreciação desta Corte diz respeito ao “enquadramento jurídico das atividades exercidas pelo empregado no ambiente de ensino à distância do empregador”.
- Conforme registrado no acórdão regional, com a implantação dessa nova metodologia de ensino pela reclamada, os professores passaram a realizar tarefas na plataforma digital Syllabus: “inserção de dados na plataforma (atividades pré e pós aulas; preparação e inserção do material das aulas, frequência, etc.), bem como a interação on line e atendimento de dúvidas dos alunos, inclusive aos finais de semana”.
- O Tribunal de origem consignou que a “atuação dos professores na referida plataforma ocorre fora do horário da aula e não guarda qualquer relação com a atividade extra, uma vez que com esta não coincide, notadamente se considerado o preparo de material apropriado e acesso à plataforma e atender todos os requisitos técnicos para inserção das aulas, frequência, material, resolução de dúvidas”. Salientou que as atividades realizadas na plataforma Syllabus não se enquadram na definição de atividade extraclasse contida nas normas coletivas aplicáveis à hipótese: “indigitadas atribuições não se confundem comatividades extra classe, entendidas como tais ‘tempo gasto pelo PROFESSOR, fora do estabelecimento de ensino, na preparação de aulas, provas e exercícios, bem como na correção dos mesmos’ (v.g., cláusula 11, fls. 208)”.
- Como se vê, no caso específico dos autos, a nova metodologia de ensino não importou em mera transposição para o ambiente virtual das atividades docentes já desempenhadas, tendo acarretado acréscimo de atribuições e de carga horária.
- Com efeito, conforme registrado pelo Tribunal Regional, a reclamante passou a ser responsável pela inserção de material didático na plataforma digital, em observância a determinados requisitos técnicos, o que não se confunde com a mera preparação do conteúdo a ser ministrado. Tornou-se necessária, ainda, a interação com os alunos no ambiente virtual, para resolução de dúvidas, fora do horário das aulas.
- Tais tarefas não se confundem com as atividades extraclasse originariamente desenvolvidas, incluídas no valor da hora-aula por força do art. 320 da CLT, tampouco com a ‘hora-atividade’ prevista em norma coletiva, que, a teor do acórdão regional, limitam-se a remunerar a ‘preparação de aulas, provas e exercícios, bem como na correção dos mesmos’.
- Impõe-se, pois, restabelecer o acórdão regional quanto às horas extras decorrentes do trabalho executado na plataforma Syllabus. Recurso de embargos conhecido e provido.
[..]
O contexto que serviu de base a esses julgados, contudo, é diferente do ora examinado. No caso dos autos, a controvérsia diz respeito ao ‘enquadramento jurídico das atividades exercidas pelo empregado no ambiente de ensino à distância do empregador’.
Conforme registrado no acórdão regional, com a implantação dessa nova metodologia de ensino pela reclamada, os professores passaram a realizar tarefas na plataforma digital Syllabus: “inserção de dados na plataforma (atividades pré e pós aulas; preparação e inserção do material das aulas, frequência, etc.), bem como a interação on line e atendimento de dúvidas dos alunos, inclusive aos finais de semana’.
O Tribunal de origem consignou que a ‘atuação dos professores na referida plataforma ocorre fora do horário da aula e não guarda qualquer relação com a atividade extra, uma vez que com esta não coincide, notadamente se considerado o preparo de material apropriado e acesso à plataforma e atender todos os requisitos técnicos para inserção das aulas, frequência, material resolução de dúvidas, a demandar muito mais do que poucos minutos”.
Salientou que as atividades realizadas na plataforma Syllabus não se enquadram na definição de atividade extraclasse contida nas normas coletivas aplicáveis à hipótese: “indigitadas atribuições não se confundem com atividades extra classe, entendidas como tais ‘tempo gasto pelo PROFESSOR, fora do estabelecimento de ensino, na preparação de aulas, provas e exercícios, bem como na correção dos mesmos’ (v.g., cláusula 11, fls. 208)”. Como se vê, no caso específico dos autos, a nova metodologia de ensino não importou em mera transposição para o ambiente virtual das atividades docentes já desempenhadas, tendo acarretado acréscimo de atribuições e de carga horária.
Com efeito, a reclamante passou a ser responsável pela inserção de material didático na plataforma digital, em observância a determinados requisitos técnicos, o que não se confunde com a mera preparação do conteúdo a ser ministrado. Tornou-se necessária, ainda, a comunicação com os alunos em ambiente virtual, para a resolução de dúvidas, fora do horário das aulas. Tais tarefas não se confundem com as atividades extraclasse originariamente desenvolvidas, incluídas no valor da hora-aula por força do art. 320 da CLT, tampouco com a ‘hora-atividade’ prevista em norma coletiva, que, a teor do acórdão regional, limita-se a remunerar a ‘preparação de aulas, provas e exercícios, bem como na correção dos mesmos’.
A respaldar a conclusão ora adotada, pelo pagamento do tempo dedicado a atividades em plataforma digital, valho-me da lição de Homero Batista Mateus da Silva: ‘o caráter dinâmico que se espera do novo professor também pode gerar alguma pendência quanto à forma de remuneração por plantão de dúvidas à distância, uso de meios eletrônicos de comunicação e atendimento em tempo real em sistemas de bases de dados. Para alguns desses instrumentos, poderia ser convencionada remuneração por hora; para outros, o fator tempo não será suficiente, pela absoluta inviabilidade de controle, sendo preferível o uso de outras unidades, como o número de peças redigidas ou, se for o caso, o número de mensagens respondidas, digamos assim. É o custo do desenvolvimento científico, mas essas dificuldades não acontecem pela primeira vez com o professor, nem acontecerão pela derradeira vez, no direito do trabalho vivo’ (Direito do Trabalho Aplicado: saúde do trabalho e profissões regulamentadas. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021, pp. 343-4. Coleção Direito do Trabalho Aplicado; volume 3).
[..]
Ante o exposto, dou provimento ao recurso de embargos para restabelecer o acórdão regional quanto às horas extras decorrentes do trabalho executado na plataforma Syllabus. ISTO POSTO ACORDAM os Ministros da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de embargos, por divergência jurisprudencial, e, no mérito, por maioria, dar-lhe provimento para restabelecer o acórdão regional quanto às horas extras decorrentes do trabalho executado na plataforma Syllabus, vencidos os Ex.mos Ministros Breno Medeiros, Alexandre Luiz Ramos, Aloysio Corrêa da Veiga e a Ex.ma Ministra Dora Maria da Costa. Brasília, 20 de março de 2025. Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) HUGO CARLOS SCHEUERMANN Ministro Relator”.
Valem a pena a leitura e a adoção da decisão e dos fundamentos do voto do relator, em demandas dessa natureza, que são inúmeras.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee





