O capitão e seus generais
Por Gilson Reis*
A frágil democracia brasileira caminha a passos largos para o precipício do imponderável e do inimaginável regresso ao estreito leito do país das botas e fuzis. Os últimos acontecimentos, envolvendo altas patentes das Forças Armadas, da reserva e da ativa, contra o Estado democrático de direito, indicam que a tropa armada de balas e ideologias conservadoras/liberais está de volta. Os mesmos que ao longo da história amam brincar de governos e “foder” o país. Isso desde a proclamação da República até meados dos anos 1980, um século de ditaduras civis/militares.
Os mesmos voltam novamente com seu tradicional apetite de poder e sangue. O governo Bolsonaro já conta em suas fileiras com milhares de militares nos primeiro, segundo e terceiro escalões e até mesmo em cargos administrativos e prestação de serviços do Estado, a exemplo da execução de tarefas de atendimentos na Previdência Social, demostrando o apetite voraz da caserna. A boquinha reencontrada pelos milicos lhes proporciona poder, status e, é claro, um belo complemento do soldo, com regalias para curtir a vida, expandir seus patrimônios e interesses particulares.
Mas quem são os herdeiros de Marechal Teodoro da Fonseca e da velha República do café com leite imposta ao país; de Vargas do Estado Novo e do DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda); de Dutra e do seu udenismo tosco e conservador; de Castello Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel, Figueiredo e suas desventuras ditatoriais que levariam o país a duas décadas perdidas?
1 – Capitão Jair Bolsonaro
Frequentou a escola de formação da Academia Militar das Agulhas Negras em meados dos anos 1970, período de chumbo da ditadura.
Em 1986, foi detido e preso durante 15 dias, sofreu processo por indisciplina militar e foi condenado.
Em 1987 foi revelado que o tenente Bolsonaro planejava praticar um conjunto de explosões em lugares públicos do Rio de janeiro para desestabilizar o governo Sarney.
Ingressou na reserva em 1988, com o posto de tenente, ascendendo a capitão após ser eleito vereador para a Câmara Municipal do Rio de Janeiro.
Foi deputado federal por sete mandatos, entre 1991 e 2018, sendo eleito através de diferentes partidos, sempre envolvido com a velha pratica política dos caciques do toma lá, dá cá.
Em seus 27 anos como deputado federal, jamais ocupou qualquer posto de destaque no parlamento brasileiro; esteve sempre no patamar do baixo clero e com pouquíssima produção legislativa.
Esteve envolvido ao longo da vida em inúmeras denúncias de culto à tortura, racismo, homofobia, xenofobia, machismo e outros crimes sociais. Dizia abertamente que era preciso ter matado 30 mil brasileiros e brasileiras na ditadura militar.
2 – Hamilton Mourão
Frequentou a escola de formação da Academia Militar das Agulhas Negras em meados dos anos 1970, período de chumbo da ditadura.
Adido militar na Venezuela de 2002 a 2004, período em que os EUA tentaram dar um golpe de Estado contra o presidente Hugo Chávez.
A exoneração das Forças Armadas foi associada ao teor de suas declarações durante palestras que ministrava em Clubes do Exército ao redor do país, propondo a volta da ditadura militar.
Ao deixar o Exército foi aclamado presidente do Clube Militar, local de maior número de defensores de um novo golpe de Estado no Brasil.
Em pronunciamento público na loja maçônica Grande Oriente do Brasil, em setembro de 2017, defendeu abertamente o golpe de Estado.
Eleito vice-presidente da República na chapa de Jair Bolsonaro.
3 – General Braga Netto
Frequentou a escola de formação da Academia Militar das Agulhas Negras em meados dos anos 1970, período de chumbo da ditadura.
Adido militar nos Estados Unidos da América de 2011 a 2013, período em que, coincidentemente, iniciaram-se as agitações públicas no Brasil e a guerra híbrida liderada pela CIA em várias partes do mundo.
Primeiro interventor federal desde o final da ditadura. Nomeado por Temer, comandou a intervenção no Rio de janeiro.
A missão de desmantelar o crime organizado, o tráfico e as milícias foi um fracasso. A intervenção diminuiu crimes de roubos, garantiu apoio da classe média e uma ampla vitória para Bolsonaro no Rio de Janeiro.
Um dia após deixar o Exército foi nomeado ministro-chefe da Casa Civil do governo Jair Bolsonaro.
4 – General Heleno
Frequentou a escola de formação da Academia Militar das Agulhas Negras no final dos anos 1960, período de chumbo da ditadura.
Considerado pelos seus pares como um general linha dura e defensor da ditadura militar.
Em 2005, general Heleno liderou uma operação intitulada “Punho de Ferro” no bairro de Cité Soleil, em Porto Príncipe, no Haiti, dentro da missão humanitária brasileira. A operação foi um massacre, com mais de 70 mortes e milhares de tiros.
Em 2005, como comandante do Exército na região amazônica, acompanhou de perto a tentativa de golpe de Estado no Equador contra o presidente Rafael Correa, praticado pelas forças de segurança pública.
Foi, ao longo da vida, severo crítico da política indigenista realizada pelos governos brasileiros.
Atualmente é o chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República do governo Jair Bolsonaro.
5 – General Luiz Eduardo Ramos
Frequentou a escola de formação da Academia Militar das Agulhas Negras em meados dos anos 1970, período de chumbo da ditadura.
Adido militar em Israel entre 2001 e 2003.
Nascido no Rio de Janeiro e ex-colega de Bolsonaro na Escola Preparatória de Cadetes, em Campinas, Ramos era o militar da ativa mais próximo do presidente.
Deixou a carreira militar e ingressou diretamente no governo do presidente Jair Bolsonaro.
Em 13 de junho de 2019 foi nomeado ministro-chefe da Secretaria de Governo (Segov), do governo Jair Bolsonaro.
6 – General Eduardo Pazuello
Frequentou a escola de formação da Academia Militar das Agulhas Negras no início dos anos 1980, durante a ditadura.
Secretário da Fazenda no governo de Roraima no período da intervenção militar no estado nos anos de 2019.
Como comandante do Exército na região Norte, esteve envolvido diretamente na crise de fronteira entre Brasil e Venezuela em 2019.
Foi nomeado secretário-executivo do Ministério da Saúde pelo governo Jair Bolsonaro e hoje é ministro interino da Saúde.
O general, especialista em logística e que jamais atuou na área de saúde, assume o Ministério da Saúde em meio à maior crise sanitária da história de país.
Esses seis generais são responsáveis por setores políticos e estratégicos do governo federal, os chamados ministros palacianos. Agregados aos seis senhores, somam-se a eles mais seis ministros de Estado: Major da Polícia Militar do DF, Jorge de Oliveira Francisco, Secretaria-Geral da Presidência; Tenente-coronel da reserva Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia; General da reserva Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa; Almirante Bento Costa Lima, ministro das Minas e Energia; Capitão da reserva Wagner Rosário, Controladoria-Geral da União; e Capitão da reserva Tarcísio Freitas, ministro da Infraestrutura.
Podemos afirmar pelas breves biografias aqui apresentadas que o Brasil já convive e respira um governo militar. Ao analisarmos os governos militares nos anos de 1964 a 1985, em nenhum deles houve tantos militares ocupando tantos ministérios como no atual governo.
Portanto, é diante deste cenário tenebroso e com cheiro de pólvora e sangue que vivemos uma intensa crise política, institucional, econômica, social e sanitária. Para completar o ciclo dantesco, o país é diariamente submetido a insanidades e ameaças de um presidente neofascista e que impõe à sociedade brasileira a necropolítica.
Fora Bolsonaro e seus milicos de estimação.
*Gilson Reis é vereador em Belo Horizonte (MG) e coordenador-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino — Contee