O crescimento desenfreado da EaD: Um risco para a formação de professores e a qualidade do ensino
Nos últimos anos, a Educação a Distância (EAD) tem se consolidado como uma das principais alternativas de formação docente no Brasil. Em 2023, nos cursos de formação de professor (como pedagogia e licenciaturas), 67% dos universitários estudavam à distância. Levando em consideração apenas aqueles que ingressaram na graduação no ano passado, 81% escolheram a modalidade EAD.
Os números são do Censo da Educação Superior 2023, divulgados no dia 03 de outubro pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e pelo Ministério da Educação (MEC).
Esse modelo tem sido uma das grandes tendências na área educacional, especialmente com o avanço dos processos tecnológicos e a pandemia de COVID-19, em que milhões de estudantes e professores tiveram que se adaptar rapidamente às novas formas de ensino.
Em um país de dimensões continentais como o Brasil, muitos professores que atuam em áreas rurais ou em escolas com turnos extensivos, por exemplo, veem nos cursos a distância uma maneira viável de avançar na carreira e adquirir novos conhecimentos.
A flexibilidade de horário e a possibilidade de estudar de qualquer lugar são grandes trunfos da EAD. Esse quesito é frequentemente explorado pelo marketing, atraindo alunos com promessas de educação acessível e sem compromisso de tempo.
A EAD, que antes era vista como uma saída para pessoas que não podiam frequentar a escola presencialmente, hoje se expandiu para o ensino superior e até para a educação básica, com um aumento do número de cursos e faculdades que oferecem programas 100% online.
O cenário é preocupante. À medida que a EAD ganha fôlego surgem questionamentos importantes sobre seus impactos na formação dos professores e na qualidade do ensino.
Especialistas e o próprio MEC vem destacando a queda na qualidade da formação docente proporcionada pelos cursos de Educação a Distância, especialmente devido ao foco em modelos mercantilizados, ou seja, muitos cursos de formação continuada para professores no formato EAD são oferecidos por grandes empresas ou plataformas digitais com foco no lucro, não na excelência pedagógica.
Esses cursos, muitas vezes estruturados para reduzir custos, são compostos por aulas gravadas e reproduzidas em larga escala, alcançando um número ilimitado de alunos e sem a interação presencial que é imprescindível para a troca de experiências e o amadurecimento intelectual. O quadro permite dizer que a superficialidade é um dos grandes perigos da EAD, no contexto da mercantilização da educação.
A ideia é captar o maior número possível de alunos sem considerar necessariamente a qualidade do conteúdo e da formação oferecida. A falta de debates e discussões presenciais entre colegas dificulta o desenvolvimento de uma visão crítica e reflexiva.
Para enfrentar a enorme preocupação com a qualidade da formação docente na modalidade de Ensino a Distância, o Ministério da Educação adotou medidas rigorosas em maio deste ano. A principal delas determina que, a partir de agora, os cursos de formação de professores EAD devem contar com, no mínimo, 50% de sua carga horária em atividades presenciais.
Além disso, o MEC suspendeu a autorização para a criação de novos cursos EAD até março de 2025, como forma de reavaliar e melhorar os critérios para a oferta dessa modalidade, buscando assegurar que a formação docente não seja comprometida pela lógica mercantil e pela superficialidade do ensino a distância.
Já a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) está com a Campanha Educação Transforma, Regulamentação Protege, vem lutando incansavelmente para firmar o Acordo Nacional Coletivo, visando a regulamentação mínima da EAD.
O crescimento desenfreado da Educação a Distância, sem a devida atenção à formação de professores e à qualidade do conteúdo oferecido, tem o potencial de comprometer o papel transformador da educação. A intensificação da mercantilização da educação pode resultar em um sistema educacional desumanizado e mais excludente.
É impreterível que a sociedade, as instituições de ensino e os governantes estejam atentos a esses riscos e busquem alternativas que equilibrem o uso da tecnologia e a preservação dos princípios pedagógicos fundamentais à formação de cidadãos críticos e preparados para os desafios do futuro.
A questão da formação docente e sua relação direta com a qualidade do ensino nas escolas é um debate premente e oportuno nesta semana do (a) educador (a). Afinal, um (a) professor (a) bem formado (a) é essencial para o sucesso dos estudantes. A formação docente deve ser contínua, reflexiva e conectada com as realidades das escolas e dos alunos, já recomendava o renomado educador Paulo Freire. A capacitação de um (a) professora não pode ser apenas teórica e distante da prática. Precisamos de mais espaços voltados às vivências pedagógicas e que estimulem o pensar sobre as experiências em sala de aula.
Que a educação libertadora de Freire prevaleça nos quatro cantos do Brasil. A valorização dos professores é mais urgente do que nunca. Investir em uma formação sólida e coerente com as necessidades da realidade educacional representa um passo vital. Educação não é produto para ocupar as prateleiras do mercado. Educação é liberdade e a liberdade é inegociável.
Por Romênia Mariani