O STF e os direitos trabalhistas na barca para o cemitério
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
“CORREGEDOR E onde vai o batel?
DIABO No Inferno vos poremos.
CORREGEDOR Como? À terra dos demos,
Há de ir um corregedor?
DIABO Santo descorregedor,
Embarcai, e remaremos!
Ora, entrai, já que viestes!
CORREGEDOR Non est de regulae juris, não! (Não está conforme as regras do direito)
DIABO Ita, Ita! Dai cá a mão! (sim, sim, em latim) Remaremos um
remo destes.
Fazei conta que nascestes
Para ser nosso companheiro.
[..]
CORREGEDOR Oh! Renego da viagem
E de quem me há de levar!
Há aqui meirinho do mar? (Juiz ou magistrado)
DIABO Não há tal costumagem. (costume)
CORREGEDOR Não entendo esta barcagem, Nem hoc nom potest
esse. (E isso não pode ser.)
DIABO Ora se vos parecesse, (se vós pensais)
Que não sei mais dessa linguagem…
Entrai, entrai, corregedor!
CORREGEDOR Oh! Videtis qui petatis (Vede que pedis)
Super jure magestatis (algo acima do direito de majestade)
Tem o vosso mando vigor?
DIABO Quando éreis ouvidor Nonne accepistis rapina? (não aceitaste suborno?)
Pois ireis agora à bolina (à vela)
Onde a nossa pessoa for… Oh!
E que isca é esse papel
Para um fogo que eu cá sei!
CORREGEDOR Sempre ego justitia fecit. (Eu sempre agi com justiça)”
Os diálogos acima são da atemporal peça de Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno, ensaiada pela primeira vez em 1517, satirizando a sociedade portuguesa do século XVI e, de resto, de todo mundo ocidental.
Recortando-se o tempo, o lugar e as personagens e passando-se da sátira para a tragédia, bem pode servir como paródia da relação do STF com os direitos fundamentais sociais garantidos pelo Art. 7º da CF, por ele ameaçados de sepultamento definitivo.
“DIREITOS SOCIAIS Senhor guardião da CF, buscamos sua proteção contra a sanha do Congresso Nacional e a ganância insaciável do capital.
STF Para o museu da história os enviarei, sem pompas e sem liturgia.
DIREITOS SOCIAIS Como? Se sois o guardião da CF! STF Sou guardião da livre iniciativa; de vocês, sou coveiro!
DIREITOS SOCIAIS Non est de regulae constitutio (Não está conforme a Constituição)!
STF A letra da Constituição, nesse campo, aqui, quase nada vale! Vale o que digo que tem valor! Aqui, só há olhos para a livre iniciativa! Para vocês, nenhum!
Aliás, “Os dilemas que hoje o mercado nos impõe, e que exige que reflitamos a respeito do nosso modelo de direitos sociais, nomeadamente, os trabalhistas, são fruto de uma cultura paternalista que se desenvolveu há décadas. [..]”- ADI 5685.
Vocês estão vencidos e caducos, há muito!
É chegada a hora do “novo mercado de trabalho, sem a rigidez, muitas vezes, da própria Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).[..] Nós temos um mundo novo em que há um mercado de trabalho que não é mais o metalúrgico”( Discurso do ministro Roberto Barroso na Faculdade de Direito de São Paulo, dia 15 de agosto de 2025.
Como são teimosos e inoportunos! Insistem em não entender que a terceirização sem fronteiras e sem parâmetros é o novo que desabrochou.
“Além disso, a exigência de equiparação, por via transversa, inviabiliza a terceirização para fins de redução de custos, esvaziando o instituto”- RE 635546.
DIREITOS SOCIAIS Por que tanta peroração, carregada de ódio, contra nós, se o texto constitucional do Art. 7º nos assegura os direitos nele enumerados a todos os trabalhadores (caput), garantindo igualdade de direitos entre trabalhador com vínculo empregatício e trabalhador avulso (Art. 7º, XXXIV), mantém-se incólume; seguindo, portanto, vigente e efetivo?
STF Quanta impertinência e discurso demodê! Não veem que esse dispositivo constitucional, atualmente, é mera folha de papel, sem nenhum poder real. Repito e insisto, só vale aquilo o que reconheço e digo que é eficaz.
Deem-se por satisfeitos, por eu ainda reconhecer direitos para quem tem CTPS assinada. Em breve, só haverá pejotizados, que é o futuro que se descortina e que reconheço como novo tempo!. Tempo de glória para a livre iniciativa, a única que me importa; e de cemitério, para vocês!.
DIREITOS SOCIAIS Oh! Renegamos dessa viagem!
E de quem me há de nos levar!
Por certo, há aqui justiça, que não permita tal retrocesso colossal!
STF Há, sim, claro! A justiça sou eu, que digo que vocês venceram
se, porque só refletem o passado inglório do tal primado do
trabalho!.
Entendam, de uma vez por todas, o presente e o futuro são da livre iniciativa, que os renega e eu sou o guardião dela. Portanto, não titubeiem, sobre a quem prefiro e protejo! Por isso, brado: Vade retro, Satanás!
DIREITOS SOCIAIS Isso não pode ser!
STF Pode, é e será assim, por mais que seus acólitos esperneiem e tentem salvá-los. O novo é o capital sem fronteiras, sem barreiras e sem parâmetros. Assim garanto!
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee





