Ômicron ronda a volta às aulas presenciais

O mundo atingiu, dia 10, um novo recorde da covid, por conta da maior transmissibilidade da variante ômicron, ultrapassando 3 milhões de infecções em 24 horas. Segundo a Universidade de Oxford, foram 3,28 milhões de novos casos no planeta. Foi o quarto recorde em oito dias. No Brasil, a média móvel de novos casos na primeira semana deste ano subiu 639% em relação ao período anterior, a de mortes, com, 14%, indicou estabilidade.

Hans Kluge, diretor da Organização Mundial de Saúde (OMS) na Europa, informou que a variante ômicron está presente em quase todos os 53 países do continente. Mais de 7 milhões de novos casos de Covid-19 foram registrados na região durante a primeira semana do ano. As taxas de mortalidade continuam estáveis, mas são mais altas em países onde a incidência de casos é alta e as taxas de vacinação são baixas. Kluge destaca que dados recentes comprovam que a ômicron é “altamente transmissível e pode infectar até mesmo as pessoas que já tiveram Covid-19 ou que foram vacinadas”.

As hospitalizações por covid-19 nos Estados Unidos atingiram o recorde no último dia 10, com a ômicron. Foram 132.646 pessoas hospitalizadas naquele país, superando o recorde de 132.051, acontecido em janeiro do ano passado. As hospitalizações aumentaram desde o final de dezembro.

Em terras brasileiras, segundo a Fiocruz, as Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) voltaram a lotar. Quatro capitais (Recife, Belo Horizonte, Fortaleza e Goiânia) têm ocupação acima de 80%, o que é considerado crítico. Também há escassez nos insumos para testes e a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) recomendou aos laboratórios que priorizem os exames para pacientes graves, trabalhadores da saúde e outros profissionais essenciais.

Para o infectologista Júlio Croda, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), “vamos ter epidemias eventuais, quando surgirem novas variantes, mas com impacto cada vez menor em hospitalização e óbitos, por conta das vacinas. O fundamental é ter toda a população mundial com acesso ao esquema vacinal completo. Principalmente para diminuir o surgimento de novas variantes”.

Apesar de ser muito mais transmissível, a ômicron, que já é dominante também entre os brasileiros, ataca mais as células das vias aéreas superiores (nariz e garganta) que das inferiores (brônquios e pulmões), provocando menos casos graves. Também a vacinação diminuiu o número de óbitos, como ressalta Croda, pois ela “continua protegendo contra as formas graves”.

A nova onda está colocando os sistemas de saúde no limiar do colapso. A contaminação voltou a tirar dos hospitais profissionais de saúde. São mais doentes para menos médicos, enfermeiros e auxiliares em vários países, fazendo com que alguns reduzam, inclusive Brasil, o período de quarentena dos contaminados. “Não se tem certeza se a transmissão cessa depois do período reduzido, mas é uma saída para o país não entrar em total colapso por falta de profissionais de saúde e de outras atividades essenciais”, diz o epidemiologista.

Além do horizonte

Grupos reacionários, que incluem o presidente Bolsonaro e vários de integrantes de seu governo, propagam o discurso anticientífico, pretextando o funcionamento da economia e a liberdade individual. Bolsonaro, criminosamente, é contrário às medidas de contenção da pandemia e postergou ao máximo a compra de vacinas. Critica os que chama de “tarados por vacinas” e, irresponsavelmente, nega-se a vacinar a filha de 11 anos. E, no dia 12, saudou a nova variante: “a ômicron é bem-vinda e pode, sim, sinalizar o fim da pandemia”. Em resposta, o diretor de emergências da OMS, Michael Ryan, disse que “nenhum vírus que mata pessoas é bem-vindo”.

O neurocientista Miguel Nicolelis, da Universidade Duke, que previu e alertou sobre o cenário catastrófico que se alastrou pelo Brasil no primeiro semestre de 2021, não concorda que a pandemia esteja no fim. “Não sei como estas previsões são feitas. Não acredito que a gente esteja no epílogo da pandemia. Achavam que a delta era o final da história, e de repente surge a ômicron. E a capacidade de aparecerem novas mutações é grande”.

Ele alerta que “vivemos três epidemias simultâneas, com duas cepas do covid – delta e ômicron, e influenza. Então nós temos um conluio de três vírus RNA, e ainda um quarto vírus de RNA à espreita, que ninguém sabe o que vai acontecer este ano, que é a dengue”.

“Hoje, é difícil prever o que acontecerá”, diz ele, “porque são muitas variáveis – interações entre vírus, diferentes doses de vacina em diferentes níveis no país, janela imunológica de proteção de duas doses acabando, e uma variante com uma taxa de transmissão 70 vezes mais alta. Fica difícil de cravar, mas só posso dizer uma coisa: não vai ser leve. Esta palavra deveria ser removida do vernáculo. Quando um agente infecta 2,5 milhões de pessoas em 24 horas, não tem nada de leve”.

Nicolelis denuncia: “Nós não sabemos a realidade epidemiológica do Brasil, porque não temos dados para estudar ou conferir. Estamos vivendo em um apagão de dados, o que é outra tragédia. A liderança de nosso Ministério da Saúde é uma catástrofe. O atual ministro está pau a pau com o general Pazuello. Entrarão para a história como os mais inaptos. Aqui no Brasil perdemos toda a noção. É o que chamo da confluência dos 3 Ps – pandemia, pandemônio e paralisia das instituições e sociedade civil. Onde já se viu proporem prescrição médica para vacinar crianças no meio de uma pandemia?”.

O bioquímico estadunidense Neil King crê que teremos que seguir vacinando-nos contra o coronavírus a cada ano em 2023, 2024 e, provavelmente, também em 2025. “Depois o ritmo baixará a uma vez a cada três ou quatro anos”, explica o especialista em desenho de proteínas da Universidade de Washington.

Volta às aulas

É cada vez mais urgente a necessidade da imunização das crianças, mas o presidente Jair Bolsonaro diz ignorar mortes pela covid-19 na faixa entre cinco e dez anos, mesmo elas já passando de 300 desde o início da pandemia – uma a, aproximadamente, cada dois dias. A covid matou mais crianças do que todas as doenças imunopreviníveis em 15 anos, outro dado desprezado por Bolsonaro e seus ministros da Saúde e da Educação.

São mais de 20 milhões de brasileirinhos entre cinco e 11 anos, o que demanda 40 milhões de doses da vacina pediátrica da Pfizer. Mas a previsão é de chegarem somente 20 milhões no primeiro trimestre. Essa situação leva Júlio Croda a defender que o início do ano letivo seja adiado para a segunda quinzena de março: “É preferível aguardar um período de menor transmissibilidade. Não é necessário ter todas as crianças vacinadas, inclusive com a primeira dose, mas sim que o cenário de contágio seja menos grave.”

O total de mortes por covid de crianças de 5 anos é mais alto que o de outras idades na faixa até 11 anos, mas pelo plano do Ministério da Saúde elas serão as últimas vacinadas.

“É essencial continuar usando máscaras de alta qualidade em espaços fechados, fornecer doses de reforço a grupos vulneráveis e aos professores e agentes administrativos, garantir ventilação dos espaços (principalmente das salas de aula) e manter a boa higiene das mãos”, enfatiza o coordenador-geral da Contee, Gilson Reis.

Carlos Pompe

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