Orgulho para quatro em cada cinco portugueses, 25 de abril é ‘barreira’ ao avanço da extrema direita no país

65% consideram a Revolução dos Cravos a data mais importante da história e 56% apontam que teve mais efeitos positivos

Leandro Melito – Brasil de Fato | São Paulo (SP)

Nas primeiras horas do dia 25 de abril de 1974 forças armadas progressistas derrubaram a ditadura salazarista que governou Portugal por mais de quatro décadas. O movimento conhecido como Revolução dos Cravos não apenas instituiu a democracia no país, mas também levou à independência de ex-colônias na África – cujas lutas de independência foram cruciais para que ela ocorresse – e deu esperança para povos que ainda ansiavam por liberdade, como o nosso. O Brasil de Fato preparou algumas reportagens para contar a história e marcar o aniversário de 50 anos da Revolução dos Cravos. Clique na imagem abaixo para acessá-las:

Esta ano de 2024, em que a Revolução dos Cravos – que conduziu Portugal à democracia – completa 50 anos na quinta-feira (25), também foi marcado pela consolidação da extrema direita como a terceira principal força política no país. Representada pelo partido Chega, de André Ventura, o extremismo reacionário aumentou de 12 para 50 a sua bancada de deputados federais nas eleições parlamentares de março deste ano.

No momento em que o autoritarismo cresce, a força do 25 de abril – que marca a derrubada da ditadura fascista (1933 – 74) – se mostra como uma “barreira” contra o autoritarismo, na avaliação de João Gabriel de Lima, integrante do Observatório da Qualidade da Democracia da Universidade de Lisboa e jornalista brasileiro que vive há mais de 3 anos na capital lusitana.

“É uma data que une vários setores diferentes da sociedade, da direita à esquerda tradicional, jovens e velhos, e isso é realmente muito forte. No momento em que o país ficou assustado com o crescimento de uma extrema direita que é liderada por um político que se declara admirador de líderes que ou acabaram com a democracia, como Viktor Orban na Hungria, ou tentaram dar golpe, como Bolsonaro no Brasil, a força do 25 de Abril parece ser uma barreira contra essas essas investidas autoritárias”, disse em entrevista ao Brasil de Fato.

A avaliação do símbolo dessa data para a população portuguesa está baseada em números, na pesquisa mais recente feita com a população do país. Segundo o estudo “Os Portugueses e o 25 de Abril”, divulgado na sexta-feira (19), a data é motivo de orgulho para 81% da população do país, enquanto 13% avaliam que não é motivo de orgulho. Mais: 56% dos entrevistados apontam que a Revolução dos Cravos trouxe mais coisas positivas do que negativas, enquanto apenas 10% consideram o contrário. Para 65% dos portugueses, o 25 de abril é a principal data da história do país.

Fonte: Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Instituto Universitário de Lisboa e Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril/Brasil de Fato

A pesquisa foi desenvolvida por uma equipe do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa e do Instituto Universitário de Lisboa, em parceria com a Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril.

O estudo aponta que os entrevistados que simpatizam com o Partido Socialista (PS), “tendem a selecionar o 25 de abril de 1974 mais frequentemente” do que os que disseram simpatizar com o Partido Social Democrata (PSD) ou com o Chega.  Os partidos citados representam as três maiores forças políticas em Portugal, após as eleições parlamentares de março, que terminaram com a vitória da direita tradicional no país, representada pelo PSD, seguida pelo (PS).

Salazar?

Apesar de seguir a cartilha da extrema direita, com um discurso autoritário, reacionário do ponto de vista dos costumes, anti-imigração e até racista no início, Lima aponta que André Ventura não faz acenos ao salazarismo. “Ele não reivindica o Salazar,  quase não aparece no discurso do Chega. Talvez apareça no discurso de alguns eleitores.”

Dessa perspectiva, Ventura se diferencia de Jair Bolsonaro, uma de suas referências políticas, que defende a ditadura militar brasileira (1964-1985) em seus discursos e projeto político. Nesse sentido, aponta Lima, o bolsonarismo se diferencia da direita europeia, que embora tenha pautas políticas comuns com as ditaduras passadas, não fazem uma reivindicação aberta a elas em seus discursos políticos.

“Na Itália, a Giorgia Meloni também não reivindica o Mussolini, mas o partido dela descende diretamente do partido fascista italiano. Na Espanha também o Abascal não chega a reivindicar o Franco, mas chega mais perto porque enfatiza sempre que o pior governo que a Espanha já teve foi o governo socialista e não a ditadura franquista. Em Portugal, o Ventura se mantém um pouco longe da questão do salazarismo.”

Diferente do bolsonarismo no Brasil que está ligado a setores específicos da sociedade brasileira, como o setor militar autoritário, o agronegócio e as bancadas religiosa e armamentista no Congresso Nacional, ainda não está claro, na sociedade portuguesa, quais setores estão fechados com o Chega, de André Ventura. “O Chega não possui programa ideológico muito claro, o seu é um pouco mutante, antissistema, dizendo que a política tradicional não resolve os problemas, que existe muita corrupção, aliado ao discurso anti-imigração e anti ideologia de gênero, essas coisas. Mas nesse discurso antissistema, ele pega muita gente diferente”, analisa João Gabriel de Lima.

Apesar da distância do salazarismo em seus discursos, há setores no eleitorado português que podem ser atraídos pelo discurso autoritário do Chega.

Outra pesquisa, divulgada por ocasião dos 50 anos da revolução dos Cravos aponta que, embora 87% da população portuguesa prefira a democracia a “qualquer outro regime”, 47% apoiam o governo de “um líder forte que não tenha de se preocupar, nem com o parlamento, nem com as eleições” e 70% aprovam um governo onde “os especialistas, e não os governantes eleitos, a tomar decisões de acordo com o que consideram ser o melhor para o país”. A pesquisa 50 Anos de Democracia em Portugal foi desenvolvida pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Para a historiadora Patrícia Teixeira de Melo, apesar de ser um movimento minoritário na sociedade portuguesa, o salazarismo “nunca morreu” e, apesar de pequenos, alguns grupos contrários ao movimento de independência das colônias portuguesas durante o regime salazarista, como Angola e Moçambique, se mantém ativos em Portugal e, apesar de serem anteriores ao Chega, podem ser atraídos pelo discurso anti-imigração de André Ventura.

“Esse olhar chauvinista da história existe. Alguns grupos reivindicam que as nações africanas foram ingratas ao processo civilizador português, grupos de colonos que foram expulsos. Então tem famílias desses antigos colonos portugueses com esse ressentimento, essa nostalgia do passado, essa mágoa dos movimentos de libertação de Moçambique, de Angola”.

Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Instituto Universitário de Lisboa e Comissão Comemorativa dos 50 Anos do 25 de Abril/Brasil de Fato

Edição: Rodrigo Durão Coelho

Do Brasil de Fato

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