Os argumentos do juiz que mandou Netflix suspender especial de Natal do Porta dos Fundos
Em liminar tornada pública nesta quarta-feira (8/1), o desembargador Benedicto Abicair, do Estado do Rio de Janeiro, determinou que a Netflix suspenda a exibição do especial de Natal Primeira Tentação de Cristo, feito pelo grupo Porta dos Fundos.
O magistrado decidiu um recurso em favor do Centro Dom Bosco de Fé e Cultura, que alegou que “a honra e a dignidade de milhões de católicos foram gravemente vilipendiadas pelos réus”.
O especial humorístico causou polêmica por retratar Jesus como homossexual.
“Minha avaliação, nesse momento, é de que as consequências da divulgação e exibição da ‘produção artística’ (…) são mais passíveis de provocar danos mais graves e irreparáveis do que sua suspensão, até porque o Natal de 2019 já foi comemorado por todos”, diz a decisão do desembargador.
O centro católico autor do recurso (um agravo de instrumento), Dom Bosco, argumentou que a Netflix “agrediu a proteção à liberdade religiosa ao lançar e exibir o Especial de Natal Porta dos Fundos: A Primeira Tentação de Cristo, em que Jesus Cristo é retratado como um homossexual pueril, namorado de Lúcifer, Maria como uma adúltera desbocada e José como um idiota traído por Deus”.
O argumento é também que “o nível de desrespeito, agressividade e desprezo pela fé e os valores dos católicos revelados no filme é indizível, sendo especialmente agravado pelo fato de ter sido lançado às vésperas do Natal, data sagrada para os cristãos de todo o mundo”.
“Estamos diante de um conflito claro entre valores, princípios constitucionais. De um lado está o direito à liberdade de expressão artística enquanto corolário da liberdade de expressão e pensamento e de outro a liberdade religiosa e a proteção aos locais de culto e suas liturgias, consubstanciadas no sentimento religioso”, afirma o desembargador em sua decisão.
‘Amor prevalecerá’
Abicair decidiu que é “mais adequado e benéfico, não só para a comunidade cristã, mas para a sociedade brasileira, majoritariamente cristã, até que se julgue o mérito do agravo, recorrer-se à cautela, para acalmar ânimos, pelo que concedo a liminar na forma requerida”.
No final de dezembro, a sede da produtora do Porta dos Fundos no Rio chegou a sofrer um atentado, que acredita-se que esteja ligado à exibição do especial de Natal.
Em nota, o Porta dos Fundos afirmou que “gostaria de reforçar nosso compromisso com o bom humor e declarar que seguiremos mais fortes, mais unidos, inspirados e confiantes de que o Brasil sobreviverá a essa tempestade de ódio, e o amor prevalecerá junto com a liberdade de expressão.”
A assessoria de imprensa da Netflix comunicou à BBC News Brasil que a empresa ainda não foi notificada judicialmente da decisão do desembargador e que não oferecerá mais comentários sobre a situação.
Ao colunista do jornal O Globo Bernardo de Mello Franco, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello afirmou que a decisão da Justiça do Rio é “uma barbaridade” e não tem amparo na Constituição — e, por isso, deverá ser derrubada nos tribunais superiores.
“Os ares democráticos não admitem a censura”, declarou.