Para 94% da população nenhuma mulher merece ser estuprada, revela pesquisa

Por Marcos Aurélio Ruy

Ao contrário do que disse o então deputado federal Jair Bolsonaro de que não estupraria a também deputada Maria do Rosário porque ela não merecia, 94% das brasileiras e brasileiros acreditam que nenhuma mulher merece ser estuprada, revela a pesquisa Percepções Sobre Estupro e Aborto Previsto por Lei, feita pelo Instituto Locomotiva em parceria com o Instituto Patrícia Galvão, divulgada nesta terça-feira (10).

Outros dados reveladores mostram que 95% das mulheres têm medo de serem vítimas de estupro, sendo que 78% sentem muito medo. E 99% de todos os entrevistados sentem essa insegurança no quinto país mais violento contra as mulheres no mundo.

“Entender esse levantamento é essencial para as estratégias a serem adotadas pelos movimentos por igualdade de gênero e pelo respeito à vida das mulheres e da população LGBT”, afirma Celina Arêas, secretária da Mulher Trabalhadora da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB).

Outro dado a ser destacado é que para 84%, as vítimas de estupro nunca têm culpa pela violência. E 52% dos entrevistados dizem conhecer alguma vítima dessa violência hedionda.

Para Berenice Darc, secretária de Relações de Gênero da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE), o presidente da República as instituições não têm dado o devido exemplo necessário para o combate à violência de gênero e à cultura do estupro.

Ela cita como exemplos, a decisão da Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) de manter a absolvição, em primeira instância, por meio de júri popular, “de um homem preso em flagrante por esfaquear a ex-companheira, movido por ciúme, mostra a situação de desamparo vivenciada pelas mulheres no país”.

Mas principalmente, “a violência sofrida por Mari Ferrer em uma audiência de um tribunal de justiça, onde o advogado de defesa do algoz agrediu violentamente a vítima, sem que ninguém interviesse em seu favor e o juiz absolveu o acusado de estupro com o argumento de ‘estupro culposo’”. Isso para Berenice “incita à violência e à misoginia pelo sentimento de impunidade”.

Já o 14º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado recentemente, comprova o levantamento dessa pesquisa sobre a percepção e mostra que uma mulher foi agredida a cada 2 minutos no país, em 2019.

O anuário aponta ainda para o registro de 66.123 estupros em 2019, um a cada 8 minutos, sendo que 57,9% das vítimas foram meninas de no máximo 13 anos e a maioria aconteceu dentro de casa por pessoas conhecidas das vítimas. Além de terem ocorrido 1.326 feminicídios, com 89,9% cometidos por companheiros ou ex-companheiros das vítimas.

O Silêncio das Inocentes (2010), de Ique Gazzola

A pesquisa sobre a percepção da população em relação à violência contra as mulheres aponta que 73% das duas mil entrevistadas e entrevistados, entre 1º e 14 de setembro, a violência doméstica é o principal problema enfrentado pelas mulheres no Brasil.

O assédio sexual aflige 53%, o salário menor que os homens em funções iguais é problema para 43% e o estupro para 42%. Como as estimativas apontam para que cerca de 10% das vítimas denunciam o estupro, a pesquisa aponta a vergonha, o constrangimento e o medo da exposição entre os principais fatores para a não denúncia.

“De uma maneira geral, as mulheres que denunciam o estupro e a violência doméstica sofrem nova violência pelo tratamento machista e preconceituoso que recebem”, afirma Marilene Betros, secretária da Mulher da CTB-BA e de Políticas Educacionais da CTB.

E isso vem acontecendo com mais frequência por causa “do abandono das políticas públicas em favor dos direitos da mulher a uma vida digna e sem medo”, acentua Marilene. Por isso, Celina defende a importância de termos mais mulheres na política, nas instâncias de poder e em cargos de direção no mercado de trabalho.

“O compromisso com a emancipação feminina da mulher trabalhadora é fundamental para avançarmos na política de igualdade de direitos”, reforça. Além de “levarmos o debate sobre as questões de gênero para toda a sociedade com inteligência e transparência”.

Além disso, a pesquisa revela também a percepção de 56% dos entrevistados sobre as mulheres negras serem as principais vítimas de estupro e de violência doméstica no país. Entre os negros essa percepção sobe para 61%.

Já 82% das pessoas pesquisadas concordam com a legislação permitindo o aborto em casos de estupro. Para 88%, a interrupção da gravidez deve ser feita de forma segura e pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Isso porque “a não descriminalização do estupro atinge em cheio as mulheres pobres, que não têm dinheiro para pagar clínicas caríssimas para a realização do aborto e se submetem a fazê-lo em locais sem nenhuma condição”, denuncia Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da CTB.

“A pesquisa mostra que todo mundo tem a real percepção do problema e de que o poder instituído faz muito pouco para o combate à cultura do estupro”, define Celina. “Não podemos mais viver sob o medo e a vergonha”, reforça.

CTB

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