Pela primeira vez, Brasil não atinge meta de crianças no ensino fundamental
Em 2023, 94,6% da população de 6 a 14 anos estava nessa etapa escolar; é o menor índice da série histórica da Pnad-Educação
Isabela Palhares
Pela primeira vez em oito anos, o Brasil não alcançou a meta de ter 95% das crianças e adolescentes de 6 a 14 anos matriculadas no ensino fundamental (do 1º ao 9º ano), etapa escolar adequada para essa faixa etária.
Segundo os dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua) Educação, divulgada na sexta-feira (22) pelo IBGE, em 2023 o país tinha 94,6% da população dessa idade frequentando o ensino fundamental.
Esse é o menor percentual desde o início da série histórica da Pnad Educação, em 2016. O relatório da pesquisa aponta preocupação, já que houve queda de crianças matriculadas na etapa correta em todas as regiões do país, com exceção do norte.
“A análise da série desse indicador mostra que sua estimativa registrava percentual superior a 95% de 2016 até 2022, entretanto, com essa retração ao menor nível da série (em 2023), o indicador passou a ficar abaixo da meta preconizada pelo PNE [Plano Nacional de Educação]”, diz o documento.
O maior percentual alcançado pelo país nesse indicador foi registrado em 2018, quando 97,4% das crianças e adolescentes dessa faixa etária estavam no ensino fundamental. A partir desse ano, a proporção começou a cair.
Outra pesquisa, publicada na última segunda-feira (18), já apontava para os problemas de frequência escolar nessa etapa educacional. Segundo um estudo feito pela Fundação Itaú, 48% dos estudantes brasileiros não conseguem terminar o ensino fundamental na idade certa, ou seja, até os 15 anos.
Eles não conseguem concluir a trajetória regular nessa etapa por sofrerem intercorrências como reprovação, evasão ou abandono escolar.
“O Censo Escolar 2023 nos trouxe algumas pistas dos problemas que estão ocorrendo nessa etapa de ensino. Durante a pandemia, a taxa de abandono escolar nos anos finais do ensino fundamental [do 6º ao 9º ano] cresceu e não melhorou no pós-pandemia”, diz Jhonatan Almada, membro da Rede de Especialistas em Política Educativa da Unesco.
Ele destaca o aumento da população vivendo em situação de pobreza e miséria no Brasil, como um dos possíveis fatores para o abandono escolar. “A situação de extrema pobreza está relacionada ao trabalho infantil, que voltou a crescer no país. Precisamos de políticas multiarticuladas para manter essas crianças na escola.”
Para Daniel de Bonis, diretor de dados e pesquisa da Fundação Lemann, mais do que o abandono escolar, o que pode explicar a taxa de crianças matriculadas na idade certa nessa etapa é o atraso da entrada dos alunos no 1º ano do ensino fundamental, como reflexo dos efeitos da pandemia na educação.
“Números preliminares indicam que mais do que dobrou o número de crianças de 6 anos matriculadas ainda na pré-escola, idade em que elas deveriam estar no 1º ano. Talvez a principal hipótese seja a própria pandemia, em que a gente teve queda de matrícula na educação infantil e as crianças ficaram em casa.”
“Ao retornar para o sistema educacional, talvez os próprios pais ou as redes de ensino, por conta desse período da pandemia, tenham se inclinado a matricular as crianças ainda na pré-escola ao invés de ir diretamente para o fundamental”, explica Bonis.
Para ele, a consequência do atraso na entrada dessas crianças pode prejudicar o fluxo educacional. “Isso pode acarretar problemas futuros de permanência. Quanto mais você atrasa a formação de uma criança, mais você tem estímulos para que ela deixe a escola, por exemplo, pela necessidade de precisar trabalhar”, diz.
“Esse é mais um efeito da pandemia para o qual o Brasil precisa ficar atento. O atraso na entrada no sistema educacional pode impactar a vida dessas crianças por vários anos da vida escolar”, conclui.