Por que a Alemanha decidiu investir 42 bilhões de euros em universidades

Robert Koch, Alois Alzheimer, Wilhelm Conrad Röntgen, Max Planck, Theodor Adorno, Jürgen Habermas, Carl von Martius são apenas alguns dos nomes da longa lista de pesquisadores alemães que contribuíram com trabalhos que revolucionaram a ciência. Todos têm algo em comum: se formaram e desenvolveram pesquisas em universidades na Alemanha.

Ao formar novos pesquisadores e mão de obra qualificada, as universidades também são vistas na Alemanha como fundamentais para impulsionar o país no cenário internacional.

“As universidades e a ciência, além da amplitude das disciplinas, são reconhecidas aqui. Em alguns países, já não é assim. Quando vejo a situação no Brasil, onde há ataques contra Filosofia e Sociologia, percebo que vivemos na Alemanha uma situação muito mais confortável”, afirma à BBC News Brasil o presidente da associação de reitores da Alemanha, Peter-André Alt.

Para ele, “quem aprende a pensar em métodos, a resolver problemas, se comunicar, tomar decisões e produzir rapidamente entendimento a partir de informações, pode atuar com sucesso em vários setores”.

Neste ano, a importância do ensino superior para o país cresceu também no âmbito orçamentário, com a aprovação recente de um pacto que estabelece regras para o financiamento do ensino superior entre 2021 e 2030.

Segundo Alt, a medida garante repasses a longo prazo e cobre lacunas no financiamento do ensino superior gratuito que costumavam ser preenchidas com recursos vindos de programas especiais temporários. “Nos últimos dez anos, o número de alunos que entram anualmente no ensino superior na Alemanha passou de 370 mil para 500 mil. Esse já é um motivo para precisarmos de mais investimentos”.

Mas “as universidades não serão mais recompensadas por apenas aumentarem o número de vagas”, afirma Alt.

Para o presidente da associação de reitores, um dos grandes diferenciais do pacto é inclusão de critérios como número de calouros, de egressos e de conclusões de curso no prazo previsto para a distribuição dos recursos, priorizando assim a qualidade do ensino. Com verba garantida a longo prazo, universidades poderão, por exemplo, contratar mais professores.

Do total estabelecido no pacto, 41,5 bilhões de euros (cerca de R$ 183 bilhões) serão destinados ao ensino superior, com recursos vindos metade do governo federal e outra metade de Estados. Já os 120 bilhões de euros restantes serão aplicados em centros de pesquisa não universitários. O total desse valor corresponde, em média, a 2 bilhões de euros a mais por ano em relação ao investido em 2019.

Segundo dados de 2017, a Alemanha possui 428 instituições de ensino superior, com mais de 2,8 milhões de estudantes matriculados. Estima-se que seis em cada dez jovens alemães entrarão numa universidade. Em 2016, 31% dos alemães entre 25 e 34 anos possuíam curso superior completo.

Em comparação com a Alemanha, o Brasil possui menos universidades (197), porém, mais estudantes matriculados (8 milhões), segundo dados do MEC de 2016. No país, no entanto, apenas 15% da população entre 25 e 64 anos possuiu ensino superior completo.

De acordo com dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a Alemanha investiu 1,2% de seu PIB, em 2015, no ensino superior. Esse investimento é bem menor ao todo gasto com educação básica, que chegou a 3% do PIB. No Brasil, o cenário foi parecido, o investimento em ensino básico foi de 4,2% do PIB e 1,2% no ensino superior.

Segundo os dados mais recentes do Banco Mundial de 2015, a Alemanha gastou 4,8% dos seus 3,38 trilhões de dólares de Produto Interno Bruto (PIB) em educação. Deste total, 26% foram destinados ao ensino superior. Já o Brasil gastou 6,2% do PIB de 1,8 trilhão de dólares, sendo 21,5% do total destinado ao ensino superior.

A Alemanha gasta em média 10,7 mil dólares (cerca de 43,1 mil reais) por ano por aluno do ensino básico, segundo dados da OECD. Já com estudantes do ensino superior esse valor vai para 17,1 mil dólares (68,4 mil reais). O Brasil investe em média pouco mais da metade do que a Alemanha por aluno do ensino básico, apenas 5,6 mil dólares. No ensino superior, também é investido menos (11,7 mil dólares por estudante), mas a discrepância é menor.

A taxa de empregabilidade de jovens entre 25 e 34 anos com diploma no ensino superior na Alemanha chega a 87% e entre aqueles com curso técnico alcança 86%. A diferença do diploma, porém, aparece em relação aos salários, que costuma ser 58% maior entre aqueles com curso superior.

De acordo com um panorama do sistema de educação alemã de 2018, coordenado pelo Instituto de Alemão para Pesquisa sobre Pedagogia Internacional, as universidades têm um papel de destaque na formação de funcionários públicos, principalmente para o setor da educação. Atualmente, o setor público, em geral, emprega quase um terço dos formados. Mas o grande empregador continua sendo o setor privado, que absorve 50% dos estudantes que terminam o curso superior.

Na vanguarda

Saíram de universidades alemães as descobertas, por exemplo, do bacilo da tuberculose, do raio-x, da ligação entre o vírus HPV e o câncer de colo do útero, da tecnologia para o disco rígido, além da teoria crítica. Mas não só isso, nelas são formados professores, médicos, pesquisadores das mais diversas áreas, artistas e uma grande variedade de profissionais que são fundamentais para o funcionamento da sociedade.

De acordo com Alt, as universidades são fundamentais para o desenvolvimento dinâmico e contínuo do conhecimento em todas áreas, além de trazerem da inovação, por meio da pesquisa, e estimularem a criação de empresas a partir de estudos gerados em seu âmbito. “Nelas são formadas pessoas que buscam soluções e podem resolver problemas”, acrescentou.

Barbara M. Kehm, coordenadora do projeto de pesquisa Futuro das Ciências Humanas, desenvolvido na Universidade Leibniz de Hannover, ressalta o papel das universidades para a produção e mediação de conhecimento em todas as áreas. “Sem isso não há desenvolvimento e progresso numa sociedade”, afirma.

Muito do conhecimento produzido no âmbito acadêmico é aplicado posteriormente na indústria, gerando desenvolvimento e contribuindo para o país se tornasse uma das maiores economias do mundo. Em 2018, a Alemanha ficou em terceiro lugar no Índice de Competitividade Global, do Fórum Econômico Mundial, somando 82,2, numa escala de zero a 100.

Neste mesmo ranking, a Alemanha liderou no quesito inovação, alcançando 87,5 pontos, no geral. O Fórum Econômico Mundial destaca no relatório a inovação como o motor para o crescimento da produtividade e lembra que esse processo tem com um de seus pilares o desenvolvimento de ideias.

No estudo, o país é elogiado pelos investimentos em pesquisa, pela qualidade dos institutos de pesquisa e pela interação entre aqueles que produzem conhecimento e empresas. A Alemanha fez 99,1 pontos na subdivisão pesquisa e desenvolvimento do quesito inovação.

“O forte desempenho da competitividade global da Alemanha é também explicado por fundamentos muito sólidos, como um ambiente macroeconômico estável e uma população saudável, instruída e altamente qualificada”, acrescenta o texto.

O desenvolvimento econômico de um país não depende somente de sua economia, mas também está ligado aos seus índices sociais. Kehm acrescenta que na Alemanha as pesquisas contribuem para buscar soluções, não são somente tecnológicas ou para questões ligadas à saúde, mas também para lidar com problemas gerais do país ao focar em temas como proteção ambiental, religião, família e instituições sociais.

As universidades públicas são financiadas pelo Estado e não há cobrança de mensalidades, algo que a pesquisadora Kehm considera uma vantagem para atrair estudantes estrangeiros, que no futuro em seus países poderão estreitar as relações com a Alemanha, além de garantir de um tratamento igualitário a todos, independente da renda familiar.

“A Constituição alemã estabelece o direito à educação gratuita. Além disso, a gratuidade significa um sistema mais justo e melhores chances para todos”, acrescenta Kehm.

As universidades e a história alemã

As primeiras universidades alemães surgiram ainda na Idade Média, no final do século 14 e início do 15. Fundada em 1386, a Universidade de Heidelberg é a mais antiga do país. Por volta dos anos 1700, havia cerca 40 instituições de ensino superior em território alemão, atendendo a cerca de 8 mil estudantes.

“A Alemanha surgiu como Estado-nação no final do século 19 e as universidades sempre foram consideradas um motor fundamental para o desenvolvimento do Estado e da sociedade”, destaca Kehm.

Foi então no século 19, com a fundação da Universidade de Berlim, em 1810 por Wilhelm von Humboldt, que foram lançadas as bases deste setor que se perpetuaram até os tempos atuais. Os princípios que deveriam reger aquela universidade eram a unidade da pesquisa e ensino, a educação pela ciência, a liberdade da ciência diante interesses de exploração política ou social e a unidade da ciência sob o teto da universidade, além da independência universitária para solucionar questões internas e acadêmicas e seu financiamento estatal.

Humboldt criou, desta maneira, um marco para transformar a Alemanha numa nação da ciência no século 19 e desenvolveu um modelo de ensino superior que foi exportado e adaptado em diversos países europeus e nos Estados Unidos. Neste período, o número de universitários aumentou continuamente, no entanto, as universidades continuam sendo instituições de formação exclusiva da elite.

Com a ascensão de Adolf Hitler ao poder, as universidades acabaram sucumbindo ao regime nazista entre 1933 e 1945 e à ideologia da extrema direita, obrigando muitos alunos e professores brilhantes, como Hannah Arendt e Albert Einstein, a abandoná-las. A fuga de cérebros, principalmente para os Estados Unidos, levou o país a perder a posição de liderança no campo científico que havia conquistado ao longo do século anterior.

Após a Segunda Guerra Mundial, houve uma expansão do ensino superior e a recuperação dos princípios perdidos durante o regime nazista. Neste período, houve também a popularização das universidades que passaram a receber estudantes de várias classes sociais.

No decorrer da história, apesar de os investimentos no ensino superior variarem em decorrência de conjunturas econômicas, sempre houve um consenso sobre a importância destes setor. Segundo Alt, após a Reunificação alemã na década de 1990, houve um período de grandes cortes pois as universidades da antiga Alemanha Oriental foram integradas neste sistema, mas nos últimos dez anos a situação melhorou bastante.

“Na Alemanha, temos uma consciência geral de que as universidades são importantes para prosperidade econômica, para o potencial futuro do país, não somente para produção industrial e técnica, mas também para a memória coletiva cultural e para a compreensão da história e sociedade”, destaca Alt, que foi reitor da Universidade Livre de Berlim entre 2010 e 2018.

BBC

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