Por que a queda do preço dos combustíveis não é repassada ao consumidor?
O preço do etanol completou um mês de queda nas usinas brasileiras, ficando 20% mais barato, de acordo com estudo do Centro de Pesquisa Econômica Aplicada (Cepea), órgão ligado à Universidade de São Paulo (USP), divulgado na última semana. Nos postos, porém, o preço do etanol hidratado caiu apenas 0,4%, chegando a R$ 3,019 por litro.
Já o gás de cozinha teve queda de 9,2% nas refinarias no último período de 12 meses. No mesmo período, porém, o preço médio do botijão caiu somente 0,3%, segundo a Agência Nacional de Petróleo. Para especialistas em petróleo e gás, essa é uma mostra de como o processo de privatização de empresas públicas do setor, conduzido pelo governo Michel Temer (MDB), já trás prejuízo para os brasileiros.
O técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) e assessor da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Cloviomar Cararine, explica que, a partir do governo Temer, os preços dos combustíveis vendidos pelas refinarias da Petrobras passaram a variar diariamente atrelados ao mercado internacional. O intuito era preparar o terreno para privatização da Petrobras, sinalizando para o capital internacional que, a partir de então, o mercado teria muito mais força para decidir os preços praticados no país.
“As distribuidoras e os postos que estão revendendo para as pessoas ganham muito nesse momento de instabilidade, porque eles mantêm o preço, compram mais barato da refinaria, ou até mais caro, depende do preço do dia, e vão estocando e vão controlando o mercado. Passamos a viver uma situação em que a Petrobras, por não ter o controle do preço na refinaria, joga para a mão das distribuidoras e dos postos o controle do preço. Então, é muito difícil que o preço desses derivados caia, porque esses setores vão tentar aumentar cada vez mais sua margem de lucro. A preocupação maior é o lucro”, explicou Cararine.
O diretor técnico do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis Zé Eduardo Dutra (INEEP), Rodrigo Leão, destaca que as empresas de distribuição, transporte e venda na ponta, que hoje são as responsáveis diretas por regular o repasse de preços aos consumidores, são exatamente o elo da cadeia que está no plano de privatização da Petrobras. A Gaspetro já teve 49% de sua participação vendida em 2015. A BR Distribuidora abriu 40% de suas ações na Bolsa em 2017. E, no mesmo ano, a Nova Transportadora do Sudeste (NTS) foi inteiramente vendida.
Para Leão, o problema pode se agravar conforme avancem as vendas das empresas públicas. O especialista critica ainda ausência de propostas do governo para a regulação de um setor que está sendo completamente transformado, o que pode acarretar, inclusive, em problemas de desabastecimento.
“Você está fatiando uma cadeia que era toda integrada, tudo era coordenado pela Petrobras. Só que aí a logística deixa de ser da Petrobras, a distribuição também deixa de ser da Petrobras, ou seja, cada pedaço desse vai ter uma empresa nova, com um interesse novo, querendo atender seus próprios interesses e um deles é aumentar a margem de lucro. Então, o consumidor vai ser onerado com esse processo, mas você pode ter problema de desabastecimento, dependendo de como isso for feito. Aí é uma questão de problemas que podem surgir da desregulação e da desarticulação do setor e isso não está colocado como vai ser resolvido”, disse Leão.
Um estudo feito pelo economista da Unicamp Rodrigo Pimentel Ferreira Leão e pelo cientista político da FESPSP William Nozaki dá dimensão do impacto que a privatização pretendida pelo governo Temer trará para o setor de gás. Se as vendas estipuladas forem efetivadas, o Estado pode perder o controle de mais de 74% de todo o complexo de gasodutos de transporte do país.