Praias lotadas são ‘síntese da irresponsabilidade de Bolsonaro’, diz ex-ministro
Para José Gomes Temporão existe no país uma perda de consciência coletiva de prevenção por conta da omissão do governo Bolsonaro em relação à pandemia. Exemplo de enfrentamento à covid-19 vem do SUS e de instituições públicas de ciência
São Paulo – As imagens de praias lotadas em mais um fim de semana seguido no Brasil têm vários significados. Mas a “síntese” dessas aglomerações e da falta de consciência das pessoas em ir a esses locais sem a proteção de máscaras é a “irresponsabilidade do governo federal e do exemplo do presidente da República, Jair Bolsonaro”, afirma o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão em entrevista ao programa Brasil TVT. Temporão é médico e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Ele observa que todos os discursos negacionistas, contra a ciência de Bolsonaro, “dizendo que existe um remédio que não existe”, foram de alguma maneira incorporados por parte da população como verdade, ou, “verdade imparcial”, pondera.
Com mais de 131 mil vidas perdidas em decorrência do novo coronavírus, o ex-ministro da Saúde fala também numa “certa acomodação sobre a realidade”. Para ele, as pessoas ‘”passaram a considerar como natural” a média de 711 mortes diárias por covid-19. Somente até este domingo (13), de acordo com o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), foram registrados mais 415 óbitos. E o número de casos confirmados já ultrapassa dos 4,3 milhões.
“Há uma perda de consciência coletiva de prevenção. Quando eu me comporto de maneira adequada, usando máscara e evitando a aglomeração, mantendo o distanciamento, eu não estou apenas me protegendo. Estou protegendo principalmente o outro. Isso se perdeu, o governo não investe nisso. Nós não temos até hoje uma campanha de divulgação de massa pelos meios de comunicação, internet, ou educação cotidiana, pelo contrário. Nós temos na verdadeira máquina de desinformação cotidianamente, levando com que aconteça comportamentos irresponsáveis”, relaciona Temporão ao fenômeno das praias lotadas.
O papel dos SUS e da ciência
O ex-ministro também não descarta a responsabilidade de “governadores e prefeitos” com as cenas de praias lotadas. “Esse grau de falta de seriedade, de não ouvir a ciência e ter planejado de maneira equivocada a abertura, pode levar a um repique de casos. Essa reabertura foi altamente irresponsável”, adverte.
Em meio às acusações de irresponsabilidade de parte das autoridades, o enfrentamento e o combate à pandemia mostra-se centralizado no Sistema Único de Saúde (SUS) e nas instituições de ciência. Dois dos maiores produtores mundiais de uma possível vacina contra a covid-19 estão no Instituto Butantan, em São Paulo, e na Fiocruz, no Rio de Janeiro. Instituições que “desde o governo de Michel Temer para cá, vem tendo grandes dificuldades em aplicar os seus investimentos. Seja no campo da ciência e da tecnologia, como no próprio financiamento do SUS”.
“É muito importante uma reflexão da sociedade brasileira de defesa da ciência, da tecnologia brasileira. Assim como das iniciativas no campo da saúde que dão capacidade tecnológica diferenciada ao SUS e ao Brasil no enfrentamento dessa e de outras doenças que poderão vir no futuro”, comenta Temporão.
Vacina de Oxford
Nesta segunda-feira (14), uma das candidatas à vacina, a da Universidade de Oxford, desenvolvida pela farmacêutica AstraZeneca, terá seus ensaios clínicos retomados. Os testes foram paralisados por conta de uma reação adversa relatada por um voluntário no Reino Unido. Mas eles serão retomados após autorização, concedida neste sábado (12), pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
As pesquisas sobre a vacina de Oxford são coordenadas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Com a confirmação dos resultados, a Fiocruz já tem garantido um acordo com a transferência da tecnologia para a produção das vacinas no Brasil.
“Como houve uma liberação das autoridades regulatórias em termos globais, inclusive da própria Anvisa, o que depreende é que esse evento (reação) que aconteceu não tinha uma relação direta com a vacina. Foi muito importante isso ter acontecido. Demonstra o rigor, a transparência e a seriedade com que esse processo está sendo levado”, avalia o ex-ministro da Saúde.
Há um esforço global para a produção uma vacina. O governador da Bahia, Rui Costa, já anunciou que estado assinou um acordo para adquirir ao menos 50 milhões da vacina russa, Sputinik V, que entra na terceira fase de testes.
Confira a entrevista