Privatização da Eletrobras é prejuízo a ser pago pelo povo brasileiro
Especialista afirma que energia ficará mais cara para todos – residências, comércio e indústrias. Bolsonaro tem pressa na privatização para atender ao mercado financeiro, principal interessado no setor
A pressa do governo em privatizar a Eletrobras comprova a falta de compromisso do presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) com a sociedade brasileira e reafirma sua submissão ao mercado, em especial o financeiro, um dos setores mais interessados na venda da estatal. A afirmação é de Ikaro Chavez, engenheiro eletricista da Eletronorte e dirigente do Sindicato dos Urbanitários no Distrito Federal (STIU-DF), que critica veeementemente a venda da estatal, que está sendo votada na Câmara dos Deputados nesta segunda-feiras (21).
A pressa é por causa do prazo apertado para a votação já que a MP caduca à 23h59 desta terça-feira (22). A pressa é também porque, desde a reforma da Previdência, Bolsonaro não presta contas ao setor que o ajudou a ser eleito. E ele está sendo cobrado.
“Bolsonaro precisa entregar algo ao mercado. Ele se mantém no governo porque é visto como útil para atender aos interesses desse setor. Ele precisa dar coisas, como foi com a reforma da Previdência e a da Eletrobras privatização entrou como uma encomenda”, afirma Ikaro Chavez
Para isso, o presidente buscou o apoio de parlamentares por meio de emendas legislativas – liberando verbas paras os deputados usarem em projetos em suas bases eleitorais. Por isso, Ikaro acredita que dado o quadro político, as chances de reverter a aprovação são pequenas, apesar dos prejuizos que a medida representa para o Brasil e para os brasileiros, como ataque à soberania, alta nas conta de luz e riscos de apagões.
“Deputados que votam a favor já estão pagos para aprovar o projeto, mesmo sabendo que a privatização é impopular, já que encarece o preço da energia elétrica. Para compensar essa impopularidade, eles colocaram um preço, pago pelo governo por meio de emendas parlamentares”, diz Ikaro.
Privatização impopular
Ikaro Chaves explica que a privatização da Eletrobras é um debate polêmico no Congresso, porque vários aspectos do projeto levam ao encarecimento da conta de energia elétrica. É um custo que a sociedade brasileira vai ter de arcar. E não é pouco. Em princípio, um aumento estimado por especialistas no setor de energia, é de 14%, ainda que para justificar a privatização, o governo Bolsonaro propaga que a privatização poderá diminuir em 7,36% a tarifa de energia.
Esse custo atinge mais de 80 milhões de unidades consumidoras no país – de residências a pequenas indústrias, passando pelo comércio.
O engenheiro Ikaro Chavez explica que a origem desse aumento está na proposta de descotização de hidrelétricas.
O investimento feito nas usinas mais antigas – a construção e implementação – já estão pagas e o funcionamento delas não gera gastos relevantes, por isso, o preço do megawatt/hora cobrado é menor, na base de R$ 61, em média.
Com a MP essas usinas poderão negociar a energia produzida para o mercado aberto, praticando preços de usinas novas e privadas – de cerca de R$ 250 o MWh, já que os investimentos feitos para elas, ainda estão sendo pagos.
Outro ponto que encarece o preço da energia elétrica é a concentração de mercado. Ikaro alerta que se o Brasil ficar na mão de uma Eletrobras privatizada, controlada por apenas uma empresa, a soberania energética estará em risco.
A Eletrobras controla um quarto da geração da energia elétrica do país e 50% da energia armazenada. Quem controla essa energia controla o preço. É difícil mensurar o tamanho do estrago que isso pode causar na conta de energia”, explica Ikaro.
Por isso, a maior parte do mercado é contra a privatização. O impacto maior vai para o bolso do consumidor e nesse meio estão incluídas empresas. Até mesmo federações como a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) se posicionam contrárias, lembra Ikaro. Partidos como PSDB, Novo, parlamentares do MDB, entre outros, tradicionalmente liberais, também são contrários.
“Grandes consumidores podem comprar energia no mercado livre, negociando preço, é um insumo. Os consumidores do mercado cativo, nós, as residências, pequenas industrias, todo o comércio, supermercado prefeituras, os agricultores, a grande maioria dos consumidores, é que vão pagar a maior conta.
Argumentos que não se sustentam
Para desconstruir a argumentação de que a privatização destrava investimentos no setor, Ikaro Chaves reforça que a empresa tem, sim, capacidade de investimento e modernização. Não investe por que não quer e visa apenas a privatização, afirma.
“Esse governo é um governo da mentira. A Eletrobras teve capacidade de R$ 30 bilhões para investimentos nos últimos três anos. O lucro no ano passado foi de R$ 6,4 bi. A estatal não usa dinheiro público para investimentos. Pelo contrário, paga dividendos. Gera receita”, diz Ikaro.
Outro argumento – de que o setor privado tem capacidade maior de investimento – também não se sustenta. “No setor elétrico o argumento para privatização é ridículo porque não há proibição de empresas privadas investir. Quem quiser pode investir. É só montar a empresa e disputar a concessão no leilão da Aneel, construir sua usina, sua linha de transmissão”, diz ele.
Ele afirma ainda que se o mercado tivesse, de fato, com tanta vontade de investir, não compraria a Eletrobras. Por isso, a conclusão é de que se trata da entrega do controle de quem controla o preço da energia elétrica.
E nenhum país faz isso, segundo Ikaro. Nas principais potências como China, Estados Unidos e Canadá, o controle da produção por meio de hidrelétricas é feito pelo Estado.
Fio de esperança
O Supremo Tribunal Federal analisa ações de inconstitucionalidade da tramitação da medida como vem sendo feita. Ikaro Chaves afirma que é ilegal por vários motivos. Um deles é a MP ter sido votada como tema de urgência e relevância.
“Não tem nenhuma urgência em privatizar a Eletrobras, mas isso vai depender do entendimento do Supremo. Outra questão é que, para uma MP ser votada, o rito determina que ela tenha de passar por uma comissão mista de deputados e senadores, o que não ocorreu”, ele diz.
A MP não teve sequer audiências públicas para que o tema fosse debatido de forma mais ampla. Ikaro afirma que o relatório foi feito da forma que o relator quis – tanto na Câmara como no Senado.
“É um processo ilegal e isso foi questionado no Supremo. Está nas mãos do ministro Alexandre de Moraes, que já pediu explicações, mas ainda não deu seu voto sobre a ilegalidade da tramitação”, explica Ikaro
No caso de o ministro decidir pela ilegalidade, ainda que seja após aprovação da pela Câmara, todo o processo se turno nulo.