Projeto Escola sem Partido é mais autoritário que currículo educacional da ditadura
Para professor, em vez de disciplinas, o projeto está criando uma ideologia que propõe voltar a cultivar valores nacionalistas
Por Rodrigo Gomes
Da Rede Brasil Atual
O projeto Escola sem Partido, que alega combater a doutrinação de esquerda nas escolas e defender uma educação supostamente neutra, tem um viés mais autoritário que o currículo educacional desenvolvido durante a ditadura (1964-1985), na avaliação do professor Alexandre Pianelli Godoy, doutor em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “Por incrível que pareça, embora no período da ditadura houvesse os guias curriculares e certa vigilância sobre o professor e o conteúdo que seria dado, os docentes não eram pressionados a ensinar desta ou daquela maneira”, afirmou.
O Escola sem Partido foi idealizado em 2004, pelo procurador do estado de São Paulo Miguel Nagib, que enxergou conteúdo ideológico após um professor de sua filha citar que o revolucionário argentino Che Guevara e o santo católico São Francisco de Assis, abandonaram a riqueza pela causa que acreditavam.
O projeto determina que sejam afixados em salas de aula cartazes com os deveres do professor. Os principais pontos do projeto são impedir qualquer afronta às convicções religiosas ou morais dos pais e dos alunos e impedir a apresentação de “conteúdo ideológico” para os estudantes – nesse caso há uma evidente partidarização, pois somente conteúdos considerados de esquerda são citados.
Para Godoy, ao definir o que não pode ser dito em sala de aula, impondo as convicções morais e religiosas das famílias tradicionais sobre o conteúdo das disciplinas, o Escola sem Partido expõe sua própria partidarização. “Há um retrocesso e uma visão autoritária que estão se voltando contra os conteúdos. Viver em uma democracia com práticas autoritárias acaba com o debate de ideias e com a própria democracia. É preciso que o professor tenha uma prática plural, diversa e que dê espaço para o livre debate e que os alunos se posicionem e discutam”, afirmou.
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No período ditatorial, os alunos do primário – atual ensino fundamental I – conviviam com uma disciplina chamada Educação Moral e Cívica, que basicamente exaltava a nação por meio de eventos festivos e afirmação dos símbolos nacionais. No ginásio e no colegial – que hoje correspondem aos fundamental II e ensino médio – os estudantes recebiam conteúdos de Organização Social e Política do Brasil (OSPB), que reunia disciplinas da área de ciências humanas (geografia e história), com o mesmo objetivo da matéria anterior.
“A Educação Moral e Cívica pretendia moldar os alunos, mas não dispunha de atividades pedagógicas competentes”, argumentou o professor. Desse modo, os professores tinham certa “liberdade para trabalhar”, já que não havia modelos rígidos de como atuar em sala de aula. Diferentemente do que pretende o Escola sem Partido.
“Em vez de uma disciplina, o Escola sem Partido está criando uma ideologia que propõe voltar a cultivar valores nacionalistas, mas que na verdade escondem como se formou o nosso país: por meio de lutas, de conquistas, da dizimação de indígenas, escravidão dos negros. Não se pode tomar a história brasileira por meio de eventos festivos (como se fez na ditadura), é preciso problematizar”, avaliou.
Segundo o doutor em Educação e professor emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Luiz Antônio Cunha, a ditadura não fez grandes mudanças em relação ao modelo educacional que vinha sendo implementado no país desde o Estado Novo (1937-1945). “Não houve necessidade de um projeto, porque o que eles queriam já estava sendo aplicado: esvaziamento das matérias, unificação do ensino fundamental, adoção do modelo americano”, disse.
A OSPB, inclusive, fora criada em 1962 pelo educador Anísio Teixeira (1900-1971), com o objetivo de discutir os processos democráticos, os direitos políticos e deveres do cidadão constantes da Constituição, baseado em modelos franceses e estadunidenses. A principal ação implementada pela ditadura foi a vigilância sobre os professores e a ideologização da educação como um instrumento moralizante.
Para Cunha, os valores defendidos pelo Escola sem Partido não diferem daqueles promovidos nos conteúdos de Educação Moral e Cívica, porém são mais rígidos. “Saímos de uma proposta que não era exatamente religiosa, mas sofria influência, para uma ideia de educação objetivamente religiosa. Além disso, incentivam alunos e pais a delatarem professores. O que mais vão fazer? Colocar polícia em sala de aula? Criar tribunais ideológicos?”, questionou.
O professor ressaltou ainda que é preciso observar que o Escola sem Partido esvazia a escola, mas algo deve, obrigatoriamente, preencher o espaço vago. “Esta é uma perna de um projeto mais amplo. Não basta calar, é preciso colocar algo no lugar. Quem mais que está agindo para educar dentro da escola pública, nessa perspectiva que evite a crítica de fato? São aqueles grupos que pretendem desenvolver o ensino religioso”, afirmou.
Hoje existem quatro propostas baseadas no Escola sem Partido em 12 Câmaras Municipais e sete Assembleias Legislativas. Na Câmara dos Deputados, há quatro projetos. E no Senado, um.