‘Quando a gente não dá o devido valor à escola, temos esse País’
Eleita 'educadora do ano', a diretora escolar Eliane Leite fala dos desafios da educação na pandemia e sobre o repensar das escolas
O afastamento do chão da escola devido à pandemia, não impediu que Eliane Leite fosse reconhecida pelo papel que desempenhou à frente da ETEC Pirituba, escola estadual na zona norte da cidade de São Paulo, ao longo de 2020. Há poucas semanas, a diretora foi eleita “educadora do ano” pelo Prêmio Mulheres que Transformam, da XP Inc.
O cenário adverso tornou a premiação ainda mais especial, que ela atribui à educação como um todo. “É uma conquista da educação pública que está sendo premiada em meu nome. É uma homenagem a todos os professores que estão na linha de frente desta realidade ainda mais desafiadora depois do início da pandemia”.
A escola, que atende cerca de 920 estudantes, passou o ano inteiramente à distância, o que trouxe desafios não só para a diretora, mas para todo o time pedagógico.
“Escola é relação, não é só conteúdo. Nos vimos tendo que ir nos relacionar via plataformas que não conhecíamos bem, que não nos garantiam o olho no olho, e ainda assim buscar esse vínculo com os estudantes, que é extremante importante, e também com os familiares”, conta.
Também pesou a realidade social e econômica dos alunos. “A falta de conexão foi um grande entrave, muitos não tinham acesso à internet ou a equipamentos como computadores e celulares para acompanhar o ensino remoto”, narra a professora, que citou a entrega de chips aos estudantes com mais dificuldades pelo Centro Paula Souza, autarquia do governo do estado de São Paulo à qual a escola é vinculada.
As estratégias, conta Eliana, funcionaram melhor com os estudantes mais jovens, mas não tão bem com os adultos que frequentam o período noturno — a escola tem alunos de até 60 anos nos cursos técnicos. “Muitos estudantes mais velhos, perderam seus empregos no meio da pandemia, outros conseguiram se alocar em atividades noturnas para tentar levar o sustento para casa. Com isso, tiveram que escolher entre estudar e trabalhar e, nessa situação, a necessidade fala mais alto”, lamenta a diretora.
“O Brasil precisa fazer a lição de casa”
Para a educadora, a pandemia revelou que o País vem deixando de investir em educação. “O País precisa fazer a lição de casa, investir realmente na educação. Temos que olhar para os espaços escolares, repensar a estruturação deles, seus equipamentos, enfrentar a falta de conexão presente no País”, atesta.
“Se a gente quiser um País mais justo e igualitário é pela educação, não tem outro caminho. E daí que nascem as oportunidades, o conhecimento para que não tenhamos, por exemplo, o negacionismo, a negação da Ciência. A escola colabora com todo esse processo. Quando a gente abandona a escola, não dá o seu devido valor, temos esse País que a gente tem”, critica.
Sobre o debate acerca do fechamento ou funcionamento das escolas, a educadora acredita que o País não deveria estar dividido. “A gente precisa olhar para as escolas, suas condições, seus espaços físicos, e entendermos se têm condições de atender os protocolos sanitários. Pensar também nos professores e profissionais”, pontua ela, que questiona: “Como podem voltar sem o mínimo de segurança?”
Para Eliane, a cobrança deve estar centrada na vacinação e na agilidade do processo, ainda moroso em todo o País. “Todo mundo precisa ser vacinado, essa é campanha que precisamos”, assegura.
“A escola não será mais a mesma”
A pandemia do coronavírus ainda traz tantas incertezas para as escolas. E Eliane Leite afirma que as unidades não serão as mesmas quando voltarem a atuar presencialmente.
“As transformações pelas quais passamos nesse período foram grandes, sobretudo do ponto de vistas das relações humanas, interpessoais, da valorização do outro”, garante.
A diretora entende que as escolas terão que apostar em novas formas de ensino e aprendizagem e de interagir com os estudantes. “Teremos que lançar mão de metodologias ativas, que facilitem a condução da autonomia dos alunos, que promovam mais engajamento. Vejo que os professores também estarão mais preparados para esse movimento porque eles também experimentaram novas tecnologias, estratégias e recursos pedagógicos diferenciados que valorizam o processo educativo”.
Para Eliane, é possível que, de fato, a educação caminhe para o modelo 4.0, que conta não só com uma gama de linguagens tecnológicas, como experimentação, projetos e vivências. “Talvez seja o momento de experimentarmos o ensino híbrido de fato que não é esse de um aluno estar na escola e outro em casa, como regra. Mas o que permite aos estudantes construções coletivas, fundamentadas, o envolvimento em projetos, e pesquisas para construir outras formas de conhecimento”.