“Quando a polícia precisa ir para dentro da escola, isso significa que ela falhou fora da escola”, afirma coordenadora do Comitê DF da Campanha
“A escola não é geradora de violência. Quando a polícia precisa ir para dentro da escola, isso significa que ela falhou fora da escola”, afirmou a coordenadora do Comitê DF da Campanha e professora da UnB (Universidade de Brasília), Catarina de Almeida Santos, em roda de conversa na última quarta-feira (6/11), no Instituto Federal de Brasília – Campus São Sebastião.
O debate abordou, entre outros temas, a disciplina na escola, um dos supostos objetivos do processo de militarização das escolas. Na reflexão, foi pontuado como estamos confundindo medo com disciplina. A disciplina, diz Catarina, tem a ver com o respeito aos acordos feitos coletivamente para convivência em sociedade, quando a forma como agimos está baseada no respeito e não na obediência pelo medo. Um aluno questionou a educadora: eu vou aprender melhor se tiver alguém com uma arma perto de mim?
Além de representantes do SINPRO-DF (Sindicato dos Professores no Distrito Federal) e do centro acadêmico do curso de Pedagogia do Instituto Federal, professores e estudantes de escolas públicas de Brasília participaram de discussão sobre o processos de militarização das escolas públicas no Distrito Federal e no Brasil.
Segundo informações do Ministério da Educação (MEC), 16 Estados da Federação e o Distrito Federal aderiram ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, instituído pelo Decreto Nº 10.004 de 5 de setembro de 2019, do presidente Jair Messias Bolsonaro. Ainda segundo o MEC, cerca de 650 municípios manifestaram interesse em aderir ao projeto, que tem como objetivo designar militares da reserva do Exército, das Polícias Militares e do Corpo de Bombeiros para colaborar com a gestão administrativa, disciplinar e pedagógica.
“O que se alcança pelo medo não é disciplina. O que precisamos desenvolver nos ambientes escolares e na sociedade é o respeito. A obediência por imposição não é respeito, é medo. E quando aquele que impõe o medo não estiver por perto, não haverá respeito às regras. Que disciplina é essa?”, questiona Catarina.
Mais de 60 alunos e professores compareceram. Grande parte deles são de escolas como CEF do Bosque, CEF São José e Centrão (CEM 01), escolas consideradas “militarizáveis” segundo a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, que faz a definição a partir de conjunto de dados de vulnerabilidade social e que tem metodologia contestada por entidades da sociedade civil como o SINPRO-DF, que aponta que os dados levantados pela secretaria não correspondem à realidade.
Os adolescentes mencionaram que regras rígidas, como a proibição de diferentes tipos de vestimenta e cortes de cabelo, criam um apagamento de individualidades, excluindo formas de expressão que nada interferem no processo de aprendizagem. Eles questionaram os educadores sobre isso. Um estudante falou que acha que a presença da polícia na escola vai gerar uma violência psicológica.
Um estudante sugeriu que, em vez de colocar a polícia na escola, os pais e as mães deveriam ganhar melhores salários para trabalharem menos e poderem acompanhar mais de perto o crescimento dos filhos e as atividades escolares, contribuindo para o desenvolvimento de valores disciplinares.
Professores também tiveram a palavra e, segundo a educadora, nenhum se pronunciou favorável ao processo de militarização. Uma professora colocou uma questão para todos refletirem, especialmente os estudantes. Segundo ela, por que não propõem militarizar as escolas privadas que atendem estudantes de classe média alta e, sim, as escolas públicas, que atendem os estudantes das periferias do Distrito Federal?
Entre as colocações dos presentes, a fala de uma jovem estudante surpreendeu Catarina. Registrado aqui de forma parafraseada, a jovem aluna disse: “Nós temos liberdade, mas não sabemos o que fazer com essa liberdade. Não estamos usando bem a liberdade que a gente tem, estamos abusando da liberdade, então precisamos da polícia para criar um muro e impor um limite. Existe um excesso de liberdade”.
Esse foi o argumento usado pela jovem para justificar sua posição favorável à militarização das escolas.
Ao público formado essencialmente por estudantes e professores de escolas públicas, Catarina, coordenadora do Comitê DF da rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, disse que educação e segurança são dois direitos sociais definidos pela Constituição Federal de 1988 e que é preciso compreender a função social da educação e da escola, assim como da segurança e dos profissionais que são responsáveis pela garantia desses direitos. Destacou que é preciso entender qual a função da Polícia Militar e do professor, e as condições que são dadas pelo Estado para que esses sujeitos possam desempenhar as suas funções e garantir os direitos dos cidadãos e cidadãs.
“A gente precisa dialogar e se perguntar: o que a gente entende por excesso de liberdade? Porque, na verdade, grande parte dos estudantes dessas escolas têm pouca liberdade, não excesso de liberdade. Para ter liberdade, você precisa ter condições de exercer essa liberdade. Grande parte dos jovens não têm essas condições pelo conjunto das violências que a sociedade impõe a essas pessoas a partir de suas condições raciais, sociais e econômicas”, relata Catarina.
Outras questões sobre os processos de militarização das escolas estão sendo debatidos por um grupo de trabalho proposto pela rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Estudos sobre os atributos majoritariamente excludentes desse processo, assim como um mapeamento do impacto dessa política educacional no país, serão publicados em breve no site da Campanha.