Reforma política: O silêncio deliberado da mídia e os próximos passos
Claro, sabemos que o atual silêncio da mídia sobre o tema “Reforma Política” e especialmente pela proposta de “Constituinte do Sistema Político” é evidentemente um mecanismo de autopreservação. Se conseguirmos abrir um debate na sociedade sobre “sistema político” inevitavelmente o monopólio da mídia será tocado.
Por Ricardo Gebrim
A coletiva de imprensa, noticiando a imensa vitória do Plebiscito Popular, o feito histórico de obter 7.754.436 de votos em todo o Brasil, contou com a participação apenas da mídia alternativa e popular, merecendo o descaso deliberado dos grandes veículos de comunicação que já haviam silenciado durante a semana de votações. Não fosse a imensa repercussão nas redes sociais, milhares de militantes não teriam visualizado a dimensão que a campanha tomou.
Tornou-se um lugar comum denunciar a omissão deliberada da mídia sobre determinados fatos e a ampliação desproporcional de outros. Certa vez, um amigo utilizou uma imagem, bem didática, que sempre reproduzo em debates. Ele recordou as “Casas de Espelho” que eram comuns em parques de diversões. A brincadeira com as imagens distorcidas diante de nossa imagem gigante ou diminuta. O mesmo ocorre com as coberturas midiáticas. Podem pautar fatos irrelevantes e obscurecer grandes eventos, transmitindo a sensação de que não existiram ou não eram importantes. Ficamos mais fracos do que realmente somos e se aparentam ainda mais fortes do que são. Com tudo isso já estamos acostumados.
Em geral, jornalismo é definido como atividade de lidar com notícias, dados factuais e divulgação de informações. Também define-se o Jornalismo como a prática de coletar, redigir, editar e publicar informações sobre eventos atuais. O Plebiscito Popular da Constituinte envolveu mais de 100 mil ativistas em todo o país, movimentou as redes sociais e chegou a milhões de brasileiros. O ex presidente Lula votou. Dilma e sua concorrente Marina participaram, assim como outros candidatos. Daniela Mercury e vários artistas se deixaram fotografar votando. Em resumo, estavam presentes vários elementos noticiosos. Porém, a grande mídia ignorou solenemente o episódio, transmitindo a sensação de que “não teve relevância”. Seria mais um comportamento já corriqueiro do monopólio da mídia que funciona como partido político.
Insisto que não é tão banal assim. Recentemente, assistimos o debate entre os candidatos presidenciais, promovido na TV Aparecida, por iniciativa da CNBB. A primeira pergunta, respondida por todos os debatedores foi sobre o Projeto de Lei de Iniciativa Popular na Reforma Eleitoral. No dia seguinte, todos os grandes jornais e veículos de comunicação comentavam o debate. Porém, nenhuma linha sobre a questão da Reforma Política. Um observador político atento entenderá o recado.
No final de 2005, o ex-vice presidente das Organizações Globo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, conhecido como “Boni”, revelou que recebeu ordens de Roberto Marinho para não noticiar a campanha das “diretas já”. A Folha de São Paulo se orgulha de ter noticiado o comício da Praça da Sé, em 25 de janeiro de 1984, inclusive utilizando isso contra seu concorrente “Estadão”. Mas, omite que também ignorou solenemente os atos e manifestações anteriores. Parece que tudo começou no ato da Sé.
Até o famoso Comício da Sé, com mais de 300 mil participantes e a presença de governadores, líderes partidários, artistas e personalidades, a campanha das “Diretas Já” havia amargado seu período de obscuridade intencional. Para chegar á “Praça da Sé”, muita água já havia rolado na campanha. O fato tragicômico deste episódio é que quando a multidão ocupou a Praça da Sé, a Globo optou por maquiar o ato e alterar suas finalidades. Em pleno “Jornal Nacional”, o apresentador Sérgio Chapelin fez a seguinte chamada: “A cidade comemorou seus 430 anos com mais de 500 solenidades. A maior foi um comício na Praça da Sé”. Foi mais uma pérola pro anedotário da “Venus Platinada”.
Para chegar ao primeiro comício expressivo no Pacaembu, ainda com 20 mil pessoas, em novembro de 1983, muita preparação, trabalho de base e silenciosa organização já tinham se desenvolvido. Até o 25 de janeiro de 1984, na Praça da Sé, somente a imprensa alternativa tratava do tema. E olhe lá, pois também naqueles anos nem todas as forças de esquerda apoiavam a campanha no início. Também havia aqueles que diziam que era perigoso, que a direita poderia ganhar, seria um “tiro no pé” etc.
Claro, sabemos que o atual silêncio da mídia sobre o tema “Reforma Política” e especialmente pela proposta de “Constituinte do Sistema Político” é evidentemente um mecanismo de autopreservação. Se conseguirmos abrir um debate na sociedade sobre “sistema político” inevitavelmente o monopólio da mídia será tocado. Enquanto puderem manter a fase da obscuridade a ordem será nos ignorar. Quando não der mais, podemos ter certeza que nos combaterão.
Para os que temem uma Constituinte, alegando que a classe dominante é quem se apropriará do tema, sugiro que reflitam sobre o pavor da mídia em pautar a campanha.
A grande questão agora é saber se teremos a capacidade militante de, enfrentando a obscuridade imposta pela mídia, avançar na construção desta proposta. Na década de 80 havia um profundo desgaste da ditadura, governadores e parlamentares eleitos pelo MDB, e, conseqüentemente, possibilidade de construir uma ampla frente em torno da bandeira das “Diretas Já”. Ao entrar na campanha os setores burgueses disputaram sua condução e após a derrota da Emenda Dante de Oliveira imprimiram uma nova bandeira “Tancredo Já”, isolando a classe trabalhadora e atropelando a perspectiva de manter a luta por “Diretas Já”. Mas, desde de janeiro de 1984 até a derrota no Congresso Nacional, apoiaram a campanha, conformando a nossa mais ampla frente democrática.
O silêncio deliberado da grande mídia nos coloca uma outra reflexão e nos aponta o maior desafio que enfrentaremos.
Hoje, democratizar o sistema político somente interessa à classe trabalhadora e aos seus aliados do campo popular. Nem mesmo os setores da burguesia interna que apóiam, participam e sustentam a frente neodesenvolvimentistaterão interesse em mudanças profundas que ameacem a hegemonia de classe no Congresso Nacional. Tivemos uma pequena amostra destas pressões quando a Presidenta Dilma lançou a proposta de um plebiscito oficial sobre a Constituinte e teve que recuar em 16 horas em junho de 2013. Quando o silêncio for substituído pelo enfrentamento, vamos sentir a força da artilharia pesada contra nossa proposta.
Ignorados pela mídia, ao longo da preparação do Plebiscito Popular, conseguimos construir a proposta entre centenas dos melhores ativistas sindicais e lutadores populares de todo o país. As bases de uma grande campanha de massas foram construídas, com enorme esforço, nos últimos meses. Fizemos o trabalho mais difícil. Vale ressaltar o apoio e a vitalidade da CUT nesta campanha, que junto a outras centrais sindicais, investiu energias despertando o envolvimento em locais de trabalho. Em todos os plebiscitos populares este foi o que mais mobilizou os trabalhadores, mesmo comparado com a campanha contra a ALCA em 2002 (quando obtivemos mais de 10 milhões de votos).
Se formos incapazes de alimentar os próximos passos desta luta essas bases correm o risco de se enfraquecer ou serem absorvidas por outras pautas. Eis porque o debate coletivo dos próximos passos é fundamental e deve envolver o conjunto dos comitês populares criados.
O certo é que o próximo passo principal será começar a campanha nas ruas. Sabemos que construir manifestações expressivas exigirão um trabalho de base paciente e muito esforço militante. Será um teste decisivo.
Conseguiremos sustentar e construir uma campanha de massas em torno da força própria e não subordinada da classe trabalhadora e seus aliados populares, sem romper suas alianças com a burguesia, caso Dilma ganhe as eleições? Conseguiremos construir esta campanha se a candidatura de direita ganhar estas eleições e jogar toda a sua força em nos isolar?
É grande o desafio que nos espera. Para os que se desesperavam com a idéia de apoiar uma frente política com a presença de setores burgueses chegou o momento de saber a força própria da classe trabalhadora no atual momento. Sua capacidade de imprimir e sustentar uma bandeira, mesmo enfrentando resistência de uma burguesia unificada. Serão pressões imensas que tentarão dividir a frente política que construiu o Plebiscito Popular. Isso terá que ser ganho na capacidade de mobilização popular.
As lutas sociais retomaram o imaginário popular. Talvez esta seja a mais importante das conseqüências de junhode 2013. Abriram a possibilidade de uma campanha de massas ganhar as ruas. Construir uma bandeira política que rompa a impossibilidade de transformações estruturais em nossa sociedade não é mais uma opção. Sem avançarmos, toda a frustração gerada nos últimos anos será capitalizada pelo inimigo. Não estamos diante de uma campanha a mais. Manter o atual sistema político implica em retroceder, quando mais precisamos avançar. Sem compreender isso estaremos no passo de espera, lidando com os crescentes ataques denuncistas da mídia, aguardando na defensiva que nos derrotem. Este é o momento em que a militância fará a diferença.
Ricardo Gebrim é advogado e integrante da Consulta Popular.
Do Brasil de Fato