Reforma tributária pode ser votada nesta quinta (6) na Câmara; veja status do jogo político
Pauta começou a ser discutida no plenário na quarta (5) e ganhou apoios de peso no decorrer das articulações
Com previsão de votação para esta quinta-feira (6) no plenário da Câmara dos Deputados, a reforma tributária segue como alvo de uma intensa disputa, mas ganhou e consolidou apoios importantes ao longo das inúmeras agendas de negociações que se desenrolaram até a noite de quarta-feira (5), em Brasília (DF). Também teve início, já no final da noite do mesmo dia, o debate oficial do tema entre os parlamentares, que tentam vencer as dissidências para agilizar a votação.
A Casa discute o assunto por meio da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/2019, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que tem Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) como relator. A rigor, o texto consiste em criar dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs), sendo um deles o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de abrangência nacional, que deverá substituir o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) dos estados e o Imposto sobre Serviço (ISS) dos municípios. O outro seria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que unifica três tributos federais: Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins).
Ribeiro apresentou uma nova versão de seu parecer na quarta, pouco antes de o plenário iniciar os debates. O texto tem agora como um dos destaques a criação da “cesta básica nacional de alimentos”, com alíquota zero dos IVAs para os produtos que a compõem. O relator prevê que uma lei complementar futura deverá estabelecer quais gêneros irão constar na cesta. A iniciativa surge após proliferarem nas redes sociais as críticas de opositores da extrema direita que insistem na narrativa de que a reforma iria encarecer a cesta básica. Governistas e aliados apontam que a acusação seria uma distorção do debate criada para promover fake news contra a pauta.
“Não vi ninguém dizer que é contra se fazer uma reforma tributária, mas sai muita desinformação [contra a PEC 45]. Para acabar com isso, estamos trazendo a Constituição Federal. Estamos criando a cesta básica nacional de alimentos, e essa cesta tem alíquota 0%, pra que ninguém fique inventando alíquota e dizendo que a gente vai pesar a mão sobre o pobre”, ressaltou Aguinaldo Ribeiro.
Na atual versão do parecer, o relator propõe um período de transição de sete anos para que se unifiquem os impostos. O intervalo se daria entre 2026 e 2032, ocorrendo a extinção dos atuais tributos a partir de 2033. Entre outras coisas, a PEC busca melhorar o ambiente de negócios a partir da simplificação do sistema tributário. Em seu relatório, Ribeiro destaca pesquisa do Banco Mundial de 2020 segundo a qual o Brasil ocupa a 124ª posição no ranking de 190 países naquilo que se refere à “facilidade de negócios”, além de amargar o 184º lugar no quesito carga de tributos.
Percurso
Dado o interesse de vários setores no tema, a PEC recebeu um total de 219 emendas, que são sugestões de alteração apresentadas por parlamentares. O relator acatou boa parte dos pedidos, os quais se desdobraram em uma série de articulações políticas. As negociações envolveram a participação direta do governo Lula, que esta semana chegou a liberar mais de R$ 2 bilhões em emendas em um único dia em troca de apoios ao texto.
As costuras foram surtindo efeito aos poucos, com seguidos acenos favoráveis à proposta. PL, Republicanos e União Brasil, que apresentavam resistência à PEC, indicaram que podem canalizar votos de aprovação ao texto. As manifestações resultaram de uma ampla rede de articulações que envolveram prefeitos, governadores e outros atores políticos.
Governos estaduais
No âmbito dos estados, a avaliação da reforma é atualmente favorável entre mandatários que estão à frente de governos das regiões Sul e Sudeste e do estado do Mato Grosso do Sul, por exemplo. Na última terça (4), o grupo se reuniu em Brasília (DF) com o relator da proposta, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), e, em pronunciamento feito ao final, anunciou que há “consenso” a favor do texto que está em debate na Câmara.
“Os estados são favoráveis e entendem que a mudança da base da economia, de um setor de serviços, de uma série de movimentações gera necessidade de atualização do nosso modelo tributário. É importante que a gente possa avançar num modelo mais razoável, que estimule a produtividade, porque quem empreende tem que colocar energia e empreender, e não ficar fazendo a relação com o Fisco”, afirmou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite (PSDB).
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), que vinha despontando como um crítico à reforma, afirmou na quarta (5) que agora concorda com “95% do que está sendo discutido”. A declaração veio logo após um encontro com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. “A espinha dorsal da proposta – tributação de base ampla, o IVA dual, a arrecadação no destino, a transição federativa – tem a [minha] concordância. Sempre teve a concordância de São Paulo. O que a gente sempre ponderou foram questões pontuais. A gente concorda com 95% da reforma”, entoou.
O relator comemorou a opinião de Tarcísio de Freitas, que, segundo ele, gerou ressonância entre outros mandatários. “Esse posicionamento foi muito importante para consolidar também o posicionamento de outros governadores, a exemplo de Helder Barbalho (MDB), do Pará, Marcos Rocha (União), de Rondônia, e outros que também tinham esse entendimento”.
Entre os pontos que ainda têm queixas por parte de Tarcísio de Freitas e outros nomes, está a composição do Conselho Federativo, órgão que terá o poder de deliberar sobre políticas fiscais. O governador de São Paulo pediu a Haddad que seja dada maior participação para os estados nessa instância decisória. “Se eu tenho uma governança mais frouxa [no Conselho], eu preciso de uma arrecadação mais na mão do estado”, argumentou Freitas.
O assunto está em discussão com o relator da reforma, que deve apresentar uma nova versão do parecer antes da votação. Logo após o início do debate sobre o texto da PEC no plenário, Aguinaldo Ribeiro reafirmou que esse ponto estará no relatório final e sugeriu que ainda não teria entrado por falta de tempo para alinhavar todos os enxertos no parecer. “Estamos nesta reta final de ajustes e alguns pontos, como este do Conselho Federativo, ainda não constam nesta versão que foi apresentada porque estamos finalizando o texto que contabiliza tudo aquilo que foi acordado para que também a gente não se equivoque e cometa erros no texto”, justificou.
Também houve sinalização de apoio de outros lados. No final da noite, os governadores que compõem o Consórcio do Nordeste, formado pelos nove estados da região, publicaram carta de apoio à reforma. No documento, os mandatários afirmam que a PEC seria uma “vitória para a sociedade brasileira” e celebram a ideia de simplificação do sistema tributário afirmando que a medida “colocará fim a copiosos questionamentos judiciais que tensionam as incidências tributárias”. “O modelo se mostra ainda mais necessário diante das evoluções tecnológicas para beneficiar toda a economia brasileira com a redução da litigiosidade”, emendam.
Municípios
A Confederação Nacional dos Municípios (CNM) também manifestou apoio ao texto da reforma nesta quarta. A entidade publicou um documento que prevê impacto positivo para o setor nos próximos 20 anos em caso de aprovação da PEC 45. Ao estabelecerem uma comparação entre a receita atualmente proveniente do ICMS e do ISS e os ganhos que serão obtidos a partir do IBS, os cálculos mostram que 98% das localidades ganhariam com a reforma. Apenas 108 municípios poderiam perder arrecadação.
Os resultados mostram que algumas localidades teriam aumento percentual em torno de 2,5% ou 3%, enquanto outras chegariam a 8%, por exemplo. O estudo considera dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) que foram atualizados pela organização. A CNM representa 5.202 dos 5.570 municípios do país, o que representa um contingente de mais de 154 milhões de brasileiros.
“Participamos do debate sobre esse tema há anos e atuamos ativamente na construção da proposta em discussão. O Brasil vive um verdadeiro pandemônio tributário, que gera conflitos e prejudica o ambiente de negócios. É necessária e urgente a modernização do sistema tributário, fortalecendo o federalismo e impulsionando o desenvolvimento econômico e social do país”, disse o presidente da confederação, Paulo Ziulkoski.
Resistências
Assim como todas as pautas de teor mais complexo, a reforma enfrenta também focos de resistência. No caso em questão, a bancada ruralista está entre os setores que veem a medida com reservas porque a proposta elevaria impostos cobrados a produtores rurais. É o caso das taxas que incidem sobre fertilizantes, geralmente usados na preparação do solo para a agricultura.
Em entrevista à Folha de S. Paulo na quarta (5), o governador do Mato Grosso, Mauro Mendes (União Brasil), por exemplo, classificou como “difícil e desnecessário” os deputados avaliarem o tema esta semana. O estado tem destaque no segmento rural e diz temer o aumento da alíquota do ICMS para os fertilizantes.
Também há resistências em siglas como o partido Novo, que chegou a apresentar um requerimento para retirar a PEC da pauta do plenário na noite de quarta. O pedido foi derrotado por 302 votos contrários e 148 a favor, com uma abstenção.
Votação
Por se tratar de uma mudança na Constituição Federal, a PEC 45 precisa de pelo menos 308 votos em dois turnos diferentes de votação na Câmara. De acordo com o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), o objetivo é dar sequência ao debate sobre o texto a partir do final da manhã desta quinta (6) para votar a proposta em primeiro turno no período da noite. Até lá as últimas costuras políticas devem seguir em andamento para dar o tom dos ajustes finais a serem feitos no parecer pelo relator.
A ideia de uma reforma tributária é discutida no Congresso Nacional há cerca de 30 anos. Diferentes textos foram propostos ao longo desse período, mas nenhum deles vingou até a aprovação. A PEC 45 ganhou fôlego nos últimos anos após receber sinal verde em sua primeira votação, em maio de 2019, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara.
Em julho do mesmo ano, a proposta foi alvo de uma comissão especial, mas o colegiado acabou extinto em maio de 2021, quando acabou o prazo regimental para sua existência. Depois disso, a proposta foi alçada direto a plenário até que, agora, sob o governo Lula, a pauta voltou aos holofotes como ponto de destaque da agenda econômica da gestão.