Regulamentação do Fundeb tem que assegurar recursos públicos exclusivamente para a educação pública
No dia 3 de julho deste ano, a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, Madalena Guasco Peixoto, publicou artigo no site da revista Carta Capital conclamando pela aprovação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) exclusivamente para a educação pública. A conquista veio em agosto, com a vitória dos movimentos sociais e das entidades educacionais defensoras da educação pública no Congresso Nacional. Mas as forças sobre as quais a diretora da Contee tratava naquele artigo — e contra as quais esses movimentos e entidades se uniram para garantir a conquista no Parlamento — são as mesmas que voltaram à carga agora, na última quinta-feira (10), na Câmara dos Deputados, desvirtuando a regulamentação do fundo e permitindo a transferência de recursos públicos para o setor privado.
“Como a educação é sempre ligada a um projeto político, econômico e social, é óbvio que a perspectiva criada pelos governos progressistas que se sucederam à eleição de 2002 alterou-se radicalmente a partir do golpe de 2016 e, em seguida, da ascensão de Jair Bolsonaro à Presidência da República em 2018”, apontou Madalena na ocasião. “A reforma educacional em curso é tão antidemocrática como o golpe de quatro anos atrás e o projeto protofascista eleito dois anos depois. É, na mesma medida, tão ultraliberal quanto as forças econômicas que os ajudaram a acontecer. Isso significa que estamos diante de uma nova onda ideológica vinculada a um agnosticismo reacionário que nega o conhecimento, a ciência, a cultura e a própria escola, do mesmo modo que nos confrontamos com um acirramento do processo de privatização da educação.”
A observação é de cinco meses atrás, mas poderia ser de hoje. O projeto ultraliberal implica a retirada radical do Estado como indutor do desenvolvimento e de democratização de acesso aos direitos. Na educação, isso vai em cheio ao encontro dos privatistas, que, depois de um longo e nefasto processo de financeirização do ensino superior, que ainda segue em curso, passaram a esticar cada vez mais os olhos também sobre a educação básica. Vai igualmente ao encontro do desmanche ideológico da escola pública, gratuita, democrática, inclusiva e de qualidade socialmente referenciada.
A proposta de regulamentação do Fundeb aprovada na Câmara dos Deputados possibilita a destinação de 10% desse montante de recursos públicos, que deveria ser investido na educação pública, instituições filantrópicas comunitárias, confessionais e para entidades do Sistema S. Vale lembrar que há diversos problemas envolvendo comunitárias e confessionais denunciados à Contee pelas entidades filiadas, como é o caso da rede metodista e da Cnec, só para citar dois exemplos. Destaca-se ainda, especificamente sobre o Sistema S, que não é de hoje que a Contee se coloca como forte crítica ao fato de que o governo relegar a esse sistema empresarial — ainda mais depois do golpe —, à custa de milhões de reais, a responsabilidade sobre educação técnica no Brasil, sem o devido controle dos repasses de verbas públicas e com ataques aos direitos trabalhistas e precarização do trabalho de docentes e técnicos administrativos.
Como já analisava a coordenadora da Secretaria-Geral da Contee, as “caraterísticas do perverso projeto educacional em curso incluem: defesa da ‘autorregulação’ da educação privada, o que se pode traduzir por desregulamentação da educação; derrubada das regulamentações da educação a distância; gestão privada inclusive na educação pública; oferta de serviços de “complementação pedagógica”; interferência nos livros didáticos; criação de escolas cívico-militares; compras por grupos estrangeiros e de capital aberto de escolas privadas de educação básica privada e outras ameaças entre as quais, como não se poderia deixar de esperar, está a defesa de verbas públicas para a educação privada, tentando abocanhar uma fatia do novo Fundeb”. Conforme Madalena, não era por acaso que, meses atrás, representantes de fundações privadas defendiam a inclusão de um modelo de bolsas e de vouchers dentro das verbas do novo fundo, o que implicaria escoamento direto de recursos públicos para os bolsos da iniciativa privada.
A proposta de regulamentação aprovada na Câmara está diretamente relacionada a esse projeto político e é preciso, mais uma vez, que os movimentos sociais e as entidades educacionais defensoras da educação pública se unam para derrotá-la no Senado. O Fundeb concentra hoje mais de 60% dos recursos investidos na educação básica e é responsável pela equalização no atendimento escolar em mais de 70% dos municípios brasileiros. E, se não for regulamentado com urgência, 20 milhões de estudantes das escolas públicas serão prejudicados. Mas é preciso que seja regulamentado de modo a cumprir de fato seu papel. Isso significa que, como fundo de verbas públicas, deve ser usado exclusivamente para investimentos no fortalecimento da educação básica pública, gratuita, democrática, inclusiva e de qualidade.
Por Táscia Souza