Repouso aos domingos, consagrado na Constituição, derrubado pelo STF
Atualizado 24/06/20 às 10h44
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
A Constituição Federal (CF), em seu Art. 7º, inciso XV, assegura o direito ao “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”.
Segundo todos os dicionários de Língua Portuguesa, o advérbio preferencialmente possui os seguintes significados: de maneira preferencial; em que há preferência; de forma prioritária; escolhidamente; primeiramente.
Ante esses significados, há de se concluir que o repouso semanal remunerado, prioritariamente, tem de ser concedido e gozado aos domingos; ou, dito em outras palavras, a maioria dos dias de repouso semanal, necessariamente, tem de recair aos domingos.
Pois bem! O Supremo Tribunal Federal (STF) acaba de decidir que não é isto que a CF diz, fazendo-o à unanimidade, no julgamento virtual das ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) 3975 e 4027, ajuizadas em face da Lei N. 11603/2007, que, em seu Art. 6º, limita o repouso semanal no comércio a um domingo, a cada três semanas.
O referido dispositivo legal impugnado dispõe:
“Art. 6o Fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.
Parágrafo único. O repouso semanal remunerado deverá coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo, respeitadas as demais normas de proteção ao trabalho e outras a serem estipuladas em negociação coletiva”.
O voto do relator, ministro Gilmar Mendes, acolhido por todos os demais ministros, assevera:
“A Constituição Federal, em seu artigo 7º, XV, garante aos trabalhadores “repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos”. Não prospera o entendimento aventado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio (CNTC) de que a lei impugnada, que autoriza o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, afronta o referido dispositivo constitucional.
Percebe-se, assim, que a Constituição Federal, apesar de encorajar o repouso semanal aos domingos, não exige que o descanso nele aconteça. A orientação do constituinte, obedecida pelo legislador, foi para que o empregador assegure ao trabalhador um dia de repouso em um período de sete dias.
[..]
Por ocasião do julgamento da ADI 1.687, o Min. Carlos Velloso explicitou que ‘o funcionamento do comércio aos domingos atende a uma grande parcela da sociedade, comumente a mais humilde da população que, praticamente, somente nesse dia pode fazer suas compras. Em vários Países o comércio funciona aos domingos, e o intuito é não somente aumentar as vendas e assim, de certa forma, euforizar a economia, como também atender às conveniências da sociedade. Penso que não se deve emprestar ao inciso XV, do art. 7º, da Constituição Federal, ‘preferencialmente aos domingos’, o sentido de sempre aos domingos’.
Naquele momento, julgou-se constitucional medida que assegurou ao trabalhador, por pelo menos uma vez a cada quatro semanas, o repouso semanal em um domingo. Não há, assim, por que negar a constitucionalidade de dispositivo legal que prevê semelhante concessão em prazo reduzido”.
Por mais inverossímil que possam parecer, esses fundamentos, que balizaram a decisão do STF, estão a afirmar que o advérbio de modo preferencialmente não significa primeiramente, ou de forma prioritária; significa, isto sim, de vez em quando.
Como essa locução adverbial de tempo representa o que acontece às vezes ou com alguma frequência, a norma que fixa o repouso semanal aos domingos uma vez a cada três semanas, no caso a Lei N. 11.603/2007, é constitucional.
Aliás, o relator, com a anuência dos demais ministros, considera que o inciso XV, do Art. 7º, da CF, exige apenas que se conceda um dia repouso a cada sete trabalhados, pouco importando se recai ou não em domingo; bem assim que a intermitência de três semanas como benéfica aos trabalhadores, fazendo-o com base na decisão proferida na ADI 1687, foi mais longe, admitindo como constitucional a fixação de repouso semanal remunerado aos domingos, uma vez a cada a quatro semanas.
Parafraseando versos da música “Regra Três”, de Vinicius de Moraes, segundo os quais, abusando-se dessa regra, menos vale mais; pode-se afirmar que o STF, igualmente, abusou da regra três, ao estabelecer que mais vale menos. Isto é, a concessão de repouso semanal aos domingos, uma única vez a cada quatro semanas, atende, fielmente, a determinação que o constituinte fixou, por meio do advérbio de modo preferencialmente.
A total deformação do que determina o inciso XV, do Art. 7º, da CF, além de apequenar o direito nele consagrado, rompe o princípio hermenêutico, segundo qual nenhuma norma contém palavras inúteis, ironicamente, reafirmado pelo STF Corte (MS- 21143- DF, relator ministro Marco Aurélio, DJE 18/10/1995; e RE 716270, relatora ministra Carmen Lúcia, DJE 14/12/2012).
Vale salientar que, de modo absolutamente diverso do que asseverara, quanto às súmulas 277 (ultratividade das normas coletivas) e 331(proibição de terceirização da atividade-fim), ambas do TST, respectivamente, na ADPF 323 e ADIs 5685, 5686, 5687, 5695 e 5735,que foram por ele excomungadas; o relator, no voto proferido nas ADIS sob comentários, incensara sumulas do TST, que vêm ao encontro da tese que nelas esposa, quanto ao trabalho aos domingos e feriados.
Eis o que diz o relator sobre a Súmula 146 e Orientação Jurisprudencial (OJ) 410, do TST:
“A Justiça Trabalhista igualmente admite o trabalho aos domingos. A Súmula 146 do TST, por exemplo, explicita que ‘ o trabalho prestado em domingos e feriados, não compensado, deve ser pago em dobro, sem prejuízo da remuneração relativa ao repouso semanal ‘.
A Orientação Jurisprudencial n. 410 do Tribunal Superior do Trabalho estabelece que ‘Viola o art. 7°, XV, da CF a concessão de repouso semanal remunerado após o sétimo dia consecutivo de trabalho, importando no seu pagamento em dobro”.
É necessário registrar, ainda, que o abuso da regra três, pelo STF, alcançou também os dias feriados, posto que reputou, igualmente, constitucional o Art. 6º-A, da Lei N. 11603/2007, que assim estabelece:
“Art. 6O-A. É permitido o trabalho em feriados nas atividades do comércio em geral, desde que autorizado em convenção coletiva de trabalho e observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.”
No que diz respeito à constitucionalidade de trabalho em feriados, mediante autorização em acordo e convenção coletiva, o relator sentencia:
“Não procede, outrossim, a alegação de que a Lei 11.603/2007 desrespeita a Lei 605/1949, que veda o trabalho em feriados civis e religiosos. Recordo que esta não é hierarquicamente superior àquela, que trata de repouso em feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local, nos limites das exigências técnicas das empresas.
O dispositivo em análise, inclusive, é reiteradamente aplicado pelo Tribunal Superior do Trabalho: ‘O entendimento desta C. Corte é no sentido de se permitir a prestação de trabalho em feriados, mas desde que preenchidos 2 (dois) requisitos: autorização por meio de convenção coletiva e a observância do que dispuser lei municipal, consoante o disposto no art. 6º-A da Lei nº 10.101/2000, com a nova redação da Lei nº 11.603/2007 (DEJT 25/11 /2011) “.
Verifico, portanto, que a norma impugnada não incorre em vício de inconstitucionalidade.
Ante o exposto, julgo improcedente a ação.
É como voto”
Professores
Por enquanto, não há repercussão para os professores que, por força do Art. 319, da CLT, veda o trabalho docente aos domingos (Art. 319 – Aos professores é vedado, aos domingos, a regência de aulas e o trabalho em exames).
Mas, como o STF abriu largos para isso, em todas as atividades, a revogação deste Art. não representará nenhuma surpresa. Aliás, já tentada pela MP 905 e pelo relator da MP 927, Celso Maldaner.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee