Resultado do Enade reflete a necessidade de aprovação do Insaes

Há algo errado no ensino privado. O lema da campanha salarial nacional lançada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) no ano passado serve bem de síntese do que pode ser verificado a partir da análise das notas do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade), divulgadas nesta semana melo Ministério da Educação.

Dos 6306 cursos avaliados em todo o Brasil (nas áreas de administração, ciências contábeis, ciências econômicas, comunicação social, design, direito, psicologia, relações internacionais, secretariado executivo e turismo, além de cursos que conferem diploma de tecnólogo em gestão comercial, gestão de recursos humanos, gestão financeira, logística, marketing e processos gerenciais), 1.887 foram reprovadas: 168 com nota 1 e 1.719 com nota 2. Isso significa que praticamente 30% dos cursos avaliados ficaram abaixo da média mínima exigida pelo MEC, que equivale à nota 3 (num total de 5).

Os dados alarmantes não param aí. Desse total de cursos mal avaliados no Enade, nada menos do que 91,7% pertencem a instituições privadas. Em números absolutos, os dados da avaliação demonstram que, dos 1.887 cursos com notas inferiores a 3, 1.731 estão no ensino privado: 137 com nota 1 e 1.594 com nota 2.

O resultado do exame por si só, porém, não basta para que o MEC tome providências em relação a essas instituições, que só sofrerão sanções, como suspensão de processos seletivos, se forem reprovadas no Conceito Preliminar de Cursos (CPC), no qual a nota do Enade tem peso de 55%. É o resultado negativo no CPC que acarretará visitas in loco e assinatura de termo de compromisso a ser acompanhado pelo Ministério da Educação, ao abrir supervisão nessas instituições.

É claro que, dentro do sistema, existem instituições públicas que precisam melhorar sua qualidade bem como instituições privadas que se destacam, como comprovam os próprios dados do Enade. No entanto, as notas divulgadas nesta semana servem para apontar algumas distorções no ensino superior brasileiro. Em dezembro do ano passado, do total de 6.083 cursos avaliados (da rede federal e privada) pelo CPC, levando em consideração os resultados do Enade de 2011, 672 tiveram desempenho insatisfatório, sendo 124 instituições federais e 548 particulares – quatro vezes mais.

É preciso ressaltar que a maioria das instituições privadas hoje é sustentada, em grande parte, por verbas públicas. Isso se dá, sobretudo, através de programas como o Universidade para Todos (ProUni) e o Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), o qual tem representado um negócio extremamente lucrativo para as empresas de educação, com mensalidade certa e inadimplência zero. Além disso, a Lei 12.688/2012, que criou o Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento das Instituições de Ensino Superior (Proies), permitiu que as instituições particulares de ensino renegociassem suas dívidas tributárias com o governo federal, convertendo até 90% do débito em bolsas de estudo, ao longo de 15 anos, e reduzindo o pagamento em espécie a 10% do total devido.

Como os números demonstram, tais repasses diretos ou indiretos de verba pública para o setor privado não têm se convertido necessariamente em investimentos na qualidade da educação superior. Pelo contrário, a preocupação dos empresários é, enquanto barganham mais e mais recursos no Congresso Nacional, com as mudanças propostas pelo Senado no projeto do novo Plano Nacional de Educação (PNE) – retirando a exigência de que os investimentos públicos sejam aplicados exclusivamente na educação pública –, tornar cada vez mais seus negócios lucrativos e atrativos no mercado. Basta pensar no aumento progressivo do processo de financeirização, desnacionalização e oligopolização do ensino superior no país, mais do que comprovado pelas sucessivas fusões e aquisições anunciadas só neste ano.

Para completar, os estabelecimentos privados, que não investem na qualidade da educação, tentam atribuir a responsabilidade dos resultados aos estudantes que passaram pelas avaliações e às exigências – segundo eles “exageradas” – feitas pelo sistema de avaliação, eximindo-se do papel de garantir uma oferta de ensino, aliada à pesquisa e à extensão, que de fato reflita uma preocupação com a educação enquanto direito social, e postergando uma reforma universitária que já deveria ter sido feita.

Diante desse cenário, a Contee, enquanto entidade nacional representativa de quase 1 milhão e trabalhadores do setor privado de ensino – e que, portanto, conhece bem de perto a realidade da educação privada –, insiste na defesa da aprovação do Projeto de Lei 4.372/ 2012, que cria o Instituto Nacional de Supervisão e Avaliação do Ensino Superior (Insaes).

Entre as competências do Insaes estão, entre outros pontos:

– realizar avaliações in loco referentes a processos de credenciamento e recredenciamento de instituições de educação superior e de autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento de cursos de graduação e sequenciais, e diligências para verificação das condições de funcionamento dessas instituições e cursos;

– supervisionar instituições de educação superior e cursos de graduação e sequenciais, quanto ao cumprimento da legislação educacional e à indução de melhorias dos padrões de qualidade da educação superior, aplicando as penalidades e instrumentos previstos na legislação;

– decretar intervenção em instituições de educação superior, e designar interventor, nos termos de lei específica;

– aprovar previamente aquisições, fusões, cisões, transferências de mantença, unificação de mantidas ou descredenciamento voluntário de Instituições de Educação Superior integrantes do sistema federal de ensino.

Ou seja: diante desse quadro – evidenciado novamente nesta semana a partir do resultado do Enade –, o Insaes representa um instrumento do Estado na tarefa de assegurar educação de qualidade no país, desde que respeitadas as atribuições e entendimentos do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).

Leia também a posição da UNE sobre o resultado do Enade

Da redação

 

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