Revista Conteúdo: Cronômetros ligados à espera dos planos de educação

A reportagem de capa da Revista Conteúdo deste mês traz uma reflexão sobre o fato de que, após a sanção do PNE, em junho, primeira prova de fogo é o prazo de um ano para que municípios, estados e o Distrito Federal elaborem ou adequem seus planejamentos educacionais. Leia a matéria completa abaixo. A íntegra da revista pode ser acessada em lida em: http://contee.org.br/contee/conteudo/28/.

Está no texto do Artigo 8º da Lei 13.005/14, que instituiu, no dia 25 de junho deste ano, o Plano Nacional de Educação (PNE): “Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas neste PNE, no prazo de 1 (um) ano contado da publicação desta Lei”.

Não se trata de uma tarefa simples. Na verdade, no instante em que esta reportagem é escrita, esse prazo já se reduziu para nove meses. E será de menos de um semestre quando os novos governos estaduais e assembleias legislativas assumirem seus mandatos, em janeiro e fevereiro do ano que vem.

Todavia, não é só a corrida contra o tempo que faz da exigência um desafio. “Elaborar ou ajustar os planos de educação ao PNE é uma tarefa complexa e desafiadora, que implica assumir compromissos com o esforço contínuo de eliminação de desigualdades educacionais históricas no país”, afirma o titular da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) do Ministério da Educação (MEC), Binho Marques. “É preciso adotar uma nova postura, com o objetivo de construir formas de colaboração cada vez mais orgânicas entre os sistemas de ensino, com foco na garantia constitucional de cada brasileiro à educação.”

Até o momento, apenas dois dos 26 estados do país – Mato Grosso e Maranhão – já aprovaram seus planos estaduais de educação. Como, em ambos os casos, as leis foram sancionadas antes mesmo do PNE (o plano maranhense foi entregue ao MEC em maio e o mato-grossense publicado no início de junho), é até possível que tenham que passar por pequenos ajustes. Apesar disso, o MEC não os contabiliza entre os que necessitam de adequação, uma vez que suas discussões seguiram paralelas à do PNE. Os dois são, na realidade, considerados exemplos.

No Distrito Federal, o projeto de lei já se encontra elaborado. Em todas as demais 24 unidades federativas, os planos ainda se encontram em fase de elaboração ou adequação, o que deve ser feito, de acordo com a Lei 13.005, assegurando-se ampla participação de representantes da comunidade educacional e da sociedade civil – o que também, por si só, configura-se como outra luta e outro desafio.

Para auxiliar estados e municípios nesse processo complexo e que demanda agilidade, o MEC lançou o portal Planejando a Próxima Década (http://pne.mec.gov.br/), elaborado pela Sase com o apoio da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), da União dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), do Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação (FNCE) e do Conselho Nacional de Educação (CNE).

6 - Capa“O Ministério da Educação, por intermédio da Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino, trabalha para apoiar os diferentes entes federativos no desafio de elaborar ou ajustar seus planos para que estejam em consonância com o PNE”, explica o secretário Binho Marques, por intermédio da assessoria da Sase. “Para tanto, preparou um conjunto de instrumentos que podem servir de orientação às ações necessárias ao planejamento educacional da próxima década. São documentos, dados, indicadores, links úteis para a obtenção de informações, mapas de acompanhamento do trabalho em cada estado e município, formas de contato com os técnicos preparados em cada estado para prestar assistência técnica, entre outros.” Segundo ele, “contribuir neste desafio é o papel do portal Planejando a Próxima Década”.

O material disponibilizado no site é de acesso e uso livre, mas a Sase também preparou, em conjunto com o Consed e a Undime, uma rede de técnicos para assessorar as equipes responsáveis pelo trabalho em cada estado e município. “Hoje são 217 técnicos atuando nos estados, sempre em articulação com a Secretaria de Estado de Educação e com a representação estadual da Undime”, destaca Marques. “Hoje os técnicos já atendem por volta de 68% da totalidade dos municípios brasileiros e a rede tende a crescer, na medida em que mais municípios declarem interesse no trabalho comum e integrado.”

Seguindo o sistema

Conforme o secretário, os técnicos recebem formação contínua para serem capazes de orientar as equipes locais no sentido de conhecerem profundamente a realidade local para que as decisões de vinculação das metas estaduais ou municipais ao PNE sejam tomadas com base no melhor diagnóstico possível. “Além disso, são orientados para ajudar na compreensão de que os planos não podem ser feitos para a rede de ensino, mas sim para o município ou estado, isto é, para o território onde vive o cidadão a quem o direito deve ser garantido”, reforça Binho Marques.

“Isso implica articulação das diferentes esferas de governo no tempo de dez anos, que extrapola os tempos de diferentes gestões. Por isso a importância de os planos de educação servirem de referência à elaboração dos planos plurianuais dos governos, o que implica articulação com áreas de gestão que extrapolam a Secretaria de Educação.”

A ponderação feita pelo titular da Sase vai ao encontro da preocupação manifestada pela presidenta da Undime, Cleuza Rodrigues Repulho, dirigente municipal de Educação de São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo. “O primeiro grande desafio dos municípios é fazer a articulação com os estados e todos eles com o PNE. Em alguns lugares esse trabalho já está adiantado, mas em outros ainda não começou. Para isso, é importante ajudar o gestor municipal nesse diálogo e articulação com os estados, porque os planos municipais não podem ser desarticulados”, aponta. “Outro desafio é como articular isso para além da rede municipal, levando em conta que há escolas particulares, que há o ensino superior… Fazer o gestor sair de sua rede e enxergar outro patamar, de um sistema municipal de educação. Essa é uma grande dificuldade. Um ano é pouco.”

Assim, tanto a observação do secretário de Articulação dos Sistemas de Ensino quanto a da presidenta da Undime sinalizam na direção daquela que é uma das lutas mais caras à Contee e para cuja concretização o PNE estabelece prazo de dois anos: a instituição do Sistema Nacional de Educação (SNE), isto é, a oficialização de que a educação, como determina a Constituição Federal, é sistêmica e que, portanto, as leis da educação devem valer tanto para a rede pública quanto para o setor privado.

Planejamento com participação

Os técnicos responsáveis pela assessoria aos trabalhos nos município, estados e no Distrito Federal são orientados a estimular o mais amplo debate social, para que o plano proposto seja aperfeiçoado e passe a ser monitorado pela sociedade.

Para isso, a atuação de entidades como Undime e Consed é fundamental, mas também o é a participação ativa da sociedade civil organizada. “Nesse aspecto, os fóruns e conselhos de educação exercem um papel indispensável no processo: garantir a necessária mobilização não só para elaborar o plano e aprová-lo, mas também para acompanhar cada meta, exigindo o contínuo compromisso do poder público”, enfatiza Binho Marques.

6 - Capa - Mauricio Fernandes

Na formulação do portal Planejamento a Próxima Década, esses segmentos estão representados pela Uncme, pelo FNCE e pelo CNE. “Os Conselhos Estaduais de Educação têm um papel importante na disseminação das discussões referentes aos planos estaduais de educação junto aos órgãos e entidades educacionais e demais instâncias da sociedade interessadas na temática, além de poderem auxiliar na mobilização dos Conselhos Municipais de Educação para assumirem idêntica tarefa em sua instância”, salienta o último presidente do FNCE, Maurício Fernandes Pereira, do Conselho Estadual de Educação (CEE) de Santa Catarina.

Como explica Pereira, o FNCE e a Sase “têm estabelecido uma parceria significativa em todos os assuntos que envolvem o regime de colaboração entre os sistemas de ensino, de forma que os Conselhos Estaduais de Educação, como órgãos que representam o FNCE nos estados, se colocam como parceiros da Sase na disseminação da discussão dos planos estaduais de educação”. “Justamente por esse fato, o FNCE tem participado ativamente de reuniões e comissões estabelecidas pela Sase, pois ela está atualmente no papel de articuladora de todo a discussão inerente à educação que envolve os diferentes sistemas”, completa.

Em relação especificamente ao portal, o fórum participou de todas as conversas, debates, discussões e encaminhamentos, em conjunto com as demais entidades e órgãos. “A versão final dos documentos e do portal também foi a nós submetida para análise e contribuição”, diz Pereira. “Portanto, o FNCE sentiu-se honrado ao ver o trabalho finalizado, pois realmente ficou muito bom e servirá de ferramenta de apoio para estados e municípios na realização dos planos de educação.”

Por sua vez, a Undime, além das contribuições também dadas ao Planejando a Próxima Década, programou, em parceria como o MEC – e aí não entra apenas a Sase, mas também outras pastas, como a Secretaria de Regulação e Supervisão da Educação Superior (Seres) – o ciclo de seminários “A melhoria da gestão municipal para cumprir o direito à educação”, cuja temática inclui o planejamento de diretrizes e metas nos municípios.

6 - Capa - Cleuza Repulho“A partir do lançamento daquele portal já tínhamos programado 50 seminários por todo o Brasil, uma média de dois por estado. Os seminários tratam de questões como gestão, carreira, mas um dos focos principais são os planos municipais de educação”, esclarece Cleuza Repulho. “É fundamental fazer a informação circular”.

Os seminários começaram a ser realizados intensivamente em agosto e prosseguiram ao longo de setembro. “A partir daí os municípios começarão a construir seus documentos”, finaliza ela, apontando como questões-chave para o planejamento as diretrizes para tornar a carreira de professor competitiva como outras profissões universitárias, incluindo salários dignos, e o Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi).

Alinhamento com o PNE

O primeiro PNE, que vigorou de 2001 a 2010, teve suas propostas pouco cumpridas por, sobretudo, duas razões. A primeira diz respeito ao fato de a meta de investimentos de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação ter sido vetada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso. Sem verba definida, dificultaram-se tanto as ações dos governos municipais e estaduais quanto a cobrança do Ministério da Educação pelo seu cumprimento. O segundo ponto foi a não aprovação, pela maioria dos municípios e estados, de uma legislação que garantisse recursos para a execução das ações e/ou punição para quem as descumprisse. É esse descompasso que precisa ser evitado agora.

“Se os planos estiverem em consonância, os recursos serão otimizados e a nação avançará na ampliação do acesso e na qualidade da educação básica e superior. O objetivo maior é a garantia constitucional do direito à educação, com equidade e valorização das diversidades que compõem a riqueza social e cultural do nosso país”, considera Binho Marques. “É no território onde vive o cidadão que as metas nacionais se concretizam e é nesse espaço geográfico que a articulação efetiva de esforços para as ações colaborativas deve se concretizar.”

Maurício Pereira segue linha semelhante. “Avalio como necessário que toda a discussão acerca dos planos estaduais e dos planos municipais de educação se dê em coerência com o previsto no Plano Nacional de Educação. Considero que o PNE estabelece as metas e as estratégias que representam os desafios de toda a nação no que diz respeito a melhorar os resultados das atividades educacionais em todos os níveis e contextos. Assim é para a educação básica e para a educação superior, bem como para as questões de responsabilidade da União, dos estados e dos municípios”, frisa o diretor do FNCE.

Ele reitera ainda que “é importante considerar que um plano nacional, por definição, deve ser seguido por toda a sociedade e, no que diz respeito aos governos, por todos os governos, indistintamente”. “E como a Constituição estabelece que o Brasil é uma República Federativa e a LDB (Lei de Diretrizes e Bases) prevê responsabilidades claras para cada instância do poder federativo no que diz respeito ao atendimento das necessidades da sociedade referentes à educação, os planos estaduais e os planos municipais precisam ser elaborados com o foco nas responsabilidades que a legislação compete a cada um desses entes federados.”

Além da assessoria técnica para o trabalho de elaboração ou adequação dos planos ao PNE, também é papel do Ministério da Educação, como lembra o titular da Sase, exercer seu papel supletivo na educação básica, além de ter responsabilidade diferenciada sobre a educação superior. Neste sentido, o MEC dispõe de programas e executa ações que podem ajudar estados e municípios a atingirem as metas dispostas nos seus planos.

Mesmo assim, segundo o diretor do FNCE, um dos grandes desafios para os estados e municípios na discussão e na elaboração de seus planos de educação, é a manutenção do foco em suas responsabilidades constitucionais e legais, tendo como norte o alcance ou a superação das metas estabelecidas pelo PNE, resguardadas, obviamente, as peculiaridades que o contexto de cada um dos estados e municípios impõe à questão.

Da Revista Conteúdo – Número 28. Leia a Revista Conteúdo na íntegra
Foto 1 – Binho Marques – Reprodução
Foto 2 – Cleuza Repulho – Elza Fiúza – ABr
Foto 3 – Maurício Fernandes – Eugênio Barreto/Seed

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