Roteiro para inviabilizar Dilma começou antes de apuração da eleição terminar

São Paulo – A manifestação “contra a corrupção, o governo Dilma, Lula e o PT”, que está programada para domingo (16), é a terceira deste ano. A tese do impeachment surgiu na boca de colunistas da imprensa corporativa quando as urnas do segundo turno da eleição de 2014 ainda estavam sendo apuradas. Sem aceitar o resultado e na perspectiva de forçar um “terceiro turno”, o próprio Aécio Neves (PSDB-MG) abraçou a tese, embora de lá para cá tenha ficado cada vez mais isolado dentro de seu partido.

Com o governo ganhando força nos bastidores nos últimos dias, a possibilidade de uma reprovação de suas contas pelo Tribunal de Contas da União (TCU) tem se reduzido – assim como a chance de um julgamento negativo das contas de campanha pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Resta ainda o grande esforço da imprensa, com a colaboração de agentes públicos que atuam no interior da operação Lava Jato, de manter os nomes de Lula e Dilma colados a irregularidades investigadas na operação e vazadas seletiva e gradualmente.

A contar pelas manifestações anteriores, em 15 de março e 12 de abril, quando a adesão ao movimento caiu substancialmente da primeira para a segunda, o ato de domingo pode ser determinante para a continuidade, ou não, da tentativa de se obter algum apoio “das ruas” para o clima de golpe – iniciado no ano passado e intensificado nos últimos meses.

Confira a seguir fatos destacados ao longo do período que se interligam na busca incessante de esguichar gasolina na fogueira da instabilidade política. Uma ação voltada a, se não derrubar, “sangrar” o governo Dilma.

2014

17 de março – Deflagrada Operação Lava Jato para investigar esquema de corrupção envolvendo diretores da Petrobras. Base para investigações e indiciamentos são depoimentos por delação premiada. Surgem nomes de diretores de grandes empreiteiras e políticos de todos os partidos. Imprensa e parte dos envolvidos na condução da operação dirigem o foco contra o PT, tentando associar nomes de Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Especialistas do meio jurídico e políticos afirmam que a Lava Jato pode representar um divisor de águas no combate à corrupção no país. Mas se preocupam com o uso político e com abusos que podem vir a abalar tanto a credibilidade quanto a legalidade da operação.

17 e 18 de outubro – Delegados da Lava Jato usam  perfis no Facebook para manifestar apoio a Aécio Neves (PSDB-MG) no segundo turno da eleição presidencial.

24 de outubro – Semana do segundo turno de eleição presidencial, com Dilma Rousseff (PT-RS) e Aécio Neves (PSDB-MG). Na edição de véspera da eleição, revista Veja afirma que a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva teriam conhecimento do esquema de corrupção da Petrobras.

O ministro Admar Gonzaga, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), concede liminar que proibia a Editora Abril, responsável pela Veja, de veicular publicidade da última edição em rádio, televisão, outdoor e propaganda paga na internet.

26 de outubro – Segundo turno. Colunistas de jornais e TV introduzem as possibilidades de golpe tão logo a derrota de Aécio Neves se concretiza. A reeleição de Dilma, por 51,64% contra 48,36% de Aécio, foi a disputa mais acirrada desde 1989.

27 de outubro – Reeleição de Dilma causou inundação de postagens de eleitores de Aécio na página oficial do Exército Brasileiro, pedindo intervenção militar. Clube Militar divulga nota oficial em que rechaça a contestação aos resultados do pleito.

28 de outubro – Depois de muitas horas de discussão e obstrução do PT, PCdoB e do Psol, o plenário da Câmara rejeita decreto presidencial que criou a Política Nacional de Participação Social. Votação sinaliza que governo terá mais dificuldades no Congresso no segundo mandato, que ainda estaria por começar. As bancadas progressistas encolheram.

Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que lidera setores do PMDB, do chamado baixo clero e de múltiplos interesses empresariais, desponta como futuro presidente da Câmara.

1º de novembro – O cantor Lobão, que havia prometido ir embora do Brasil caso Dilma fosse reeleita, e depois mudou de ideia, discursa em manifestação em São Paulo pedindo o impeachment em ato do qual participaram cerca de 2 mil pessoas.

10 de novembro – “É bom que a polarização que aconteceu no segundo turno continue. Esse ódio que dizem que está circulando por aí quem nos ensinou foi o PT”, afirma o suposto filósofo Luiz Felipe Pondé, em entrevista a Joice Hasselmann, apresentadora da ultrarreacionária Tveja.

30 de dezembro – Depois de incluir no novo ministério nomes que deixam frustradas sua base social – como Joaquim Levy (Fazenda), Kátia Abreu (Agricultura), Gilberto Kassab (Cidades) e George Hilton (Esporte) – Dilma anuncia o pacote de ajuste fiscal. As MPs 664 e 665 criam regras que restringem o acesso a direitos como pensão por morte e seguro-desemprego. Presidenta inicia mandato com distanciamento da base social que a elegeu.

2015

1º de fevereiro – O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) vence a disputa pela presidência da Câmara. E indica que, com uma base aliada dessas, Dilma não precisará de oposição para ter “dias sem tédio”, como ironizou o governador do Maranhão Flávio Dino (PCdoB).

2 de fevereiro – Jurista Ives Gandra Martins elabora, a pedido de um advogado de FHC, parecer em que vê elementos para que seja proposto processo de impeachment. Para ele, os crimes culposos de imperícia, omissão e negligência estão caracterizados na conduta de Dilma, tanto quando foi presidente do Conselho da Petrobras, quanto como presidente da República. Jurista Dalmo Dallari desconstrói o parecer de Gandra.

25 de fevereiro – São protocolados na Câmara dos Deputados dois novos pedidos de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Entre 2012 e 2015, 32 pedidos são protocolados na Câmara. A maioria acaba arquivada.

13 de março – Diante de ofensivas golpistas, movimentos sociais promovem manifestações em todo o país em defesa da democracia, dos direitos sociais e contra o ajuste fiscal. Em São Paulo, 100 mil pessoas – segundo organizadores – marcham da Avenida Paulista até a Praça da República.

15 de março – É realizado no país o primeiro ato público que tem como principais divulgadores nas redes sociais as organizações de direita Movimento Brasil Livre, Vem pra Rua e Revoltados On-Line. Com forte apoio da TV Globo, o protesto atinge as capitais do país e outras cidades. Na avenida Paulista, comparecem 210 mil pessoas, segundo o Datafolha, e 1 milhão, segundo a PM.

Diretório do PT de Jundiaí, a 50 quilômetros da capital paulista, é alvo de um atentado a bomba.

12 de abril – É realizado novo protesto pró-impeachment. A adesão enfraquece. Apenas 13 estados registram manifestações. Segundo estimativa da Polícia Militar, público da Avenida Paulista caiu 75%.

15 de abril – Movimentos sociais programam manifestações contra o golpe. Na manhã do mesmo dia, Polícia Federal prende o ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, em nova fase da Lava Jato. Imprensa já sabia da prisão na véspera. Vaccari continua, segundo seus advogados, preso sem nenhum amparo legal.

22 de abril – Aécio Neves tenta mobilizar a oposição em favor do impeachment, mas cria um racha no PSDB. Desde que o ex-governador de Minas Gerais e presidente do PSDB encampou a proposta, líderes tucanos se manifestam contra a ideia.

1º maio – O projeto da terceirização e o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), são os alvos preferenciais do 1º de Maio organizado pela CUT, CTB, Intersindical e movimentos populares. A agenda conservadora, identificada pelas centrais, é citada pelo presidente da CUT, Vagner Freitas, que anunciou o lançamento de uma frente nacional de esquerda unificada. “Aqui se organiza a resistência.”

12 de maio – Um dia depois de ser citado pelo doleiro Alberto Youssef na CPI da Petrobras, o ex-presidente Lula publica no Facebook nota em que critica o fato de o país ter se tornado “refém” de um criminoso “notório e reincidente”.

“É inaceitável que uma grande democracia como o Brasil, com 200 milhões de habitantes, uma das maiores economias do mundo, seja transformada em refém de um criminoso notório e reincidente, de um réu que negocia depoimentos – e garante para si um percentual na recuperação do dinheiro que ajudou a roubar”, escreveu.

24 de maio – Dilma diz que impeachment não tem “base real”. Afirma, ainda, considerar que o assunto tem caráter de luta política contra seu governo. As declarações são feitas em entrevista ao jornal mexicano La Jornada.

ROBERTO STUCKERT FILHO/PR (12/06/2015)

Dilma é entrevistada por Jô Soares: presidenta afirma que a situação econômica do país é momentânea e será superada

12 de junho – Em entrevista ao Programa do Jô, Dilma afirma que a situação econômica do país é momentânea e será superada. Dilma admitiu ficar “agoniada” com cenário de crise econômica, e assegura que é “passageiro”.

17 de junho – TCU adia julgamento de contas do governo. Imprensa intensifica noticiário negativo para “pedaladas fiscais”, que são atrasos de repasses de dinheiro dos programas sociais aos bancos. A questão que se coloca é que com as pedaladas o governo teria ferido a Lei de Responsabilidade Fiscal, novo argumento para defensores do impeachment.

28  de junho – Preso, presidente da construtora UTC, Ricardo Pessoa, aponta em delação premiada nomes de 17 políticos do PMDB, PSDB, PT, PTB, PSB e PP beneficiados por doações para campanhas eleitorais originadas de esquema de corrupção na Petrobras. E reacende tese de impeachment ao afirmar que campanha de Dilma no ano passado, comandada pelo hoje ministro Edinho Silva (Secom), teria recebido recursos.

Líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO), afirma que depoimento deve servir como prova de que as campanhas petistas foram abastecidas com dinheiro desviado da Petrobras e que “a Câmara dos Deputados deve abrir um processo de impeachment”.

16 de julho – O empresário da Toyo Setal e delator da Lava Jato, Júlio Camargo, acusa o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), de ter recebido US$ 10 milhões em propina. Segundo Camargo, o valor foi pago por meio do empresário de Fernando Soares, conhecido por Fernando Baiano.

30 de julho – Dilma reúne-se com governadores em nome da governabilidade. Enumera as causas que levaram à queda da arrecadação e à redução das receitas nos estados e na União.

3 de agosto – Polícia Federal prende o ex-ministro José Dirceu. A prisão preventiva é determinada pelo juiz Sérgio Moro, no âmbito da operação Lava Jato, após constatação de que o ex-ministro movimentou, dentro de sua empresa, a JD Consultoria, R$ 71,4 milhões desde 2007, inclusive depois de Dirceu ter sido condenado no processo do mensalão. A justificativa das prisões é que teriam sido usados laranjas para realizar operações ilegais, mesmo após a realização das primeiras fases da Lava Jato. Seu irmão, e sócio na JD, Luis Eduardo, também foi preso. Defesa de Dirceu já previa a prisão, e já havia afirmado que todos os pagamentos recebidos pela JD são legais, estão documentados, foram tributados e que a prisão não se justifica por Dirceu já cumprir pena.

5 de agosto – Vice-presidente do país, Michel Temer, faz apelo em prol da governabilidade: “Não vamos ignorar que a situação é razoavelmente grave, não tenho dúvida que é grave. E é grave porque há uma crise política se ensaiando, há uma crise econômica que está precisando ser ajustada, mas para tanto é preciso contar com o Congresso Nacional, é preciso contar com os vários setores da nacionalidade brasileira. Como articulador político do governo, quero fazer esse apelo. Hoje se inaugura o segundo semestre, agrava-se uma possível crise e precisamos evitar isso. Isso em nome do Brasil, em nome do empresariado brasileiro, em nome dos trabalhadores. É preciso que alguém possa, tenha a capacidade de reunificar a todos, de reunir a todos e fazer esse apelo, eu estou tomando esta liberdade de fazer esse pedido (…) Se o país for bem, o povo irá bem. É o apelo que eu faço aos brasileiros, é o apelo que eu faço às nossas instituições, ao Congresso Nacional e a todos aqueles que se interessam pelos destinos do Brasil”, afirmou Temer.

6 de agosto – O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, arquiva quatro pedidos de abertura de processo de impeachment da presidenta Dilma, que não cumpriam requisitos formais.

Do deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), na Carta Capital: “A aliança entre Eduardo Cunha (e asseclas de todos os partidos do baixo clero), PSDB e DEM já não é mais mal-disfarçada. O caminho para o impeachment traçado por esta aliança envolve a reprovação das contas da Dilma pelo Tribunal de Contas da União (TCU) devido às tais pedaladas fiscais (“pedaladas” semelhantes foram praticadas também por FHC quando presidente da República sem que isto lhe causasse qualquer dano à época).

9 de agosto – O procurador-chefe da operação Lava Jato, Deltan Dallagnol, afirma que não há evidências de envolvimento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e da presidenta Dilma Rousseff no esquema de corrupção na Petrobras. A declaração é dada em entrevista à RedeTV!.

10 agosto – No Jornal Nacional, discurso de Dilma Rousseff durante evento em Boa Vista ganha quase dois minutos – o JN havia abandonado a cobertura de agenda da presidenta e dedica-se, desde o ano passado, a privilegiar o noticiário negativo, acentuando efeitos da crise econômica e as denúncias de corrupção. No estúdio, Renata Vasconcellos fez uma introdução em sintonia com o discurso de Dilma: “A presidente disse que o Brasil está fazendo uma travessia, que as dificuldades são temporárias e que as pessoas não precisam ficar inseguras. E fez um apelo para que as pessoas pensem, em primeiro lugar, no país”.

Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, ao participar de homenagem ao ex-governador pernambucano Eduardo Campos, afirma que “a questão do impeachment não está colocada”.

Presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) se aproxima da articulação política do governo. Diz que temas como impedimento e apreciação de contas dos governos anteriores e do atual não são prioridades. “Na medida que o Congresso tornar isso prioritário, estaremos pondo fogo no Brasil. E não é isso que a sociedade quer de nós.”

11 de agosto – Derrotado na disputa presidencial de 2014, o senador Aécio Neves (PSDB-MG) quer ser candidato ao Palácio do Planalto em… 2015. O anúncio foi feito pelo deputado Marcus Pestana (PSDB-MG), um de seus principais aliados, que defende eleições antecipadas como remédio contra a crise política. “Essa alternativa casa com a motivação de Aécio e é inegável que o favorece”, disse Pestana, em entrevista ao jornalValor Econômico. “Mas não é porque o favorece que nós construímos essa tese”.

Segundo Pestana, Dilma Rousseff e o vice Michel Temer deveriam ser cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) por abuso de poder econômico.

Em entrevista à revista Veja, Aécio sinaliza que trabalha dia e noite para tirar a presidente Dilma Rousseff do cargo, num modelo que prevê também a cassação de Temer.

13 de agosto – TSE deve julgar ação de impugnação do mandato de Dilma Rousseff por suposto abuso de poder político durante as eleições de 2014; ação é movida pelo adversário tucano, que ainda não aceitou o resultado das urnas. Os ministros Gilmar Mendes e João Otávio de Noronha, do TSE, votam a favor de ação movida pelo PSDB, pedindo impugnação do mandato de Dilma Rousseff por suposto abuso de poder político durante as eleições de 2014. Julgamento é interrompido por pedido de vista do ministro Luiz Fux.

Um dia depois de participar da Marcha das Margaridas, no Estádio Mané Garrincha, e de acolher parte das reivindicações dos movimentos de trabalhadoras rurais, Dilma se reúne com representantes da CUT, CTB, MST, UNE, MTST, Central de Movimentos Populares e outras organizações sociais e sinaliza mais diálogo com a base social que a elegeu.

Depois de passar o primeiro semestre sem dar respostas à crise política, passa a adotar discursos mais contundentes e seguros contra o golpismo. Manda recado a Aécio Neves – “Uma coisa que devemos ter no Brasil e que é muito importante é o respeito ao adversário. Brigo até a hora do voto, depois eu respeito o resultado da eleição”.

Outro indicador de mudança de postura foram as críticas a “pautas conservadoras”, o que atinge indiretamente o ainda presidente da Câmara, Eduardo Cunha.

Sobre as manifestações de domingo, Dilma diz: “Não vejo problema e nunca verei problema em manifestação. Não peçam para eu manifestar qualquer atitude contra manifestação que eu não farei. É uma forma de honrar os que não sobreviveram na ditadura no Brasil”.

Da Rede Brasil Atual

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