Seminário da Contee e do Sinpro-Rio debate novo marco regulatório da EaD e desafios para o trabalho docente no ensino superior
Evento destaca que o avanço da educação a distância precisa vir acompanhado da valorização do magistério, da regulação pública e da garantia de qualidade educacional
A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee), em parceria com o Sindicato dos Professores do Município do Rio de Janeiro e Região (Sinpro-Rio), promoveu na última segunda-feira (27) o seminário “EAD e Educação Superior: navegando pelo novo Marco Regulatório”, realizado no Espaço Cultural Paulo Freire, no centro do Rio de Janeiro, com transmissão ao vivo pelo canal do Sinpro-Rio no YouTube.
Organizado pela Comissão de Ensino Superior do Sinpro-Rio e pela Secretaria de Organização e Formação Sindical da Contee, o encontro teve como objetivo promover uma reflexão crítica sobre os impactos do novo marco regulatório da Educação a Distância (EaD), instituído por decreto do governo federal em maio deste ano, na qualidade da educação, nas relações de trabalho e na democratização do acesso ao ensino superior.
Abertura: acesso, precarização e luta sindical
A professora Newvone Ferreira da Costa, coordenadora da Comissão de Ensino Superior do Sinpro-Rio, abriu o evento destacando que, embora a EaD amplie o acesso à educação, a modalidade tem sido marcada por processos de precarização do trabalho docente.
“O acesso é democrático, mas essa democratização passa por um flagelo muito grande de exploração do professor. É fundamental que discutamos as novas nomenclaturas, funções e condições de trabalho que o decreto traz, e como o sindicato vai atuar para defender os direitos da categoria”, afirmou.
O presidente do Sinpro-Rio, professor Elson, saudou os participantes e enfatizou que a discussão sobre EaD ultrapassa o âmbito técnico ou pedagógico, sendo também uma questão política e trabalhista.
“Mais do que falar sobre o ensino a distância, falamos aqui de valorização do professor e da professora. Nosso sindicato foi pioneiro ao incluir essa função em convenção coletiva. Agora, com as novas nomenclaturas criadas pelo decreto, como professor mediador e professor conteudista, precisamos atualizar e ampliar essa regulamentação em diálogo com o sindicato patronal”, pontuou.
Elson alertou ainda para a expansão da EaD na educação básica, que ameaça a função social da escola presencial.
“Esse debate precisa se expandir, porque o avanço da EaD na educação básica ameaça a qualidade e o papel da escola. Precisamos estar preparados para enfrentar essa agenda”, ressaltou.
O novo marco regulatório da EaD: mudanças e impactos
O professor e advogado Murilo Santos, especialista em Direito Educacional e membro da Comissão de Ensino Jurídico da OAB-SP, apresentou uma análise detalhada do novo marco regulatório da educação superior, instituído pelo Decreto nº 12.456/2025 e pelas portarias MEC 378 e 381/2025.
Segundo Murilo, ao tratar da educação a distância, o decreto também passou a abranger a educação superior como um todo, oferecendo nova regulação para os formatos de oferta, a docência e a avaliação institucional.
Ele relacionou as mudanças ao Plano Nacional de Educação (PNE) e lembrou que o país não cumpriu 61% das metas do decênio 2014–2024, incluindo a ampliação da taxa líquida de matrícula no ensino superior e o fortalecimento da oferta pública. “A prioridade histórica foi atingir números de matrícula, muitas vezes em detrimento da qualidade da formação”, destacou.
Murilo explicou que o decreto estabelece três formatos de oferta — presencial, semipresencial e à distância — deixando de usar o termo “modalidade”.
“À distância pode ter até 90% de atividades online, com pelo menos 10% presenciais, e mais 10% que podem ser presenciais ou síncronas mediadas. O projeto pedagógico define como isso será aplicado”, detalhou.
O professor ressaltou a obrigatoriedade de um professor regente por disciplina, com vínculo institucional direto, responsável por validar conteúdos e contextualizá-los para os estudantes.
“Antes, um professor conteudista podia educar um número infinito de alunos. Agora, o professor regente garante sentido pedagógico e vínculo acadêmico real.”
Murilo também lembrou que o decreto restringe a oferta de EaD em cursos da área de saúde, como Medicina, Enfermagem, Odontologia e Psicologia, além das licenciaturas e engenharias, que não poderão ser 100% a distância. A norma ainda estabelece que a maior parte das atividades e avaliações deve ocorrer de forma presencial ou semipresencial.
“Mais presença não significa necessariamente mais acesso. Ao aumentar a presencialidade, corre-se o risco de reduzir a atratividade para jovens que precisam conciliar estudo, trabalho e família”, advertiu.
Para ele, a EaD não é o problema em si, mas sim a falta de investimento em tecnologia e mediação pedagógica.
“Com investimento adequado, acompanhamento docente e uso da inteligência artificial, é possível oferecer cursos de qualidade, mesmo à distância.”
Murilo argumentou que não se deve reforçar o preconceito de que EaD é sinônimo de baixa qualidade. Segundo ele, muitos cursos apresentam problemas porque diversas instituições não zelam pela qualidade da oferta.
Do ponto de vista jurídico e governamental, é exatamente esse desafio que precisa ser enfrentado: elevar a qualidade dos cursos EaD, aprimorar a metodologia e utilizar os recursos da inteligência artificial.
“Há muito a ser feito para elevar a qualidade da educação à distância, sem reduzir a solução a simplesmente transformar esses cursos em presenciais como se essa fosse a única alternativa”, salientou.
Congresso e políticas públicas: a leitura de André Luis
O jornalista e analista político André Luis dos Santos, especialista em políticas legislativas e representação parlamentar, apresentou um panorama sobre o cenário político e o papel do Congresso Nacional nas políticas educacionais.
Segundo ele, o Brasil vive hoje um presidencialismo quase parlamentarista, no qual o Legislativo concentra poder orçamentário e influência decisiva sobre as políticas públicas, o que exige das entidades sindicais uma atuação qualificada e constante.
“Vivemos hoje um presidencialismo quase parlamentarista, no qual o Legislativo tem cada vez mais protagonismo. Isso impacta diretamente as políticas educacionais e exige uma atuação sindical qualificada para incidir sobre as decisões do Congresso”, explicou.
André destacou que, após 2016, o Congresso assumiu controle inédito sobre o orçamento público por meio das emendas de relator, de comissão e individuais — mecanismo consolidado durante os governos Temer e Bolsonaro.
“Hoje o Congresso decide boa parte do destino dos recursos públicos. Isso significa que a política educacional depende cada vez mais da capacidade de diálogo e pressão sobre o Legislativo”, afirmou.
Ele também alertou para o enfraquecimento da base parlamentar do governo e para a autonomia crescente do Congresso, que muitas vezes atua em descompasso com os interesses sociais e trabalhistas.
“A correlação de forças atual é delicada. O governo não tem base sólida, e o Congresso atua de forma autônoma. Isso exige das entidades sindicais um trabalho técnico e político constante de monitoramento e incidência”, concluiu.
Intervenções e encerramento
Durante o debate, a professora Marta Cerqueira, coordenadora da Secretaria de Organização e Formação Sindical da Contee, interagiu com o público online, reforçando o compromisso da Confederação com uma educação de qualidade, pública e socialmente referenciada.
Entre os participantes, João Jorge elogiou avanços do marco regulatório, mas criticou o uso genérico do termo EaD, relatando experiência com cursos híbridos em odontologia. Já João de Gerson alertou para a mercantilização do ensino a distância, defendendo que “o EAD de qualidade existe, mas vem sendo usado para venda de diplomas”.
As falas reforçaram a necessidade de fiscalização efetiva e de controle público da expansão da modalidade.
Murilo e André concluíram sinalizando que o decreto, embora traga avanços como o professor regente por disciplina, o limite de alunos em atividades mediadas e regras de fiscalização, ainda carece de aperfeiçoamento e vigilância constante.
O seminário encerrou-se com o chamado à articulação permanente do movimento sindical para acompanhar a implementação do marco regulatório e defender a valorização docente, a soberania pedagógica e a qualidade da educação superior brasileira.
“O novo marco da EaD coloca em disputa o futuro da educação superior: de um lado, a pressão do mercado por expansão rápida e barata; de outro, a luta dos educadores pela qualidade e pela função social da universidade”, resumiu Murilo.
Confira o vídeo completo do seminário
Por Romênia Mariani




