Seu voto define defesa dos direitos humanos e justiça
Corte Interamericana condenou Brasil no caso do assassinato do militante Gabriel Pimenta, impune há 40 anos. Conflitos agrários e violência se acirraram sob governo Bolsonaro
Ao analisar o caso do advogado e militante mineiro Gabriel Sales Pimenta, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou ontem (4) o Estado brasileiro pela omissão em proteger os defensores dos direitos humanos, bem como investigar casos de violência contra eles. A sentença é um marco histórico após 40 anos de impunidade.
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Ao defender cerca de 160 famílias de trabalhadores rurais pela posse de terra na área da fazenda Mãe Maria, região do “Pau Seco”, a aproximadamente 18 quilômetros da sede do município de Marabá, sul do Pará, Gabriel Pimenta foi o primeiro advogado ganhar causa na Justiça em favor dos trabalhadores rurais sem terra da região. Isso contrariou interesses dos latifundiários.
Às 22h30 do dia 18 de julho de 1982, na cidade paraense, Gabriel Pimenta foi assassinado pelo fazendeiro Nelito Neto (irmão de Newton Cardoso, ex-governador de Minas Gerais), por José Pereira da Nóbrega (conhecido como Marinheiro) e por Crescêncio Oliveira de Sousa. Os três foram indiciados pela polícia e denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado. O julgamento, porém, se arrastou por duas décadas e nenhum deles chegou a ser levado a júri popular nem a cumprir pena.
Na decisão desta terça-feira, a Corte Interamericana entendeu que houve “grave falência” do Estado brasileiro nas investigações do assassinato de Gabriel Pimenta, “pela situação de absoluta impunidade em que se encontra o homicídio na atualidade”.
De acordo com os juízes, o Brasil “não cumpriu sua obrigação de atuar com a devida diligência reforçada na investigação do homicídio”. A negligência dos operadores judiciais nos trâmites do processo penal, que levou, inclusive, à prescrição do crime, foi o fator determinante para que o caso permanecesse em uma situação de absoluta impunidade.
Medidas de reparação
Em razão das violações, Corte Interamericana de Direitos Humanos determinou as seguintes medidas de reparação:
– criação de grupo de trabalho com a finalidade de identificar as causas e circunstâncias geradoras da impunidade e elaborar linhas de ação que permitam superá-las;
– publicação do resumo oficial da Sentença no Diário Oficial da União, no Diário Oficial do Estado do Pará e em um jornal de grande circulação nacional, assim como a Sentença, na íntegra, no sítio web do Governo Federal, do Ministério Público e do Poder Judiciário do Estado do Pará;
– realização de ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional em relação com os fatos do presente caso;
– criação de espaço público de memória na cidade de Belo Horizonte, no qual seja valorizado, protegido e resguardado o ativismo das pessoas defensoras de direitos humanos no Brasil, entre eles o de Gabriel Sales Pimenta;
– criação e implementação de protocolo para a investigação dos delitos cometidos contra pessoas defensoras de direitos humanos;
– revisão e adequação dos mecanismos existentes, em particular o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas, nos âmbitos federal e estadual, para que seja previsto e regulamentado através de uma lei ordinária e tenha em consideração os riscos inerentes à atividade de defesa dos direitos humanos;
– pagamento das quantias fixadas na sentença a título de dano material, imaterial, custas e gastos.
Pauta atual
A decisão da Corte Interamericana no caso de Gabriel Pimenta é um marco na luta em defesa dos direitos humanos no Brasil. É também um símbolo para o momento atual vivido pelo País, já que os conflitos por terra no governo Bolsonaro superaram os ocorridos em qualquer outro governo desde a redemocratização, em 1985.
Dados da CPT (Comissão Pastoral da Terra), ligada à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), divulgados em fevereiro deste ano, apontaram que, entre 2019 e o ano passado, foram mais de 4 mil conflitos provocados pela tensão no campo. E essa tensão não é apenas endossada por Bolsonaro, mas provocada por ele, que governa para as elites ruralistas, para os grileiros, para os garimpeiros invasores de terras indígenas, para os desmatadores de florestas, para os destruidores de meio ambiente, para os que defendem que se “passe a boiada” sobre as leis ambientais, sobre os direitos trabalhistas e sobre vidas humanas.
Táscia Souza