Sindicatos devem se engajar na eleição de Lula
Embora seja imprescindível que cada sindicato paute sua atuação pelo não alinhamento a qualquer partido político e/ou projeto político eleitoral, regra basilar não se aplica às eleições presidenciais de 2022, pois candidatura de Bolsonaro representa negação do Estado Democrático de Direito
Por José Geraldo de Santana Oliveira*
Como se acha estampado no Art. 8º da Constituição Federal, a organização sindical brasileira, no tocante aos/às trabalhadores/as dá-se por categoria profissional. Cada categoria, não obstante a identidade profissional, bem como os interesses e as dificuldades de todos/as que a compõem, congrega múltiplas convicções políticas, filosóficas e religiosas, e, até mesmo, ausência de todas elas, ao menos aparentemente.
Ante essas boas e democráticas razões, é imprescindível que cada sindicato paute sua atuação pelo não alinhamento a qualquer partido político e pela laicidade; só assim se mantém incólume sua representação plural. Isso não significa que não deva ter forte atuação política; aliás, essa é sua condição primeira e inarredável. Não deve, porém, nem pode, isto sim, engajar-se partidariamente.
Por isso, o não engajamento das entidades sindicais aos projetos políticos eleitorais que se apresentam, em cada eleição, dentro do permissivo campo das liberdades democráticas, é condição que se lhes impõe. Todavia, ainda dentro do vasto campo democrático, é imperioso que as entidades sindicais denunciem e lutem contra todos quantos, de forma implícita ou explícita, afrontem os valores sociais do trabalho, quarto fundamento da República, à valorização do trabalho humano, fundamento primeiro da ordem econômica, e ao primado do trabalho, base da ordem social.
Essa regra basilar, sem a qual a democracia sindical fica seriamente comprometida, não se aplica às eleições presidenciais de 2022, pois que apenas uma das candidaturas que as polarizam conforma-se ao campo democrático, reunindo as mais amplas forças que o compõem em um verdadeiro projeto de salvação nacional. A outra, encarnada por Bolsonaro, representa a escancarada e criminosa negação do Estado Democrático de Direito e de todos os cinco fundamentos sobre os quais se assenta a República Federativa do Brasil, a saber: soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e pluralismo político.
Enquanto a candidatura de Lula visa à reconstrução do Brasil, com o inadiável restabelecimento dos fundamentos, princípios e garantias constitucionais que embasam a ordem democrática, a de Bolsonaro tem por execrável objeto a concretização do domínio absoluto do nazifascismo, que se acha em curso desde sua posse, ao 1º de janeiro de 2019.
Ao longo do nefasto governo Bolsonaro, não há um só ato dele e de seus iguais que tenha por escopo o fortalecimento ou até mesmo o simples respeito às regras democráticas. Ao contrário, todos eles foram e são meticulosamente praticados com vistas à sua completa destruição.
Repetidas vezes, desde 30 de abril de 2019, Bolsonaro tem reafirmado: “eu não vim para construir nada, estou aqui para destruir”. Como se não bastasse, insiste em afirmar que os/as trabalhadores/as têm de escolher se querem emprego ou direito. No que diz respeito aos sindicatos laborais, sua proposta, esposada ainda em fevereiro de 2018, em entrevista ao RV/TV e mantida, por palavras e atos, ao longo de seu governo, é a de com eles acabar, pois, para ele, representam uma “desgraça, que atazana o Brasil e os proprietários”.
O descalabro das políticas destrutivas de Bolsonaro salta aos olhos do mundo e faz agonizar o Brasil e seu povo trabalhador: basta dizer que ele empurrou o País para o mapa da fome, do qual saíra em 2014, por expressa deliberação da ONU. Hoje, são nada menos que 33 milhões de famintos e 125 milhões, mais da metade da população, padecendo de insegurança alimentar leve, moderada e grave.
Para mais bem ilustrar o que significa o tamanho da fome no Brasil, basta dizer que o número de famintos corresponde a 3,3 vezes a população de Portugal, que é da ordem 10,3 milhões. E o número de pessoas com insegurança alimentar leve, moderada ou grave equivale a 1,5 vez a população da Alemanha, que soma 83 milhões.
Ainda que que não houvesse outras mazelas sociais e políticas, e as há em abundância, esse número estratosférico, decorrente de deliberada e planejada política governamental, já seria bastante para comprovar que as eleições presidenciais que se avizinham representam muito mais que a disputa de um mandato ou de um projeto de governo. Representam, isto sim, a própria existência do Brasil como nação livre e independente, voltada para a construção da ordem democrática, como determina a CF.
Afinal, o que os 156,4 milhões de eleitores/as decidirão ao dia 2 de outubro e, se for o caso, ao dia 29 do mesmo mês, é se querem o Brasil ou Bolsonaro; irremediavelmente, os dois são inconciliáveis. Equivale a dizer: os/as eleitores decidirão se querem de volta esperança de reconstrução da ordem democrática ou o caos, que, se consagrar vitorioso, deixará acanhado o portal do inferno, magnificamente retratado no Canto III de “A Divina Comédia”, de Dante Alighieri — em tradução livre, “Por mim se vai à cidade do sofrimento,/ por mim se vai à dor eterna,/ por mim se vai à gente condenada…/ Deixai toda esperança, ó vós que entrais”.
Desse modo, não se é de esperar que os sindicatos não se engajem, com força e determinação, no processo eleitoral em curso e que não façam opção pela candidatura de Lula, repita-se, por ser ela a única capaz de abrir caminhos para a reconstrução nacional, o restabelecimento da ordem democrática e a esperança de nova realidade social, que não tenha a miséria e a desesperança como porto de chegada.
Fugir do debate e do engajamento no processo eleitoral significa negar-se, com veemência, a cumprir a primeira e principal razão de ser dos sindicatos, determinada pelo Art. 8º, III, da CF, que é a intransigente defesa dos direitos e dos interesses dos/as integrantes de suas respectivas categorias.
Nesse contexto, a conduta mais efetiva e eficaz para o cumprimento dessa obrigação constitucional se materializa, por um lado, por sólida e vigorante campanha de rejeição à reeleição de Bolsonaro e, por outro, pela vitória das forças democráticas, representadas pela candidatura de Lula.
Todavia, não basta aos sindicatos assim se declararem. Deles se exige, insista-se, que se engajem na campanha, com essa opção, e que discutam, de modo efetivo e cotidiano, com suas respectivas categorias, o que as eleições representam para o Brasil e seu povo. Infelizmente, ainda há centenas de milhares de trabalhadores/as como que entorpecidos/as, acreditando no inominável Bolsonaro.
*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee