Sinpro-JF: Pesquisa analisa processo de criação do sindicato e a construção da primeira greve docente em 1959

A professora e sindicalista Virna Braga, em entrevista concedida no ano em que o Sinpro-JF celebrou o seu 90° aniversário, explicou o processo de criação da entidade em 1934, detalhando o contexto histórico, marcado pelo sindicalismo oficial da Era Vargas, e de que forma foi construída a primeira greve de professores da rede privada em 1959.

O trabalho de pesquisa da professora resultou em uma dissertação de mestrado, apresentada em 2006, no programa de pós-graduação em História da UFJF.

O texto é uma rica análise da formação do movimento sindical docente, entre 1934 e 1964, em Juiz de Fora.

Leia a íntegra da entrevista:

O Sindicato dos Professores de Juiz de Fora foi fundado em 1934, sob o guarda-chuva da sindicalização oficial. Como o período marcou a criação e os primeiros anos da entidade?

Virna: Era o início da chamada Era Vargas, logo após a “revolução” de 1930. Getúlio Vargas, orientado pela ideia do corporativismo de Estado, buscou tutelar as relações entre patrões e empregados. Para isso, criou a Lei de Sindicalização em 1931, além da criação da Justiça do Trabalho e das Juntas de Conciliação e Julgamento, com o objetivo de abrir espaço na esfera pública para dirimir os conflitos de classe. O Sindicato de Professores de Juiz de Fora foi criado neste contexto, em 1934, data de sua carta sindical.

O discurso de fundação do sindicato foi feito por Benjamin Colucci, bacharel em direito, e, na época, atuante no Colégio Granbery. Qual foi a motivação para a criação do sindicato?

Virna: Sendo uma das primeiras associações de professores do Brasil, o sindicato surgiu para que, amparados pelas leis trabalhistas, os professores da cidade pudessem defender seus direitos. Desta forma, em suas primeiras décadas de existência, a associação apresentou uma forte base legalista e cristã. Assentados em uma postura conservadora, os professores eram, em sua maioria, extremamente aversivos ao envolvimento das atividades sindicais à movimentação política. Como liderança, e um dos fundadores, o Dr. Benjamin Colucci, advogado e professor, pode ter reforçado esta característica legalista do sindicato, somando-se a isto a conjuntura nacional, que certamente contribuiu para um distanciamento das discussões políticas.

Em Juiz de Fora, nessa época, predominavam as escolas confessionais. A lógica desses estabelecimentos de ensino era a mesma das empresas capitalistas?

Virna: Desde o final do século XIX, a proposta altruísta das instituições de ensino confessionais de Juiz de Fora, em desacordo com os princípios do mercado, visava a “produção social” revertida em benefício de interesses comunitários e não de interesses particulares. Este contexto reforçou a noção de que o produto do trabalho docente possuía um valor que não podia ser regido pelo mercado, fator que influenciou na atuação do movimento de professores da cidade e fez com que as reivindicações de ordem material fossem sempre acompanhadas da afirmação da qualificação profissional e grande responsabilidade da categoria perante a sociedade. A conjuntura econômica, que guarda importância fundamental, vai interferir constantemente, em especial, nos momentos de altos índices inflacionários, como na década de 1950. Porém, ainda assim, a honra profissional de “educar a mocidade” jamais será abandonada pela categoria docente. Até mesmo durante o movimento grevista de 1959, analisado posteriormente, momento em que os professores percebem que seus interesses, de fato, não são os mesmos que o dos “professores-diretores”, o elo de honraria não se perdeu.

Existia, como mostrou a sua pesquisa, uma preocupação em afastar a entidade de discursos políticos e da postura combativa. Qual era o perfil dos primeiros participantes do sindicato?

Virna: Seguindo as propostas de ação sindical oferecidas pelo Governo Vargas e preservando o bom relacionamento com os patrões, os professores sindicalizados desenvolviam suas atividades pautadas por diretrizes cujo fundamento encontra-se no processo de construção da identidade do movimento docente. A qualificação, a honra profissional, o status e o legalismo, constituem fatores que moldaram o sindicalismo de professores em Juiz de Fora. Não há como aproximá-los do perfil de atuação dos operários fabris durante quase toda a história do movimento docente da cidade, entre 1934 e 1964. Os piquetes, as passeatas, elementos primordiais das manifestações do operariado industrial local, encontram-se distantes da realidade de um movimento de base intelectual, jurídica e cristã, que acreditava na importância crucial de sua profissão para o futuro da nação. Eram advogados, engenheiros, literatos, jornalistas – “trabalhadores intelectuais” que viam o sindicato como um canal institucionalizado de organização. A documentação, principalmente os livros de atas, demonstra que o magistério e a própria atuação no sindicato, pelo menos nos primeiros 10 anos do movimento, representava para estes profissionais liberais uma “atividade a mais” a ser exercida. Os registros das reuniões deixam entrever que, durante estes primeiros anos, o sindicato estava para os docentes como estava o IHGB – Instituto Histórico e Geográfico, ou qualquer outra associação deste tipo: ali se reuniam para trocar ideias, congregar-se com seus pares e proferir palestras.

Por que, nos anos 1940, a entidade estava afinada com a ideologia estado-novista?

Virna: O Levante Comunista de 1935 desencadeou uma forte repressão sobre os trabalhadores e sindicatos, institucionalizada através do Estado Novo, quando o então Ministro do Trabalho, Agamenon Magalhães, mobilizou a estrutura sob seu comando para acionar a participação de sindicatos patronais e operários contra o comunismo. Várias reuniões de trabalho envolvendo representantes das duas partes foram realizadas, ficando acertada uma estratégia para levar a propaganda anticomunista aos trabalhadores. A conjuntura nacional de 1935, seguramente, levou a um afastamento da política, já que diversos embates estavam ocorrendo entre integralistas e aliancistas em Juiz de Fora. Em 4 de abril daquele ano, o projeto da Lei de Segurança Nacional – LSN, proposta pelo Governo Vargas ao Congresso, foi aprovado. A LSN passou a definir os crimes contra a ordem política e social: as greves de funcionários públicos, a propaganda subversiva e a organização de associações ou partidos com o objetivo de subverter a ordem.

Nos anos 1950, surge entre os professores melhor disposição para lutar por suas reivindicações. Em sua pesquisa, você aponta a aproximação com o movimento docente do Rio de Janeiro como um dos fatores para a mudança dessa dinâmica. Como esse contato estimulou o movimento docente em Juiz de Fora?

Virna: Os sindicatos de professores do Rio e o de Juiz de Fora se aproximaram realmente em 1944, exatamente quando uma Junta Governativa nomeada pelo Ministério do Trabalho passou a dirigir a associação carioca. Ocorre que essa junta, influenciada por lideranças comunistas, conseguiu em pouco tempo dobrar o número de associados. Isso estimulou o sindicato de Juiz de Fora a lutar por um aumento na remuneração salarial com forte apoio do Rio de Janeiro. Além disso, o sindicato carioca era bastante combativo, fator que auxiliou, consideravelmente, para uma ação mais dinâmica por parte do professorado de Juiz de Fora

Em Juiz de Fora, a primeira greve docente na rede privada ocorreu em 1959. O que os professores reivindicavam? Qual foi o desfecho do movimento?

Virna: Nos anos 1950, a ampliação do número de filiados trouxe à tona a noção de que a “diferença” entre docentes e trabalhadores “comuns” havia se transformado, de certo modo, em um ‘eco’ do que havia sido anteriormente. A categoria percebia que, apesar de ainda participar dos “círculos de elite’, a situação não era mais a mesma, o que fez com que os docentes condenassem os profissionais liberais que faziam do magistério um “bico” e que possuíam, geralmente, outras rendas advindas de consultórios e ou escritórios. A preocupação em melhorar o salário do professorado estava em primeiro plano para aqueles que dependiam exclusivamente da renda obtida como docente. O movimento foi vitorioso e os professores conseguiram o aumento desejado.

O que era a Casa do Professor?

Virna: A inspiração para a nova sede vinha da Casa do Professor do Estado do Rio de Janeiro que, de acordo com os registros em atas, possuía, até mesmo, lugar para hospedar professores de outras regiões. A ideia de se criar a casa surgiu ainda em 1955, quando a associação iniciou uma campanha financeira para sua construção. Desta forma, em 15 de agosto de 1959 foi inaugurada a “Casa do Professor de Juiz de Fora”, que passou a servir de sede para as reuniões do sindicato.

A exposição “Tempo Rei”, no Fórum da Cultura, em celebração aos 90 anos do Sinpro-JF, contou com o apoio da professora Virna Braga para contar a história da fundação da entidade.

Do Sinpro-JF

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