Sinpro/RS: Audiência pública critica redução de carga horária e corte de disciplinas no novo ensino médio no RS
Para estudantes, professores e parlamentares, implantação da reforma em nível estadual por meio do Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio vem ocorrendo sem debates e prejudicam formação
Audiência pública realizada pela Comissão de Educação da Assembleia Legislativa (ALRS) debateu com a comunidade escolar a redução de carga horária de disciplinas e a reformulação do ensino médio. A regulamentação segue o Referencial Curricular Gaúcho do Ensino Médio (RCGEM), documento técnico-normativo que regra a implantação da reforma no Estado em conformidade com a lei federal, e que foi elaborado pela secretaria em colaboração com a União Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação (Undime) e o Sindicato do Ensino Privado no RS (Sinepe-RS).
A audiência foi proposta pela deputada Luciana Genro (PSol), integrante da comissão e ocorreu de híbrida, na segunda-feira, 28. Estudantes e professores relataram seu descontentamento com a falta de consulta à comunidade escolar sobre o projeto da Secretaria de Educação (Seduc).
“Lamentavelmente, a discussão não foi conduzida de forma ampla o bastante para garantir uma participação efetiva do conjunto da comunidade escolar. Queremos ouvir as entidades, professores e estudantes para que nós possamos buscar interferir nesse processo de uma forma organizada e que atenda aos anseios dos envolvidos”, criticou a deputada.
Além da redução de carga horária de educação física, que terá apenas um período no 1º ano, a Seduc propõe a limitação a um período de ensino de Língua Espanhola e Sociologia por semana no 2º ano, e Filosofia apenas no 1º ano. Literatura terá apenas dois períodos no 1º ano e depois desaparece como disciplina obrigatória. As disciplinas obrigatórias, inclusive, foram reduzidas em prol do que a Seduc chama de itinerários formativos, que foram criticados pela parlamentar.
“Os alunos não têm de fato a liberdade de decidir, eles têm que lidar com o que a escola oferece. E acaba se perdendo conteúdo de outras matérias importantes ao se escolher um itinerário formativo”, alertou. Na prática, observa, todas as disciplinas tiveram redução de carga horária obrigatória, a não ser Português e Matemática.
A audiência contou com a participação da deputada federal Fernanda Melchionna (PSol). Ela destacou o agravamento de problemas na educação brasileira com a pandemia. “Tira-se disciplinas como Sociologia, Filosofia, que incentivam o livre pensar, e até disciplinas que são necessárias para o vestibular. É uma ideia de que estudante de escola pública só pode sair da escola para ir para uma profissão sem ensino superior, que também são dignas, mas não podem ser a única opção”, destacou.
Professoras criticam proposta
A professora Neiva Lazzarotto, diretora do 39º Núcleo do Cpers-Sindicato e vice-diretora da Escola Estadual Emílio Massott, também deu destaque à redução das disciplinas que criam espírito crítico.
“Queremos que a juventude da classe trabalhadora, a juventude negra, possa chegar na universidade. Cria-se um abismo maior ainda nas possibilidades de igualar o acesso à universidade. Não adianta ter uma disciplina ‘mundo do trabalho’, quando de fato o mundo do trabalho está cada vez com menos direitos, menos empregos, com salários menores”, afirmou.
Neiva apontou que 4,9 milhões de pessoas no RS, o equivalente a 43% da população, não concluíram a educação básica, e que o novo ensino médio afasta ainda mais as pessoas das escolas. “Precisamos de modelos que garantam o acesso ao conhecimento, acesso à universidade e ao mundo do trabalho. As formações de professores para esse novo modelo têm sido feitas por uma empresa privada. Temos tantas universidades federais, por que não elas nos assessoram?”, questionou.
A professora de Biologia Zilá Farias, vice-diretora do Masso-te 38º Núcleo do Cpers/Sindicato, abordou a falta de condições das escolas em geral no estado. “O governo coloca novos componentes, mas não tem professores nas escolas. Não tem dinheiro para preparar merenda, não tem merendeira. Estas preocupações que seriam importantes um governo ter neste momento, em que precisamos motivar os alunos a voltar para as escolas”, disse.
O Conselho Regional de Educação Física também se manifestou, a partir da fala da professora Ninon Leal, que afirmou que a categoria tem bastante interesse na revisão do novo ensino médio, “que traz muitos prejuízos aos estudantes do nosso estado”.
Reforma sem debate
“Esse é mais um projeto em que não houve debate com a comunidade escolar, com os professores, com os estudantes”, afirmou o diretor da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes) Pedro Feltrin.
Ele relatou as dificuldades que os estudantes enfrentaram durante a pandemia e que, agora, seguem existindo com o desmonte da grade curricular, imposto às escolas públicas mesmo sem estrutura. No caso das escolas privadas, a mudança é opcional. “Estamos cobrando papel higiênico nos banheiros, merenda nas nossas escolas, enquanto tem projetos que aumentam ainda mais a diferença entre a escola pública e privada”, enumerou.
Representando o Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Ufrgs, Patrick Veiga lembrou que o último Enem foi o mais desigual da história e permeado pela crise no Inep, instituto federal que elabora a prova.
“A implementação de uma reforma do ensino médio nesse nível, dessa profundidade, nesse momento, é um caos na educação. Deveria haver debate com os estudantes, e não a implementação de forma atravessada de uma reforma que nada diz respeito à formação escolar que nós queremos”, colocou, lembrando também dos escândalos envolvendo o ministro Milton Ribeiro. Durante a reunião, os participantes comemoraram a notícia da exoneração do ministro Milton Ribeiro em meio ao escândalo do Bolsolão do MEC.
A falta de voz aos estudantes também foi criticada por Lincoln Fonseca, presidente da União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas (Uges). “Qual projeto de vida podemos traçar enquanto estudante de escola pública hoje no Brasil que não passe por evadir escola pra ajudar a sustentar a casa, ou por ter que cuidar do irmão mais novo porque não tem creche? Isso evidencia que não foi construído com a comunidade escolar, porque não se conhece a realidade da comunidade escolar”, apontou, destacando ainda a falta de reposição salarial e de valorização dos professores e funcionários.
Seduc defende abordagem
O representante do Conselho Estadual de Educação, Oswaldo Dalpiaz, fez uma defesa da proposta da Seduc, justificando que “a maioria dos estudantes não está passando ainda pelo novo ensino médio, apenas o primeiro ano está recebendo essa estrutura” e que “a Educação Física vai fazer falta para alguns, mas outros que hoje também não têm interesse não vão sentir”. Relatou que o Conselho debateu e estudou bastante a proposta antes de aprová-la.
A diretora do Departamento Pedagógico da Seduc, Letícia Grigoletto, representou o governo e garantiu que todos os presentes “têm o mesmo objetivo de oferecer uma educação de qualidade para nossos jovens”, destacando o histórico que levou à aprovação da lei nacional que determinou mudanças no ensino médio e o aumento da carga horária de estudos.
“A falta de motivação para frequentar a escola e as diferenças entre a vida prática e a escola eram alguns dos motivos para evasão escolar. A nova proposta tem três pilares: garantia a todos os jovens nos direitos de aprendizagens comuns; o desenvolvimento do protagonismo desses estudantes e do seu projeto de vida; e a ampliação da carga horária”, disse.
Assim, deve-se atingir 1,4 mil horas anuais durante o ensino médio, compostas por uma formação geral básica de Português, Matemática, Química, Física, que eram divididas em mil horas no total, e agora compreende 800 horas no primeiro ano, 600 no segundo e 400 horas no terceiro. “As demais horas compreendem o aprofundamento a partir do itinerário formativo que o estudante escolher”, disse, convidando os presentes a participarem da consulta aberta que está sendo realizada sobre os itinerários formativos até o dia 4 de abril.