Sinpro/RS: Neoliberalismo leva à morte as pessoas que não são lucrativas
A ativista e escritora espanhola Clara Valverde Gefaell, 62 anos, retorna ao tema do seu mais recente livro, De la necropolítica neoliberal a la empatía radical (Espanha, Icaria Editorial, 2015), ainda não lançado no Brasil, e afirma que o sistema neoliberal é incompatível com a luta contra a desigualdade. “O neoliberalismo aplica a necropolítica, deixa morrer as pessoas que não são lucrativas”, define. Diagnosticada aos 23 anos de idade com síndromes de sensibilização central (SSC), Clara tem limitações de movimento que a impedem de caminhar e operar o computador. Pede que as perguntas sejam breves. “Vivo entre a cama e o sofá”, resume. Após o diagnóstico, foi professora e enfermeira. Tem oito livros publicados e é coautora de La sanidad está en venta: Y también nuestra salud. A autora relaciona essas enfermidades, ao processo de necropolítica.“Não são atendidas pelos sistemas de saúde públicos, ainda que a maioria já tenha sido reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e 5% da população sofra com essas doenças”. Ao contrário do que possa parecer, o sistema não é violento, as violências são sutis, ressalva. “O melhor mecanismo de controle é deixar que as pessoas vejam os vulneráveis para que imaginem que isso também pode acontecer com elas. Ainda que alguém tenha um trabalho, se ficar doente perderá sua renda e seguramente não receberá nenhuma ajuda”, resume.
Extra Classe – O que é necropolítica neoliberal?
Clara Valverde Gefaell – A necropolítica neoliberal é deixar morrer os que não servem ao capitalismo porque não produzem nem consomem.
EC – Como surgiu esse conceito?
Clara – A ideia surgiu olhando pela janela e vendo as pessoas que vivem nos caixas eletrônicos. Mas esse é só um exemplo. Se não vemos a necropolítica liberal é porque não queremos enxergar. Quanta gente hoje você viu que está entre a vida e a morte?
Clara – Os excluídos são os que não têm o mínimo: teto, comida, abrigo, as pessoas com deficiência sem ajuda, etc. Eles são neutralizados, deixando que morram. Na Espanha, muitas pessoas com deficiência que são dependentes morrem antes de receber a ajuda que o governo lhes havia prometido.
EC – Onde esse fenômeno ocorre? Vê diferença entre a necropolítica exercida por governos europeus e latino-americanos?
Clara – Isto ocorre em todo país capitalista. Aqui, e também na América Latina.
EC – Quais são os mecanismos de controle e por que a sociedade não se rebela?
Clara – O melhor mecanismo de controle é deixar que as pessoas vejam os vulneráveis para que imaginem que isso também pode acontecer com elas. Bem, a todos, menos a Trump e a outros ricos. Aos demais, pode acontecer. Ainda que alguém tenha um trabalho, se ficar doente, perderá sua renda e seguramente não receberá nenhuma ajuda.
EC – A necropolítica se utiliza de violência?
Clara – A necropolítica é violenta porque mata, ainda que pouco a pouco.
EC – Como o poder constituído faz para convencer os cidadãos que a necropolítica neoliberal é benéfica para a sociedade?
Clara – O poder passa a imagem de que os excluídos e os vulneráveis são gente suja, desagradável, que não quer trabalhar, e vale mais tirá-los do meio dos demais.
EC – Qual é o papel da linguagem nesse fenômeno? Você identifica a influência das redes sociais e das fake news como ferramentas a serviço dessa política?
Clara – As redes sociais reproduzem as notícias e quase toda notícia é falsa (fake), porque foi escrita e é controlada por uma corporação que obtém benefícios.
EC – Nesse contexto, quem faz a defesa das minorias e excluídos?
Clara – Ninguém faz essa defesa. Os partidos políticos de esquerda dizem que representam a todos, mas quantos doentes, pobres e sem teto, ou pessoas com deficiência existem em posições de poder?
EC – No capítulo V do livro, você relaciona as síndromes de sensibilização central (SSC) com a necropolítica. Por que as SSC são exemplos das motivações e consequências dessa política neoliberal?
Clara – As Síndromes de Sensibilização Central (SSC) incluem a Encefalomielite Miálgica/Síndrome de Fadiga Crônica, as Sensibilidades Químicas Múltiplas, a fibromialgia e a Eletrohipersensibilidade. Não são atendidas pelos sistemas de saúde públicos, ainda que a maioria já tenha sido reconhecida pela Organização Mundial de Saúde há 30 anos e 5% da população sofra com essas doenças. Com certeza, nem você que está lendo isto e acredita estar informado ouviu falar delas.
EC – De que forma essas doenças incapacitam?
Clara – Essas enfermidades deixam o doente fechado em sua casa, em sua cama, mas não causam alarme social porque não morremos disso. Mas é como viver o pior dia da pior gripe que já teve, todos os dias, durante décadas. Para atender essas enfermidades seria necessário investir dinheiro e questionar o poder das indústrias tóxicas que as causam.
EC – Ou seja, são excludentes.
Clara – Os doentes de SSC são vistos como preguiçosos que não querem trabalhar. A maioria das pessoas com SSC adoeceu na adolescência e passa décadas doente, sem ajuda.
EC – Quando você foi diagnosticada e o que são SFC e SQM?
Clara – Fiquei doente de Encefalomielite Miálgica/Síndrome de Fadiga Crônica (EM/SFC) aos 23 anos de idade e este ano completo 63 anos. Fui diagnosticada no Canadá, em 1990. A duras penas me tornei enfermeira e professora de Enfermagem. Depois tive que deixar essas atividades, porque não podia me levantar. Vivo entre a cama e o sofá. Sou privilegiada porque o governo me deu 72% de deficiência e uma pequena pensão que não cobre nem meus gastos médicos, nem ajuda.
EC – No Brasil, o governo Bolsonaro, que promove o desmonte de políticas e a estrutura de prevenção e tratamento de IST, Aids e Hepatites Virais, é um exemplo de prática da necropolítica
Clara – Sim, os cortes em saúde matam.