Sinpro/RS: Presencial, 68ª Feira do Livro celebra os 250 anos de Porto Alegre

Depois de uma edição on-line e outra semivirtual devido à pandemia, a Feira do Livro de Porto Alegre volta a se espalhar pela Praça da Alfândega e projeta 1,5 milhão de visitantes

Depois de uma edição totalmente on-line e de outra em formato híbrido, em que a programação presencial foi mínima devido à pandemia de covid-19 e a limitações orçamentárias, a Feira do Livro de Porto Alegre volta à Praça da Alfândega, no Centro Histórico, em sua totalidade. Integralmente presencial, a 68ª edição começou dia 28 de outubro e segue até 15 de novembro, com público estimado em 1,5 milhão de pessoas e tendo como tema central os 250 anos de fundação da capital gaúcha.

Além do apelo da presencialidade e interação entre autores, livreiros e público sob os ipês recém-florescidos da primavera porto-alegrense, os organizadores apostam na retomada do crescimento do mercado do livro, com um número recorde de 71 expositores.

Em 2020, a feira foi totalmente virtual, com 64 mil acessos ao site, 54 expositores e 218 atividades nas programações oficial e especial – produzidas por expositores e parceiros do evento.

“Em 2021, foram 56 expositores e 90 sessões de contação de história. O número de vendas cresceu em 15% com relação a 2019”, explica o presidente da Câmara Rio-Grandense do Livro, Maximiliano Ledur. “Nossa expectativa para 2022 é de um novo crescimento em número de exemplares vendidos, já que teremos uma programação muito ampliada e com aumento para 71 expositores”, projeta.

Diversidade e inclusão social

A 68ª Feira do Livro de Porto Alegre será realizada de 28 de outubro a 15 de novembro, na Praça da Alfândega, Centro Histórico de Porto Alegre. Confira a programação.

“Esta será a feira da diversidade”, explica Ledur. A programação envolve mais de 150 escritores, entre autores locais, nacionais e estrangeiros. Sandra La Porta, coordenadora da programação adulta, destacou a forte presença indígena, citando Daniel Munduruku, Auritha Tabajara e Olívio Jekupé, entre outros. Considerando que esta será a primeira edição realmente pós-pandemia, Sandra lembra que a feira terá em torno de 70 programações, entre oficinas, bate-papos, saraus, músicas, teatro e seminários, com seis nomes internacionais, 18 nacionais e mais de 60 gaúchos.

Já a programação infantil, de responsabilidade de Sônia Zanchetta, priorizará a formação do que ela chama de “leitores literários”, com 70 autores voltados ao público infantil e juvenil. Desses escritores, 38 estarão no palco do Teatro Carlos Urbim, onde receberão alunos do ensino médio e da EJA.

Além de práticas de mediação de leitura e contação de histórias, haverá, ainda, 30 sessões de autógrafos de alunos de diversas escolas do estado. No Circo dos Mafagafos, o espaço da primeira infância na feira, terá contações de histórias, intervenções circenses, espetáculos e teatro de bonecos e encontros com autores.

No Espaço Jovem Petrobras, haverá atividades com escritores, ilustradores, quadrinistas, grafiteiros, influenciadores digitais e outros convidados, e  mostras de projetos inovadores realizados em escolas.

Oferta de livros a preços reduzidos e entrada gratuita, com ênfase na diversidade, atualidade, inclusão social e acessibilidade, completam os atrativos desse reencontro da feira com o seu público.

Coroação de uma trajetória

Beatriz Araujo, Secretária da Cultura do RS, afirma que o anúncio do nome de Nejar como patrono coroa uma trajetória de sucesso reconhecida pelo público leitor e pela crítica, e já deu um pouco o tom do que vem por aí: “Foi lindo e emocionante ver Carlos Nejar, o nosso ‘poeta do pampa brasileiro’, como é conhecido, suceder o filho Fabrício Carpinejar.”

Segundo Beatriz, neste momento em que todos estão se reencontrando, depois dos piores momentos da pandemia, a Feira do Livro é um espaço de resistência, por isso a comunidade literária está na contagem regressiva para o início do evento deste ano: “Tenho certeza que será mais uma edição para celebrarmos tudo o que a literatura representa em nossas vidas. E a Secretaria de Estado da Cultura estará presente, mais uma vez, por meio do Instituto Estadual do Livro, o nosso IEL. Estarei na praça da Alfândega, com certeza, para prestigiar esse que é considerado um dos principais eventos culturais do país”.

Questionado sobre os significados simbólicos e efetivos da Feira do Livro para a cidade e para o estado, Benhur Bortolotto – presidente do Conselho Estadual de Cultura entre agosto de 2021 e agosto de 2022 –, afirma de forma poética que gosta de pensar nas feiras como uma espécie de estorvo: “Ter os livros atravancando o caminho das pessoas é uma maneira curiosa de celebrar a literatura. E Porto Alegre tem obtido muito êxito em fazer do estorvo uma festa e tanto, que já é parte da nossa relação com o centro da cidade, que traz ao debate público apreciações importantes sobre o que se passa no mundo e que reflete nossa esperança de sermos uma sociedade que preserva a arte e o conhecimento.”

Carlos Nejar, reencontro com o pampa

Poeta, ficcionista, tradutor e crítico literário, o escritor gaúcho Carlos Nejar, 83 anos, foi anunciado patrono da 68ª Feira do Livro de Porto Alegre em junho, pela Câmara Rio-Grandense do Livro.

Com mais de 80 obras publicadas, Nejar é o único gaúcho na Academia Brasileira de Letras. Ele lançou seu primeiro livro, Sélesis, em 1960. Suas obras mais recentes são Senhora Nuvem (Life, 2022, 122 p.), a coletânea A República do Pampa(Casa Brasileira de Livros, 2021, 416 p.), O humano cavalo (USP/Atelier Editorial, 112p.) e O vale dos ossos secos (Recriar, 2021, 226 p.), lançados em 2022.

“Livro na gaveta é fantasma. Os originais incomodam como almas penadas. O livro saindo, eu me liberto. Vem a oportunidade, eu publico, mas tenho muitos livros inéditos”, desconversa o patrono sempre que é perguntado se está trabalhando em algum novo livro. Na feira, ele irá lançar o inédito Crônicas de um imortal ou (in)vento para não chorar (Bertrand Brasil) e aparece em livros de outros autores, como Ficção e Mágica de Carlos Nejar (Bestiário), de Eduardo Jablonski.

Nejar foi casado com a escritora Maria Carpi, patrona da 64ª edição da feira, em 2018. O filho de ambos, Fabrício Carpinejar, foi patrono do evento em 2021. “O pai é um criador de mundos, mais do que personagens. Ele é um coreógrafo de narrativas épicas, desde Silbion, seu segundo livro. Talvez seja a obra mais teatral que exista na poesia brasileira. Você não tem como ler os seus versos ou as suas ficções em voz mental. Vai acabar sentindo necessidade de cantar. De ler em voz alta”, define Carpinejar.

“Carlos nunca deixou de se identificar como um exilado do Sul, existência diaspórica que ele sempre fez questão de lamentar. O patronato, agora, confere uma espécie de cidadania errante, que repara essa diáspora física, porque, afinal, a virtude da literatura é estar em todos os lugares”, conceitua a escritora Cíntia Moscovich, que foi patrona da 62ª edição, em 2016. No final de setembro, Carlos Nejar falou ao Extra Classe sobre sua obra e o patronato, que ele define como “um reencontro com o pampa”.

Extra Classe – O que representa na tua trajetória ser patrono da Feira?
Carlos Nejar – Minha escolha como patrono da Feira do Livro de Porto Alegre, depois de mais de 60 anos de literatura, significa o reencontro com o pampa que eu amo, o pampa sobre quem tanto escrevi, a pampa que é a terra que também carrego comigo. E não é a carreira que nos consagra, é a poesia. Não podia ser maior a honra e a alegria, como a de receber o bastão da Feira do Livro pelas mãos de meu filho, Fabrício Carpinejar, a quem amo muito e de quem me orgulho por ser reconhecido escritor. Mas pode o fruto cair longe do pé e o pé cair longe do sonho?

EC – O que este escritor consagrado diria ao Carlos Nejar que lançou teu primeiro livro em 1960?
Nejar – O jovem Carlos Nejar sempre insiste em falar comigo, e nesta feira é como se eu estivesse autografando, sim, meu primeiro livro. É também como se os livros que publiquei me encontrassem. Viver é continuar se encantando.

EC – Em que medida a obra do “poeta do pampa” pode ser considerada regional e ao mesmo tempo universal?
Nejar – Sim, busco o pampa, que é universo. Não sou eu que devo considerar-me regional e universal. Como diz (Leon) Tolstói, canto a minha aldeia, ou como diz (Fernando) Pessoa, o rio onde corre minha aldeia. Mas não posso ou devo falar de minha obra, ela que fala de mim.

EC –  É bastante recorrente encontrarmos na produção e nas manifestações públicas do Fabrício demonstrações de afeto, respeito e reconhecimento da figura paterna na sua formação humana e intelectual. O que o pai do Fabrício pode dizer a ele publicamente – do alto dos seus 83 anos – e que ainda não tenha sido dito?
Nejar – Há um tempo em que o amor de pai não precisa inventar palavras, quando as palavras que o inventam. E nem precisa que o dicionário as crie, quando elas há muito já existem. Meu filho está junto do coração.

EC – O que tens a dizer aos leitores que ainda não conhecem tua obra poética e ficcional?
Nejar – Há um tempo que nós geramos os livros e é o que fiz, na poesia, na ficção, no teatro, ou ensaio, ou crônica. E eles devem ser tão fortes que possam encontrar seus leitores e se afirmar. Sei que resistirão e acharão seus contemporâneos. Pois, se fossem menores do que eu, seriam pequenos. Como são maiores do que eu, engendrarão seu espaço e plenitude, independentes deste vivente.

Depoimentos e homenagens a Carlos Nejar

“Está chegando a Feira e ela promete ser maior do que no ano passado e, com certeza, vai ser. É sempre uma alegria pensar que gente de todas as tribos tem, tradicionalmente, na Feira do Livro, o local de encontro. Sem dúvida, os frequentadores da Feira são um encantamento à parte. Esse ano – e tem sido assim nos últimos anos, o Conselho dos Patronos não foi ouvido em relação ao Patrono, assim como as entidades culturais não tiveram oportunidade de escolher. De qualquer forma, foi bem escolhido. Carlos Nejar tem o que se espera de um patrono: uma obra consistente e importante. É membro da Academia Brasileira de Letras. Com mais de 60 anos dedicados à poesia, Nejar mostra um estilo maduro e o cerne das suas preocupações é o ser humano flagrado em seus paradoxos e contradição. Deus está bastante presente em sua obra e na sua vida. Afirma em uma entrevista que ‘Nós, seres humanos, não raciocinamos, somos raciocinados pelo amor de existir com Deus.’ É o que leva para sua poesia. Ao lado das contradições sociais, a presença de Deus. É dele que vem a inspiração e o dizer.”
Jane Tutikian, escritora, professora da Ufrgs, patrona da 57ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 2011.

“Do Carlos Nejar minha geração se tornou leitora nos anos 1970, com sua poesia algo alegórica, com alguma ressonância bíblica, profundamente interessada na resistência contra o autoritarismo que naquele momento ainda era a tônica da vida política. ‘Somos poucos’, o ‘Poço do calabouço’ foram leituras intensas, marcantes, que eram saudadas e compartilhadas por todos os leitores daquele momento. Da mesma forma, sua tradução para as ‘Ficções’, de Jorge Luis Borges, entrou para a corrente sanguínea das leituras brasileiras. Depois disso, Nejar levou sua dicção já característica para outros domínios, da narrativa e da poesia, assim como seguiu sendo um leitor abrangente, como se vê em sua ‘História da literatura brasileira’, um modo muito particular de repassar por escrito esse patrimônio acumulado em décadas.”
Luís Augusto Fischer, escritor, professor da Ufrgs, patrono da 59ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 2013.

“Há poetas que se fundem com a sua própria poesia, difícil distinguir o homem da obra. Para ficar no Rio Grande cito três: Paulo Hecker Filho, Luiz de Miranda e Carlos Nejar. A poesia é um gênero literário onde o autor é sempre o narrador, não há distinção entre um e outro. E esses três poetas levaram isso ao extremo. No caso do Nejar a poesia nunca abandonou o Rio Grande porque ele mesmo nunca deixou de ser um gaúcho, embora ambos vivam além das fronteiras do Estado; demonstração de que a arte feita no Sul pode ser sulina e nacional ao mesmo tempo. No programa da Feira do Livro de Porto Alegre costuma-se dizer que há autores locais e nacionais. Nejar é ambos, um patrono global.”
Airton Ortiz, jornalista e escritor, patrono da 60ª Feira do Livro de Porto Alegre, em 2014.

Do jornal Extra Classe, do Sinpro/RS

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