Sinpro/RS: Trabalho remoto é privilégio de brancos com ensino superior e casa própria
Pesquisa do Dieese mostra que mulheres são maioria entre os 10% dos trabalhadores ocupados que estão em home office devido à pandemia
Por Gilson Camargo
Estudo do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) realizado no mês de julho e divulgado na semana passada mostra que apenas 10% dos trabalhadores ocupados estão trabalhando de maneira remota em todo o país devido ao isolamento por causa da pandemia de Covid-19. Ou seja, de um total de 81,4 milhões de pessoas ocupadas, 8,1 milhões estão em home office. Desses, 56% são mulheres e 44%, homens; 74% têm curso superior e a maioria é branca.
Realizada com base nos dados da Pnad Covid-19 de julho pelo IBGE, a pesquisa do Dieese escancara as desigualdades sociais, econômicas, de gênero e raça evidenciadas pelo trabalho remoto em um país que acumula 12,8 milhões de desempregados, taxa de 11,8% de desocupação, 5,7 milhões de desalentados e quase 30% de subutilização da força de trabalho.
Do recorte de ocupados que atuam em home office, 32% recebem mais de três salários mínimos e 72% têm casa própria. Enquanto isso, 18% ganham entre dois e três salários mínimos, 7% recebem entre um e dois mínimos e 4% ganham menos de um salário mínimo. Somente 34% dos trabalhadores em home office são negros. A pesquisa do Dieese compara em infográficos as estatísticas do país com a realidade dos estados.
Estado tem 450 mil trabalhadores em home office
O Rio Grande do Sul tem 5 milhões de trabalhadores ocupados. Desses, 9% atuam em casa, 8% são negros, 69% têm ensino superior, e apenas 22% têm casa própria. A maior parcela, 27%, recebem mais de três salários mínimos, e 14% tem renda entre dois e três mínimos.
Dos trabalhadores que recebem a menor remuneração, apenas 4% dos que ganham até um mínimo estão em home office e entre aqueles que percebem até dois mínimos, somente 6% trabalham em suas casas.
Nos estados, a maior proporção de trabalhadores nessa modalidade está em São Paulo. Do total de 19,6 milhões de ocupados no estado, 15% estão em trabalho remoto, o que representa 2,9 milhões de trabalhadores. As mulheres são maioria, 54%. A proporção de trabalhadores negros em São Paulo também é menor em relação ao país, 21%.
Trabalho remoto associado ao serviço público
A economista Cristina Vieceli, técnica do Dieese e integrante do coletivo Movimento Economia Pró-Gente, observa que a pesquisa abrange um percentual diminuto da população que está no mercado de trabalho e tem o privilégio de poder de trabalhar em casa – 10% da população no Brasil e 9% no Rio Grande do Sul. “A gente percebe que 56% são mulheres, a maior parte é não negra, de uma escolaridade alta e uma proporção grande de pessoas em faixas de renda elevadas e também proprietários dos seus imóveis”, destaca.
Segundo ela, a probabilidade maior de mulheres em home office está associada à incidência de mulheres com alta escolaridade em cargos públicos, como professoras dos sistemas púbicos de ensino e outros órgãos, que conseguem desenvolver suas atividades em trabalho remoto. “A incidência é alta na escolaridade e a remuneração é maior. Isso não quer dizer que, por estar trabalhando em home office, essas mulheres estejam trabalhando menos. Acontece que essas mulheres com uma maior escolaridade – e no caso as mulheres brasileiras têm uma escolaridade mais elevada que os homens – optam pelo trabalho no serviço público que é onde elas conseguem melhor equidade e progressão salarial.
A pesquisa apresenta variações acentuadas no perfil dos trabalhadores de cada estado e na comparação com a média nacional. Com menor incidência no estado do Pará, concentrando 3% da população ocupada, e maior no Distrito Federal, onde a participação é de 22% da população ocupada que conserva seus empregos trabalhando em casa. No Pará, 79% têm casa própria, 51% são mulheres, o que é muito semelhante ao percentual do Brasil. “Mas tem um dado interessante que 72% da população é negra, o que pode estar relacionado à maior incidência de população negra no estado”. A economista destaca que o serviço público também é uma forma de ingresso com maior equidade salarial para a população negra com maior escolaridade. “O debate sobre a reforma administrativa, por conseguinte, é importante, já que ela tende a alterar as formas de ingresso da população ao serviço público, se aproximando do setor privado, e, portanto, reproduzindo as mesmas desigualdades”, acrescenta.
O fato dessas mulheres estarem fazendo home office e já trabalharem em dupla jornada em períodos não pandêmicos, aponta Cristina, resulta numa maior incidência de trabalho não remunerado entre as mulheres. “Uma parcela desses trabalhos não remunerados como, por exemplo, a educação infantil, a manutenção de alimentos, foi internalizada nos domicílios. Uma pesquisa do portal Gênero e Número em parceria com a Sempre Viva Organização Feminista (SOF) indica que 41% das mulheres que seguiram trabalhando na pandemia afirmam que estão trabalhando mais e passaram a cuidar de outras pessoas durante esse período de quarentena. Isso representa um sobrepeso no trabalho feminino. Veja que 76% dos trabalhadores no ensino são mulheres. Se a gente for fazer um recorte por ensino médio e fundamental, esse percentual é ainda maior”.
Mais mulheres fora do mercado de trabalho
A repercussão da pesquisa do Dieese sobre o perfil dos trabalhadores em home office em termos de gênero e raça não é gratuita. “Há uma saída muito grande de homens e mulheres do mercado de trabalho devido ao fechamento de serviços e empresas, mas um número maior de mulheres está perdendo o emprego”, aponta Cristina. De acordo com dados semestrais da Pnad do IBGE, no primeiro trimestre de 2020, houve uma queda bastante elevada na participação total da população no mercado de trabalho (6,8 pontos percentuais) em relação ao mesmo período de 2019. Mas a queda maior foi entre as mulheres, de 7,1 p.p., ante uma redução de 6,2 p.p. da população masculina no mercado de trabalho. “Isso ocorreu por diversos fatores. Podemos associar com a diminuição bastante acentuada de trabalhadoras domésticas. Os domicílios pararam de contratar essas profissionais devido à pandemia e as deixaram sem nenhuma remuneração, o que afeta especialmente as mulheres negras, que respondem por 60% dessa atividade. E também com o fechamento de comércios e serviços que ocupam parcela importante de mulheres”, ressalta.