SinproABC: A atualidade de Paulo Freire
A atualidade de Paulo Freire: cem anos de esperançar na luta pelo Direito à Educação e por um Brasil Desenvolvido/Cidadão
Por Cristiane Gandolfi
O ano de 2021 se iniciou com diversas falas, homenagens, reverências à pessoa do educador Paulo Freire. Se vivo, Freire no dia 19 de setembro completaria 100 anos. Essa breve escrita tem o objetivo de mostrar que o autor Guimarães Rosa tinha demasiada razão quando dizia: há pessoas que não morrem, ficam encantadas. Certamente o advogado e professor de língua portuguesa Paulo Freire tem esse lugar de encantamento entre nós. Como falar do direito à educação no Brasil sem falar em Paulo Freire? Como pensar numa educação de qualidade feita pela escola brasileira e por toda educação não formal ao seu redor sem ler as linhas das obras de Freire? Como pensar numa escola para todos de caráter progressista sem a superação da dialética do Senhor e do Escravo de Hegel filosoficamente tão bem escrita no clássico da educação universal de Freire intitulado Pedagogia do Oprimido?
Freire foi o nosso grande intelectual orgânico da educação, dedicou sua vida para que os “de baixo” tivessem acesso aos bancos de uma escola cidadã, responsável por trabalhar consciência e mudança social junto aos filhos da opressão de uma Sociedade de Classe de base capitalista. Cem anos depois de seu nascimento, muitos o reverenciam, outros o condenam pela condição da educação brasileira nesses tempos neoliberais, mas poucos conhecem sua história, sua biografia. Por isso, nossa homenagem a Paulo Freire tem por finalidade lembrar da sua pessoa e grandeza de seu caráter. Lembrar de sua defesa a uma educação com rigidez metódica que eduque o povo e desenvolva a coerência entre teoria e prática, portanto nem praticismo, nem teoricismo. Freire se encharcou de realidade ao criticar o formalismo pedagógico, o bla bla bla e se afirmou como um autor do tempo presente que mesmo numa sociedade capitalista subdesenvolvida ousou experimentar a vivência da práxis social. Esse foi um dos maiores desafios de sua vida, ousou viver entre o esperançar na luta e a utopia de construir inéditos viáveis.
Entre tantas batalhas, acreditou ser possível a escola realizar um currículo aberto, progressista que humanize as pessoas nessa estrutura tão desumana de desigualdade social imposta a todos que fazem parte das camadas subalternas da sociedade. Os olhos de Freire enxergavam aqueles que trabalham e estão inseridos na sociedade salarial, aqueles que buscam por um trabalho de sobrevivência, ou simplesmente, aqueles que já estão em desalento, não acreditam ser possível sobreviver dignamente nessa estrutura social. Nesse plato tão desigual a educação precisa ser humanista e pelo menos na escola é preciso realizar consciência de base humanista e de progresso social.
Como sabemos Paulo Freire morreu no dia 2 de maio de 1997, já somam 24 anos de sua ausência. Em seu nome foram atribuídas diversas políticas educacionais, inclusive as de base neoliberal, tão presentes hegemonicamente em nossa contemporaneidade. Contudo, se Freire não tivesse atuado no Departamento de Educação e Cultura do Sesi da década de quarenta e cinquenta do século XX, não tivesse alfabetizado tantos trabalhadores do campo do início da década de sessenta, não levasse sua proposta de Alfabetização de Adultos com Consciência Social de base humanista para o Conselho Mundial de Igrejas durante seu exílio e influenciado diversos países subdesenvolvidos que lutavam por sua independência durante as décadas de sessenta e setenta do século XX a construir um Projeto de Alfabetização com o povo e não feito de cima para baixo em nome dele; se Freire na condição de gestor na década de noventa do século XX não propusesse a melhora das condições objetivas da educação com a realização de políticas por dentro do sistema de ensino que valorizavam a relação professor-aluno, a sala de aula, a profissão docente e a gestão democrática, teríamos chego ao primeiro decênio do século XXI tendo mais de 95% das crianças e adolescentes em idade escolar matriculados no Ensino Fundamental da Escola Pública Brasileira?
Homenagear Paulo Freire é valorizar a Educação, a Cultura, a Humanização e sobretudo a Cidadania Brasileira tão esquecida nesses tempos neoliberais. Vale destacar que Freire sempre defendeu o projeto cultural de sociedade e de escola que respeita a diversidade e valoriza a identidade do indivíduo, sempre foi contrário aos projetos de massificação e pasteurização da cultura, da escolarização e da sociedade. Era um fenomenólogo, lutou por uma civilização estruturada no existir da pessoa humana com consciência crítica típica de uma sociedade aberta com princípios causais, tendo a dialética, a comunicação, a dialogicidade, a participação e também o conflito como elemento presente das relações sociais de base democrática, daí ter lutado tanto por uma gestão que buscava a utopia de respeitar o humano e aprender com a contra-hegemonia, fazendo a política com o outro numa ação comunicativa respeitosa, amorosa e agregadora.Como dizia Freire, o mundo não é, ele está sendo. Amanhã será um novo dia e a tarefa de lutar pela Educação de qualidade numa sociedade de base subdesenvolvida, de defender a profissão docente com a luta por melhores condições de trabalho e de salário, está colocada a nós no tempo presente. Esse é o nosso compromisso.
Como dizia Freire, “ a melhor maneira que a gente tem de fazer possível amanhã alguma coisa que não é possível de ser feita hoje é fazendo hoje aquilo que hoje pode ser feito. Mas se eu não fizer hoje aquilo que hoje pode ser feito e tentar fazer hoje aquilo que hoje não pode ser feito, dificilmente eu faço amanhã aquilo que hoje não pude fazer”. Por hoje, viva Paulo Freire. Obrigada ao Mestre por ser o maior intelectual orgânico da Educação Brasileira.
*Cristiane Gandolfi é professora da Umesp(Universidade Metodista de São Paulo) e membro da Diretoria do Sinpro ABC.