Privatização do ensino superior: problemas | Por Otaviano Helene

Por Otaviano Helene

O ensino superior privado no Brasil atingiu proporções totalmente descabidas: estamos entre os três ou quatro países com maiores taxas de privatização e, provavelmente, o maior em privatização por meio de instituições mercantis. Entretanto, como a propaganda é muito intensa, muitas pessoas acabam por esquecer ou minimizar as muitas características negativas desse sistema e ver apenas os poucos, e quando existentes, lados positivos. A campanha a favor do ensino superior privado é tão grande que o próprio Ministério da Educação chegou a veicular propaganda na qual aponta as vantagens de um financiamento público que permite que alguém frequente uma instituição privada! Alguém poderia imaginar o inverso, instituições privadas fazerem propaganda das vantagens da educação pública?

Grande parte dos pais, familiares e amigos dos jovens que hoje completam o ensino médio não frequentou o ensino superior e a maioria dos que o fizeram, inclusive seus próprios professores no ensino médio, frequentaram instituições privadas. Assim, não existe um referencial forte junto à população que permita avaliar os diferentes tipos de cursos superiores e de instituições. Consequentemente, cursos e instituições que em nada contribuem para o país e mesmo para os próprios estudantes acabam encontrando um campo fértil para os negócios e rebaixando ainda mais os critérios para julgamento do que deve ser um curso superior. O resultado é que o aumento da privatização, ao rebaixar os padrões de exigência da população, acaba por dar uma aparência de legitimidade à própria privatização. E aquela absurda propaganda feita pelo MEC contribui ainda mais para transformar em aceitáveis cursos e instituições que deveriam ser inaceitáveis.

São muitos os problemas do ensino superior privado e as mensalidades cobradas não estão entre os piores. Um primeiro aspecto diz respeito ao retorno social e cultural dos cursos que oferecem. Como regra, as instituições privadas não oferecem seus cursos em áreas de conhecimento prioritárias nem nas regiões do país onde eles seriam mais necessários. O principal – ou mesmo, único – critério é o financeiro: são oferecidos cursos de grande poder de atração, muitas vezes por simples modismo, e nas regiões onde há clientela, não onde há necessidade. E isso ocorre não apenas naquelas instituições de caráter puramente mercantil e voltadas ao lucro puro e simples, mas até mesmo nas instituições confessionais, filantrópicas ou comunitárias, pois estas também dependem de suas planilhas de custo para se viabilizarem.

O ensino superior no Brasil, quando comparado com o dos demais países, caracteriza-se por uma pequena participação da população na idade correspondente e por uma distribuição pelas diferentes áreas profissionais que privilegia diversos cursos nas áreas de administração (muitas vezes adjetivadas e enfeitadas por palavras como competências gerenciais, gestão financeira, gestão de qualidade, gestão logística, empreendedorismo etc., que denotam o aspecto mercadológico que têm) e outras atraentes ou da moda, em detrimento das áreas fundamentais para o bem estar das pessoas e a produção de bens e serviços.

Essa opção pela oferta de cursos atraentes pode ser a seguinte. Uma instituição pode oferecer um curso de boa qualidade, com uma carga horária alta; talvez, assim, consiga um grande faturamento por estudante, mas conseguirá poucos estudantes. Entretanto, se oferecer um curso mais barato, terá menor faturamento por estudante, mas, por outro lado, conseguirá muitos estudantes. Como em qualquer atividade

que podem gerar a combinação desses fatores levou ao que vemos hoje. Mesmo as instituições confessionais acabam por seguir a mesma lógica, pois ainda que possam não ter como objetivo maximizar lucro ou faturamento, precisam maximizar o número de estudantes, uma vez que são braços importantes de divulgação e de formação de quadros das correspondentes religiões.

A tabela ilustra como se distribuem os formandos em alguns cursos em instituições federais, estaduais, municipais e privadas. Enquanto nas instituições federais e estaduais cerca de 5% a 6% dos formandos estão nas áreas de Gerenciamento e Administração, nas instituições privadas eles são 23%! Nos cursos de Engenharia e Medicina, duas áreas fundamentais, uma para o aumento da produção de bens e outra para o bem estar da população, a situação se inverte: as instituições privadas têm percentuais de concluintes muito abaixo daquele observado nas federais e estaduais. E nas duas áreas de ensino mais carentes em professores, Física e Química, as diferenças são gritantes (embora não gritemos o suficiente), ilustrando bem a total ineficiência do setor privado em responder às necessidades do país.

Distribuição dos formandos (%) em algumas áreas de conhecimento nas instituições públicas e privadas (cursos presenciais).

Fonte: Sinopse da Educação Superior, Inep, 2010.

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