“Sobre a EaD, sua regulamentação e as relações de trabalho”, por José Geraldo Santana
Compartilhamos abaixo o artigo de autoria de José Geraldo Santana em que analisa a Educação a Distância (EaD), sua regulamentação e as relações de trabalho daqueles que nela atuam.
por José Geraldo Santana
Nas duas últimas décadas, muito se tem discutido sobre a educação a distância: a sua pertinência; a sua natureza; os seus compromissos; as relações de trabalho etc.
Em que pese essa modalidade de ensino encontrar eco na sociedade brasileira, desde o início da segunda década do século XX, somente com a Lei N. 9394/96, a vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), é que teve início a sua, até hoje, tímida normatização, por meio do Art. 80, dessa Lei.
O comentado Art. foi regulamentado pelo Decreto N. 5.622, de 20 de dezembro de 2005, ainda em vigor, que não dá respostas aos múltiplos e crescentes desafios dessa modalidade, que se multiplicam na mesma proporção em que se revolucionam as TICs.
Segundo o Censo Escolar de 2013, já são mais de 1,2 mil cursos a distância no Brasil, que equivalem a uma participação superior a 15% nas matrículas de graduação. Em 2003, havia 52. Atualmente, as universidades são responsáveis por 90% da oferta, o que representa 71% das matrículas nessa modalidade. Os dez cursos com maior número de matrículas concentram mais da metade da rede de educação superior no país. Administração (800 mil), Direito (769 mil) e Pedagogia (614 mil) são os cursos que detêm o maior número de alunos.
O total de estudantes em EaD supera a casa de 3,5 milhões. Entre os mais de quatro mil cursos autorizados pelo MEC, a maior parte dos matriculados está no ensino superior (75%). A pós-graduação responde por 17,5% dos estudantes – inclusos aí mestrados, MBA e outros lato-sensu.
A multiplicação das instituições que oferecem a EaD – sem regramento objetivo, supervisão e controle de qualidade – faz com que se pergunte se esta modalidade de ensino visa a tornar a educação sem distância, ou, a educação distante, ou ainda, a distância da educação.
Soma-se a isso o fato de as relações de trabalho em tais instituições serem marcadas pela precariedade e pela exploração em grau máximo; não havendo, até aqui, qualquer regulamentação normativa, em sentido estrito, ou seja, por meio de lei, para esta modalidade de trabalho; há, apenas, uma ou outra alusão a ela, em convenções e acordos coletivos, que, nem de longe, são capazes de dar respostas aos desafios que dela decorrem e impactam fortemente o mundo do trabalho dos profissionais da educação escolar.
Há muitos e inadiáveis desafios, que se apresentam, no campo das relações de trabalho, nessa modalidade de ensino, aos quais o prestigioso CNE, pela sua missão social e atribuições, não pode se furtar à discussão.
Não obstante o descontrole total, a falta de qualidade e a precariedade das relações pedagógicas e de trabalho nessa modalidade de ensino, não se pode negar que ela não só se enraizou, como tende a ganhar mais e mais terreno – pois que as chamadas tecnologias de informações e comunicações (TICs) rompem todas as fronteiras e barreiras, da informação e da comunicação.
Hoje, para passar além do Cabo Bojador, não há mais necessidade de se passar além da dor, como salientou, com absoluta propriedade, o poeta maior de Portugal, Fernando Pessoa, em seu magnífico poema Mar Português.
Igualmente, não se pode mais falar em naus errantes, por ser tão grande o espaço, como registrou, de maneira atemporal, o poeta maior do Brasil, o revolucionário Castro Alves, em seu poema O Navio Negreiro, sem dúvida, o mais forte e infinito brado contra a escravidão negra, no Brasil e no mundo.
Se for devidamente regulamentada, com garantia de padrão de qualidade e de condições de trabalho, a EaD tem assento garantido no presente e no futuro da educação brasileira.
Destarte, a luta social não deve ser para impedir o avanço dessa modalidade de ensino, mas, sim, para discipliná-la e torná-la compatível com o desenvolvimento social e, especificamente, com os objetivos e princípios que regem a educação nacional.
O Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio de sua Câmara de Educação Superior, com a aprovação do Parecer CNE/CES N. 564/2015, de 10 de dezembro de 2015 – já homologado pelo Ministro da Educação, em 10 de março de 2016 –, dá certeiro e decisivo passo para a adequada regulamentação dessa modalidade de educação, ao fixar as Diretrizes e Normas Nacionais para a oferta de Programas e Cursos de Educação Superior na Modalidade a Distância.
Frise-se, desde logo, que o CNE, com amparo no Art. 22, inciso XXIV, da Constituição Federal (CF), tem competência para fixar as diretrizes e bases da educação nacional; cabendo às instituições privadas de ensino observá-las, rigorosamente, como preconiza o Art. 209, incisos I e II, da CF.
“Art. 22- Compete privativamente à União legislar sobre:
..
XXIV- diretrizes e bases da educação nacional”.
“ Art.209 – O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I- cumprimento das normas gerais da educação nacional.
II- autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público”.
Em primeiro lugar, cabe registrar que o realçado Parecer põe fim à árida e infrutífera discussão sobre a pertinência e a natureza da educação a distância, definindo-a como modalidade, que perpassa os níveis básico e superior da educação, consoante o que preceituam o Art. 21, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDD)- Lei N. 9394/1996-, e o 1º, do Decreto N. 5622/2005, que o regulamenta; e que, portanto, sujeita-se ao cumprimento de todas as normas nacionais e dos respectivos sistemas de ensino, no âmbito da avaliação, da regulação e da supervisão.
O comentado Parecer registra, à fl. 10: “ Desse modo, é possível depreender, nos artigos destacados da CF, que a educação pode ser oferecida por instituições públicas e privadas, que devem ser objeto de avaliação, supervisão e regulação pelo poder público, com base nas normas gerais da educação nacional, para a garantia do padrão de qualidade..”.
À fl. 11, assevera: “É preciso superar a implementação da EaD, como política a parte, e, em muitos casos, dissociada do PDI, de modo que se consolidem políticas institucionais, que articulem as dinâmicas político-pedagógicas para a educação superior oferecidas pelas IES… Ao ressaltar a especificidade, a legislação reafirma que a EaD deve considerar as mesmas bases legais, avaliação, supervisão e regulação para a garantia da qualidade dessa modalidade educativa. Isto quer dizer que as bases, diretrizes e exigências para oferta de cursos na modalidade EaD são as mesmas para os cursos superiores e de pós-graduação, sendo admitidas especificidades atinentes a essa modalidade, desde que atendam aos requisitos globais para esse nível de ensino”.
À fl. 13, assenta: “ Dessa maneira, a EaD não se constitui em metodologia, mas em modalidade educativa que se organiza por meio do tripé metodologia, gestão e avaliação, que, por sua vez, devem se materializar na ação articulada entre as políticas, o PDI, as Diretrizes Curriculares e o PPC, e potencializadas essas em ambientes virtuais multimídias e interativos, sempre com concreto acompanhamento pedagógico, à semelhança dos momentos presenciais obrigatórios.
Trata-se de questão fundamental, pois a compreensão da EaD como mera metodologia é reducionista e tecnicista. Embora essa concepção seja a amplamente divulgada, a EaD deve ser entendida como processo pedagógico mais abrangente, que articula espaço e tempo, e, sobre esse prisma, a proposta de política de educação superior para a EaD necessita ser delineada institucionalmente e envolver a sede e eventuais polos.
Isto implica que a EaD está submetida aos marcos referenciais, legais e de qualidade para a educação. Ou seja, os cursos superiores na modalidade EaD devem observar a legislação e as regulamentações em vigor para esse nível de ensino e, desse modo, passam a gozar dos mesmos direitos e obrigações dos cursos na modalidade presencial.”.
O segundo aspecto, devidamente definido pelo Parecer sob comentário, e que tanta falsa celeuma tem causado, diz respeito às responsabilidades da IES autorizada a oferecer a EaD, pelos seus respectivos polos.
A terceirização dos polos é prática comum de tais IES, o que, a rigor, representa a terceirização da atividade-fim, que é o ensino, vedada pela Súmula N. 331, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).
No Item 1.5, fl. 20 a 22, emergem como fundamentais, para a indissociabilidade entre sede e polo:
“ .. a proposta institucional e de curso (s) devem estar articuladas, de maneira que expressem a identidade do projeto institucional da IES e as condições objetivas para a sua efetivação, em conformidade com a sua organização acadêmica.
[…]
Segundo a legislação vigente, a sede e os polos devem estar previstos e descritos no PDI, com o delineamento do espaço físico, o que inclui endereço físico, que caracteriza a existência legal da IES e polos de atuação.
O polo é um prolongamento orgânico e funcional da sede, com atividades político-pedagógicas e administrativas da IES a serem realizadas em nível local. Polo é um espaço acadêmico, capaz de abrigar as atividades de ensino, pesquisa e extensão, de acordo com a organização acadêmica de cada IES. Deve oferecer recursos humanos e infraestrutura compatíveis com a missão proposta no PDI e com projetos pedagógicos dos cursos ofertados na modalidade EaD.
… a Instituição deverá garantir condições objetivas de financiamento e gestão político-pedagógica, que assegurem a qualidade das atividades realizadas na sede e polos.”
À fl. 28, o Item 1.11, que trata de “Condições e exigências para o regime de colaboração entre as IES”, assenta:
“As instituições credenciadas para oferta de cursos e programas a distância podem estabelecer parcerias e compartilhamento de polos e regime de colaboração. A IES credenciada responde acadêmica, pedagógica e financeiramente pelos programas e cursos de educação superior na modalidade EaD, sendo vedado à IES parceira assumir esses processos. É preciso que as IES celebrem o respectivo regime de colaboração, indicando, claramente, as responsabilidades da IES credenciada pela oferta dos cursos ou programas a distância, no que diz respeito à implantação de polos de educação a distância, quando for o caso; a seleção, contratação e capacitação dos professores, tutores e gestores; à matrícula, formação, acompanhamento e avaliação dos estudantes; à emissão e registro dos correspondentes diplomas ou certificados. Cabe registrar que é competência da IES credenciada a garantia e a responsabilidade pelas condições objetivas para a oferta de cursos.”
O Item 2.2- com o título “Da sede e dos polos na modalidade a distância”, assevera:
“ A sede da IES, como locus da política institucional, responde acadêmica e financeiramente pela organização do conjunto de ações e atividades da gestão político-pedagógica e administrativa de programas e cursos, na modalidade a distância. ..O polo de EaD é entendido como unidade acadêmica e operacional descentralizada, instalada o território nacional ou no exterior para efetivar apoio político-pedagógico, tecnológico e administrativo às atividades educativas dos cursos e programas ofertados a distância, sendo responsabilidade da IES credenciada para EaD, constituindo-se, desse modo, em prolongamento orgânico e funcional e responsabilidade da Instituição em âmbito local.
[…]
A IES credenciada para EaD é responsável pelos cursos por ela ministrados, em quaisquer dos regimes de colaboração. Por essa razão, é vedada à pessoa jurídica parceira, inclusive IES não credenciada para EaD, a prática de atos papéis funcionais de cada parceira, sendo obrigação da IES credenciada a responsabilidade acadêmicos, referentes ao objeto da parceria. Nesta direção, devem ser resguardados os respectivos contratual do professor, do tutor, bem como responsabilidade pelo material didático e pela expedição das titulações conferidas”.
À luz do acima disposto, o contrato de trabalho dos profissionais de educação, que se ativam nos polos, forma-se diretamente com a IES credenciada para oferecer a EaD, ainda que ela estabeleça parcerias, mesmo legalmente autorizadas.
Respalda esta assertiva, do Parecer sob realce, a Súmula N. 331, do TST, que assim dispõe:
“Súmula nº 331 do TST
CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.
VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral”.
Outro aspecto de primeira relevância, igualmente, regulamentado pelo Parecer sob destaque, é o que diz respeito à avaliação da aprendizagem, via de regra, relegada a plano inferior, pelas IES, que dão absoluta preferência à avaliação a distância, em detrimento da presencial, imprescindível em todas as modalidades de ensino.
O Item 1.7, fl. 23 e 24, determina:
“As avaliações da aprendizagem na EaD devem ser compostas de avaliações a distância e avaliações presenciais, sendo que as avaliações presenciais devem ser obrigatórias e prevalentes sobre outras formas de avaliação (Decreto nº 5.622/2005). Os momentos presenciais obrigatórios precisam ser devidamente planejados e claramente definidos, assim como os estágios obrigatórios previstos em lei, a defesa de trabalhos de conclusão de curso e as atividades relacionadas a laboratórios de ensino, quando for o caso(BRASIL/MEC/SEED, 2007).
Na medida em que se pontua a interação e a interatividade como um dos fundamentos da eficiência e efetividade dos modelos possíveis de EaD, há de se estimular que a avaliação presencial e a distância tenham a mesma coerência no processo de aprendizagem dos estudantes, em acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação, o PDI e os PPCs.”
Como se constata por estas determinações, os momentos presenciais, sobretudo avaliativos, são obrigatórios, em todos os cursos de EaD.
Maior relevo merece o tratamento circunstanciado, dado aos profissionais de educação, vinculados à EaD, pelo Item 1.8, que tem este título, e pelo 2.3, com o título “Dos profissionais da Educação”; não obstante, algumas contradições e reduções conceituais que neles sobressaem.
O Subitem 1.81 assevera:
“Nos cursos e programas de EaD, os professores, tutores e gestores são compreendidos como profissionais da educação superior com direitos (planos de carreira, política salarial, formação, condições de trabalho) e obrigações, relativas às atividades definidas pelos marcos legais e assegurados pela IES. Cabe à IES detalhar, claramente, em seu PDI, PPI e PPC o papel desses profissionais vitais para a efetivação do PC da IES, cujo trabalho pedagógico deve se pautar por meio de planejamento coletivo e participativo.
Desse modo, a ação desses profissionais deve ser expressão da articulação e do planejamento coletivo, voltados para as necessidades de cada turma de estudantes. Tal perspectiva pedagógica propiciará maior organicidade à dinâmica formativa, contribuindo, entre outros, para a ocorrência de diálogo mais intenso e constante entre estudantes, tutores e professores, visando a melhoria da qualidade da oferta e dos processos formativos, de maneira que se superem os altos índices de evasão e garanta a melhoria da formação e desempenho dos estudantes”.
No Título II, ‘DAS DIRETRIZES E NORMAS EDUCACIONAIS PARA A OFERTA DE PROGRAMAS E CURSOS DE EDUCAÇÃO SUPERIOR NA MODALIDADE A DISTÂNCIA”, acham-se especificados os seguintes conceitos:
“ 8. Os profissionais da educação (professores, tutores e gestores) exercem atividades típicas de processo formativo como ação educativa e como processo pedagógico intencional e metódico, envolvendo conhecimentos específicos e pedagógicos, conceitos, princípios e objetivos da formação, que se desenvolvem na socialização e construção dos conhecimentos, no diálogo constante entre diferentes visões de mundo”.
No Item 2.3, deste Título, “Dos Profissionais da Educação”:
“ Os profissionais da educação, que atuarem na EaD, devem ter formação condizente com a legislação em vigor e preparação específica para atuar nessa modalidade educacional. Entende-se como corpo docente de instituição na modalidade EaD todo profissional, a ela vinculado, e que atue como: autor de materiais didáticos, coordenador de curso, professor responsável por disciplinas, tutor e outras funções que envolvam conhecimento de conteúdo, avaliação, estratégias didáticas, organização metodológica, interação e mediação pedagógica, junto aos estudantes, descritas no PDI e PPI e PPC, sem prejuízo de contar com outros profissionais técnicos administrativos.
Entende-se por tutor da instituição, na modalidade EaD, todo profissional de nível superior, a ela vinculado, que atue na área de conhecimento de sua formação, como suporte às atividades dos professores e na mediação pedagógica, junto aos estudantes na modalidade de EaD”.
No que pertine à natureza da função de tutor, a estéril discussão sobre ela é suplantada pelos fundamentos contidos no Item 2.3, sob comentários, especialmente, nestes últimos parágrafos.
O Subitem 1.8.3 é dedicado exclusivamente ao tutor, dispondo:
“ No contexto da EaD, os tutores desempenham importante papel no processo educacional e, especialmente, na mediação didático-pedagógica do ensino e aprendizagem, constituindo-se, desse modo, em profissionais da educação.
Assim, os tutores participam ativamente da prática pedagógica, já que estão em contato direto com os estudantes por meio do acompanhamento pedagógico formativo.
[…]
..Um sistema de tutoria necessário ao estabelecimento de uma educação a distância de qualidade deve prever a atuação articulada entre professores e tutores, bem como a política definida pela IES sobre esses profissionais, incluindo as questões atinentes a formação ( inicial e continuada), carreira, salários e condições de trabalho.
O tutor para exercer suas funções deve ter formação adequada, em consonância com a legislação. Igualmente, é importante que esse profissional conheça e participe do projeto pedagógico do curso, conheça o material didático, tenha acesso ao uso das tecnologias e dos conteúdos sob sua responsabilidade, a fim de auxiliar e acompanhar o processo formativo dos estudantes no desenvolvimento de suas atividades individuais e em grupo.
É sua atribuição, também, fomentar a pesquisa e acompanhar os estudantes nos processos formativos, incluindo o de uso das tecnologias potencializadas em ambientes virtuais multimídias e interativos. O tutor também participa de momentos presenciais obrigatórios, tais como aplicação de avaliações, realização de aulas e práticas em laboratórios e estágios supervisionados, devendo comunicar-se, de forma permanente, com os estudantes, os professores e os gestores pedagógicos”.
Para que se sepulte, de uma vez por todas, a injustificável discussão, que até aqui se travava sob a natureza das funções dos tutores, que, como fica patenteado acima, é pedagógica, portanto, docente, o Subitem 1.8.5, “ Técnicos-administrativos e outros profissionais”, assevera que .. “ faz-se necessária a efetiva permanente atuação de uma equipe técnico-administrativa e diversos outros profissionais em quantidade e com formação adequada, para além dos profissionais da educação..”.
Não há o que contra-argumentar, quanto à função do tutor: a sua natureza é docente; não se confundindo com a de técnico-administrativo, propositadamente, tratada em tópico distinto, com clara definição de suas funções.
Frise-se que este último Subitem, ao dispor que a equipe técnico-administrativa é necessária “para além dos profissionais da educação” – dentre os quais o Subitem 1.8.3 inclui o tutor –, desautoriza toda e qualquer tentativa de reduzir as funções deste às reservadas àquela.
A pedra angular da função de tutor, que a enquadra na docência, é a sua natureza pedagógica, consubstanciada na mediação didático-pedagógica do ensino e aprendizagem e na efetiva participação na aplicação de avaliações, realização de aulas práticas em laboratórios e estágios supervisionados, em permanente comunicação e articulação com os estudantes, professores e os gestores; o que o faz agente ativo da prática pedagógica, e, por conseguinte, do processo formativo, que se desenvolve na EaD.
É bem de ver-se que o Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) N. 3772, delineou, de forma ampla e exemplificativa o que é abrangido pelas funções de magistério, como se colhe da Emenda do Acórdão proferido nesta:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE MANEJADA CONTRA O ART. 1º DA LEI FEDERAL 11.301/2006, QUE ACRESCENTOU O § 2º AO ART. 67 DA LEI 9.394/1996. CARREIRA DE MAGISTÉRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL PARA OS EXERCENTES DE FUNÇÕES DE DIREÇÃO, COORDENAÇÃO E ASSESSORAMENTO PEDAGÓGICO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 40, § 5º, E 201, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INOCORRÊNCIA. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE, COM INTERPRETAÇÃO CONFORME.
I – A função de magistério não se circunscreve apenas ao trabalho em sala de aula, abrangendo também a preparação de aulas, a correção de provas, o atendimento aos pais e alunos, a coordenação e o assessoramento pedagógico e, ainda, a direção de unidade escolar.
II – As funções de direção, coordenação e assessoramento pedagógico integram a carreira do magistério, desde que exercidos, em estabelecimentos de ensino básico, por professores de carreira, excluídos os especialistas em educação, fazendo jus aqueles que as desempenham ao regime especial de aposentadoria estabelecido nos arts. 40, § 5º, e 201, § 8º, da Constituição Federal.
III – Ação direta julgada parcialmente procedente, com interpretação conforme, nos termos supra”.
No âmbito das relações de trabalho, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), definiu com plena clareza e profundidade o enquadramento de todos quantos exerçam funções docentes, inclusive o tutor, quer em escolas formais, quer em informais; fazendo-o no Processo N. 6800-19.2007.5. 04.0016, que condensa a sua jurisprudência sobre esta matéria.
“PROFESSOR. ARTIGO 317 DA CLT. INSTRUTORA DE INFORMÁTICA. ESTABELECIMENTO DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL. ATIVIDADES TIPICAMENTE DOCENTES.
1. A norma insculpida no art. 317 da CLT, de natureza meramente formal e desvestida de qualquer conteúdo cerceador de direitos trabalhistas, dirige-se aos estabelecimentos particulares de ensino, que deverão exigir de seu corpo docente habilitação legal e registro no Ministério da Educação. Daí não deflui, contudo, qualquer óbice ao reconhecimento da condição de professora, para efeito de percepção de parcelas trabalhistas próprias dessa categoria profissional, à empregada – instrutora de informática – exercente de funções tipicamente docentes.
2. Para o Direito do Trabalho, afigura-se imprescindível ao reconhecimento do exercício de atividade profissional de professor o real desempenho do ofício de ministrar aulas, em qualquer área do conhecimento humano, em estabelecimento em que se realiza alguma sistematização de ensino. Aplicação do princípio da primazia da realidade. Precedente da SBDI1.
3. Embargos de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento.
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RECURSO DE EMBARGOS. PROFESSORA.CONTRATAÇÃO COMO TÉCNICA DE ENSINO.PRIMAZIA DA REALIDADE:PRIMADO DA SUBSTÂNCIA SOBRE A FORMA.OBSERVÂNCIA DA LEALDADE DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NA EXECUÇÃO E INTERPRETAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO.
Independentemente do título sob o qual o profissional foi contratado professor, instrutor, técnico, é a realidade do contrato de trabalho que define a função de magistério e, por consequência, a categoria diferenciada de docente. É sabido que o contrato de trabalho é um contrato realidade, e portanto é a execução cotidiana das funções, objetivamente realizadas, durante o curso as relação de trabalho que determina qual a função exercida pelo empregado (e que determina a realidade do contrato), conforme disposto no já mencionado artigo 3º consolidado. Sendo assim, em havendo divergência entre o trabalho realizado pelo empregado e a dos termos firmados no contrato de trabalho, prevalece o primado da realidade sobre o pactuado. A regra é corolário da realidade que permeia o contrato de trabalho em execução, ou seja, do primado da substância sobre a forma. Ademais, o artigo 422 do Código Civil trata do princípio da boa-fé na celebração dos contratos, de aplicação analógica ao caso em tela. O dispositivo versa sobre a boa-fé, não subjetiva, como a que cuidava o Código Civil de 1916, mas objetiva que impõe aos contratantes, e a todos aqueles que realizam ou participam do negócio jurídico, o dever de honestidade e lealdade que deve permear as relações sociais e jurídicas, respeitadas a confiança e a probidade no agir dos sujeitos de direito. Esse princípio, a partir da promulgação do novo Código Civil, é de observância obrigatória não apenas nas interpretações do Direito Civil, mas em todas as relações jurídico-contratuais. Assim sendo, correta a decisão da c. Turma que entendeu por manter o enquadramento da autora, que ensinava inglês, como professora. Embargos conhecidos e desprovidos”(TST-ERR-70000-54.2008.5.15.0114, Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga, DEJT 28 10 2011).
Na esfera dos Tribunais Regionais do Trabalho, o que mais discutiu a questão relativa ao tutor foi o da 24ª Região, do Mato Grosso do Sul, como se constata por alguns de seus julgados, cujas ementas são aqui transcritas.
Vale ressaltar que nenhum deles sofreu qualquer reparo do TST, que é a instância máxima da Justiça do Trabalho.
“DIFERENÇA SALARIAL. TUTOR À DISTÂNCIA. PROFESSOR. As atividades desenvolvidas como tutor à distância revelam-se de natureza eminentemente docente, motivo pelo qual são devidas diferenças salariais decorrentes da aplicação das normas coletivas dos professores. Recurso não provido, no particular. (TRT 24ª Região – Proc. n. 1602-15.2012.5.24.0001-RO.1 – 1ª Turma – Rel. Des. Marcio Vasques Thibau de Almeida – DEJT 03.07.2013). (gn)”
Merece, ainda, registro a conceituação de gestor pedagógico como profissional de educação, portanto, de magistério, acorde com a jurisprudência do STF, do TST e TRT da 24ª Região, pelo Parecer sob realce, como se extrai do Subitem 1.8.4 “Gestor Pedagógico”.
O Estudo do Parecer ora sob comentários, bem assim o seu cotejo com toda a legislação educacional e com a trabalhista, com a qual guarda estreita consonância e se inter-relaciona, fazem-se necessários e inadiáveis; para o entendimento das relevantes questões por ele abordadas e para a busca de respostas, para as que nele se contém, mas sem as precisar e/ou até indicar como resolvê-las.
Dentre elas, encontram-se as seguintes:
1 A quem pertence o material didático produzido. –
2 A carga horária de trabalho, considerando que o trabalho intelectual do professor é veiculado para milhares de alunos, simultaneamente; em casos que tais, é computada por quantas aulas ele deve receber?
3 O direito autoral; etc.
Ao debate.
Como fica a situacao de um professor concursado em rede pública que pede afastamento pelo INSS mas continua a trabalhar como turo online?