Sobre desigualdades, competência da Justiça do Trabalho, STF e a verdadeira jabuticaba

É urgente que as decisões da Corte Constitucional reflitam o espírito da Constituição de 1988 e o conceito de trabalho decente das Nações Unidas, priorizando o valor social do trabalho em relação à livre iniciativa nos conflitos entre capital e trabalho

Por Ana Paula Alvarenga e Vladimir Paes de Castro

Nos últimos anos, sobretudo após o avanço da disrupção que nosso Estado Democrático de Direito vem sofrendo desde 2014/15, o mundo do trabalho no Brasil tem vivenciado um violento processo de retrocesso social. A aprovação da lei 13.467, que entrou em vigor em novembro de 2017, implementou um projeto de destruição e supressão dos direitos trabalhistas, além do enfraquecimento das instituições públicas responsáveis pela fiscalização e aplicação da legislação laboral, tendo por alvos preferenciais a Justiça do Trabalho, o sistema de fiscalização do trabalho e os sindicatos.

A ação do sistema econômico vigente, em sua roupagem mais selvagem, qual seja, o neoliberalismo globalizado e financeirizado, encontrou terreno absolutamente propício, no Brasil, para aprofundar o seu projeto destrutivo. Em uma sociedade estruturalmente desigual – marcada pela concentração de renda, da terra e dos meios de produção -, o paulatino ataque ao sistema de proteção social e a fragilização das instituições de regulação do trabalho, inviabilizaram mais ainda a superação do desemprego, da precariedade das relações laborais e da miséria, aprofundando as abissais e históricas desigualdades sociais e econômicas, colocando em risco o próprio Estado de Direito.

A Reforma Trabalhista promoveu a destruição da arquitetura normativa dos direitos sociais estabelecidos na Constituição de 1988. Difundida sob premissas falsas de geração de empregos, modernização da legislação trabalhista, fortalecimento da atuação sindical, despontou dissociada da principiologia humanística e social que balizaram os pilares da Constituição de 1988 e da concepção de Estado Democrático de Direito por ela gestada. O legislador reformista fez letra morta ao patamar mínimo civilizatório fixado no artigo 7º da Constituição e fez emergir a desmedida prevalência dos interesses do poder econômico na relação de trabalho, instituindo múltiplos mecanismos em direção contrária e regressiva aos princípios e garantias constitucionais sociais do trabalho.

Neste contexto, diversas ações foram propostas perante o Supremo Tribunal Federal, entre Ações Declaratórias de Constitucionalidade, Ações Diretas de Inconstitucionalidade, Ações de Descumprimento de Preceitos Fundamentais, Recursos Extraordinários com repercussão geral e mais recentemente, diversas Reclamações Constitucionais, envolvendo temas afetos ao mundo do trabalho e a Justiça do Trabalho.

Reconhecemos a relevância política e social do Supremo Tribunal Federal para a construção do Estado Democrático de Direito e garantia da ordem constitucional e democrática. Reconhecemos a relevância das decisões proferidas pela mais alta Corte do país sobre temas essenciais para a sociedade brasileira, como a união estável homoafetiva, a equiparação da homofobia ao crime de racismo, a descriminalização do aborto, o marco temporal de terras indígenas, entre outras.

Contudo, preocupa-nos sobremaneira as decisões em matéria trabalhista e também as ações em trâmite, com potencial de afirmar e legitimar a ideologia neoliberal, em total dissonância com a principiologia fundante de nossa Carta Magna, notadamente os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, da CF), os direitos fundamentais sociais, que têm por escopo a melhoria das condições sociais dos trabalhadores urbanos e rurais (art. 7º da CF), a valorização do trabalho humano (art. 170, caput, da CF) e o primado do trabalho (art. 193 da CF).

Especificamente nas ações que trazem ao debate a competência da Justiça do Trabalho, observamos que as decisões do Supremo Tribunal Federal têm promovido a efetiva redução da competência material da Justiça Especializada, atribuindo à Justiça Comum a competência para o julgamento de temas afetos ao mundo do trabalho, desconsiderando não apenas a literalidade e amplitude do art. 114 da Constituição, mas também, e sobretudo, as características peculiares das lides trabalhistas, como decidido nos casos de representação comercial (Lei 4.886/1965, RE 606.003), de motoristas autônomos (Lei 11.442/07, ADC 48), da relação de emprego entre o Poder Público e seus servidores (RE 573.202), da demissão de empregado público (RE 655.283), da relação entre defensores dativos e o Estado (RE 607.520), da complementação de aposentadoria por entidades de previdência privada (RE 586453, Tema 190), das questões relativas à fase pré-contratual de seleção e de admissão de pessoal e eventual nulidade do certame em face da Administração Pública, direta e indireta, mesmo em hipóteses de regime celetista de contratação de pessoal (RE 960.429, Tema 992).

Mais recentemente chama a atenção as diversas Reclamações Constitucionais que ensejaram a cassação de decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam o vínculo de emprego de trabalhadores por aplicativos, motoristas, advogados, médicos, vendedores, dentre outros.

Neste cenário, acompanhamos nas últimas semanas, perplexos, mas não surpresos, uma nova onda de comentários públicos infelizes proferidos por alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal sobre direitos trabalhistas, Justiça do Trabalho, economia e a relação entre o valor social do trabalho X livre iniciativa, o que nos conduziu a escrever esse artigo, na tentativa de dialogar, de forma democrática, firme e respeitosa com os membros da mais alta corte do país.
Primeiramente nos chamou a atenção nestas últimas semanas o comentário feito pelo Exmo. Ministro Luis Roberto Barroso, Presidente do Supremo Tribunal Federal, no Fórum Esfera Internacional em Paris, onde pregou uma pretensa superação de “preconceito contra o empreendedorismo” e que supostamente existiria uma indústria de reclamações trabalhistas no país. (https://www.terra.com.br/noticias/brasil/politica/barroso-diz-que-e-preciso-superar-o-preconceito-contra-o-empreendedorismo,59f7ae0607960083e200da7dfb972f0btl8q0zwl.html).

Há algumas semanas, outro comentário voltou a nos causar perplexidade, desta feita pronunciado pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes, com duras e impróprias críticas a um pretenso descumprimento de precedentes do STF por parte da Justiça do Trabalho, notadamente a constitucionalidade da terceirização de serviços em todas as atividades empresariais, inclusive as finalísticas. Esse último comentário foi feito durante o julgamento de reclamação constitucional, que cassou um acórdão proferido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 1a. Região (RJ) e que reconhecia a ilicitude da “pejotização” de um agente de investimentos, e por consequência houve o vínculo de emprego com a instituição financeira. O Exmo. Ministro foi muito contundente nas críticas a atuação da Justiça do Trabalho, asseverando que este ramo do Poder Judiciário, apesar de especializado, deveria respeito aos precedentes da corte constitucional, não podendo impor obstáculos a compreensão constitucional do Supremo nesse tipo de situação, “atuando de forma inócua para frustrar a evolução dos meios de produção” (Fonte: https://www.migalhas.com.br/quentes/395544/vinculo-de-emprego-jt-reiteradamente-descumpre-jurisprudencia-do-stf).

Neste ponto, primeiro pedimos vênia para nos dirigir ao Exmo. Ministro Gilmar Mendes. Reconhecendo a relevância de seus posicionamentos e votos nos diversos temas acima mencionados e também sua atuação imprescindível na condução dos processos relacionados a Lava Jato, enveredando pela efetivação do garantismo penal, atuando de forma contra majoritária como se deve ser. Sua conduta merece todos os aplausos, sendo salutar para a efetivação dos princípios relacionados ao direito penal e processual penal estabelecidos em nossa Carta Magna, com destaque para a prevalência dos direitos de defesa do cidadão como contenção aos abusos praticados pelo Estado no exercício da persecução penal. No entanto, não poderíamos deixar de apresentar nossa crítica em relação às decisões sobre direitos sociais, especificamente trabalhistas.

O eminente Ministro, nos temas relacionados ao Direito do Trabalho, com a máxima vênia, deixa de lado o garantismo e atua conforme a ideologia hegemônica que confere uma prevalência aos interesses do capital e do mercado, olvidando de uma das maiores, quiçá a maior missão de uma Suprema Corte Constitucional, no caso, atuar de forma contra hegemônica na consagração de direitos fundamentais, no caso, direitos sociais de trabalhadoras e trabalhadores.
Com todo respeito Exmo. Ministro, a Justiça do Trabalho não está desafiando os precedentes do Supremo, mas apenas realizando o seu mister constitucional de analisar concretamente as lides postas, e após a observância do devido processo legal, contraditório e ampla defesa, decidir o conflito entre as partes conforme as normas legais e princípios estabelecidos desde sempre, principalmente a primazia da realidade e a nulidade de relações contratuais fraudulentas, nos termos do ainda vigente art. 9º da CLT, e ainda considerando a mitigação da autonomia da vontade das trabalhadoras e trabalhadores na formalização do pacto, em uma relação jurídica assimétrica, caracterizada pela subordinação e hipossuficiência de um dos polos.

Vale destacar que as teses firmadas na ADPF 324 e no Tema 725 (RE 958.252), não obstante reconhecer a constitucionalidade de formas alternativas de relação de trabalho, inclusive a terceirização em atividade-fim, nada aborda sobre situações evidenciadas de fraude, em que comprovadamente apenas o contrato formal possui essa roupagem de relação de trabalho diversa, como terceirização, pejotização, contratação autônoma, parceria e trabalho através de plataformas digitais, mas com a análise do caso concreto, conclui-se pela presença de todos os requisitos do contrato de emprego previstos no regulamento celetista, principalmente a subordinação, conduzindo necessariamente ao reconhecimento do vínculo de emprego com fundamento no art. 9º da CLT, concretizando os princípios da proteção e da primazia da realidade.

Como se vê, trata-se de distinguishing, sendo que essas situações não se enquadram nos precedentes e teses firmadas pelo Pretório Excelso. A própria norma que regulou a terceirização em atividade-fim, lei 13.429/17, estabelece uma série de requisitos materiais dessa relação jurídica, notadamente que a empresa prestadora de serviços a terceiros deve dirigir o trabalho realizado por seus trabalhadores (art. 4º-A, inserido na lei 6.019/74), e logicamente caso esses requisitos materiais não sejam observados no pacto realidade, a fraude na contratação fica evidenciada, tendo como resultado a ilicitude da terceirização, e por consequência inexorável, o reconhecimento do vínculo de emprego direto com a tomadora.

Veja Exa., a Justiça do Trabalho não está atuando com caprichos e em tom desafiador aos precedentes do STF, mas apenas realizando o seu mister constitucional, estabelecido na norma do art. 114 da Carta da República.

Neste momento cumpre-nos redirecionar o diálogo ao Exmo. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Luis Roberto Barroso, que declarou recentemente que a Justiça do Trabalho, por meio de suas decisões, demonstra preconceito contra o empreendedorismo.

Ao contrário do que se diz, na verdade a Justiça do Trabalho, ramo especializado, tem suas decisões balizadas em princípios jurídicos próprios e indeclináveis, em preceitos normativos constitucionais e legais, e não em supostos preconceitos contra o dito “empreendedorismo”. Aliás, cabe neste ponto uma indagação. O que o Exmo. Ministro entende por empreendedorismo? Seriam as relações de trabalho precarizadas e fraudulentas, em que trabalhadores subordinados não têm direitos trabalhistas basilares garantidos?

Com todo respeito aos Exmos. Ministros, acreditamos que a raiz de toda essa celeuma está no desvirtuamento da interpretação constitucional dos valores fundantes de nossa Carta Magna. Não desconhecemos o valor dos princípios da liberdade de iniciativa e da livre concorrência, eleitos pelo Supremo Tribunal Federal para justificar, por exemplo, a constitucionalidade da terceirização, inclusive em atividades-fim, entretanto, afirmamos que referidos princípios estão subordinados ao primado do trabalho e ao seu valor social, e a finalidade precípua da regulação constitucional da atividade econômica, que é assegurar a existência digna, conforme os ditames da justiça social (art.170, CF/88).

Destaque-se que os direitos sociais das trabalhadoras e dos trabalhadores brasileiros, estabelecidos no art. 7º, do Título II que trata dos direitos e garantias fundamentais da CF/1988, não elencam nenhuma proteção à livre iniciativa ou ao interesse do Poder Econômico. Por sua vez, a regulação constitucional da atividade econômica (art. 170 e seguintes), como já observado, estabelece expressamente que a ordem econômica é fundada na valorização do trabalho humano, devendo observar os ditames da justiça social, tendo como princípios, dentre outros, a busca do pleno emprego e da redução das desigualdades sociais.

Vale destacar, neste momento, a preocupação genuína e importante trazida dia desses por V. Exa., Ministro Luis Roberto Barroso, que declarou o seguinte:

“As seis pessoas mais ricas do Brasil têm a riqueza de metade da população. Tem alguma coisa errada nesse modelo, que nós precisamos enfrentar” (https://www.terra.com.br/ao-vivo/noticias/brasil/politica/barroso-lamenta-concentracao-de-riqueza-no-brasil,bbd369203223e0b4c33cd09ccd1ad3a1e0lldxsi.html).

Ora Exa., um dos principais antídotos para buscar a redução dessa absurda, histórica e estrutural concentração de riqueza, e consequente redução das desigualdades sociais, é justamente consagrar o regulamento constitucional trabalhista, reconhecendo um patamar cada vez maior de direitos para trabalhadores e trabalhadoras, e não chancelando contratações precárias e sem direitos garantidos.

Inclusive um dos objetivos da Agenda 2030 das Nações Unidas, notadamente o ODS 08, é justamente a promoção do crescimento econômico sustentado, emprego pleno e produtivo, e trabalho decente para todos.

Permita-nos chamar a atenção no sentido de que esse caminho trilhado pela maioria dos Ministros do STF até aqui, sobrepondo os interesses do capital e da livre iniciativa em prejuízo do valor social do trabalho e da dignidade da pessoa humana, contribui efetivamente para a manutenção e até aprofundamento da desigualdade social em nosso país, estando em total desalinho ao postulado do trabalho decente estabelecido na Agenda 2030 da ONU.

Como é cediço, a desregulação e precarização de direitos reduz o custo da mão de obra, e portanto, logicamente, tem um impacto no aumento do lucro do empresariado à custa do rebaixamento da massa salarial percebida pela classe trabalhadora. Esse cenário atual inclusive impacta de forma importante na economia do país, já que com a redução da massa salarial das famílias trabalhadoras, o consumo na ponta reduz drasticamente, gerando um efeito dominó negativo em todos os setores, desde o varejo/atacado, passando pelo setor de serviços até a produção industrial.

Então Eminentes Ministros, ou o Supremo se sensibiliza com essa situação e passa a atuar de forma contra majoritária como toda Corte Constitucional de países civilizados, como Alemanha, Espanha e França, na consagração do regulamento constitucional trabalhista, ou continuaremos perpetuando esse cenário de profunda concentração de riqueza e desigualdade social-econômica.

Todo o sistema de justiça laboral, incluindo a própria Suprema Corte, tem como missão constitucional atuar como contenção ao avanço desmedido do Poder Econômico, que busca de toda forma aprofundar a desregulação e precarização de direitos fundamentais sociais de trabalhadores e trabalhadoras. Nossa Carta Magna possui notório viés social-democrata, com o estabelecimento de rol amplo de direitos e garantias fundamentais, sejam individuais, sejam sociais, e apelamos apenas para o cumprimento de seu projeto constitucional básico, apenas isso.

A Justiça do Trabalho, o direito do trabalho e todos os órgãos de fiscalização do trabalho têm um papel primordial para a própria equalização do sistema econômico vigente, para que se possa implementar o projeto constitucional da Carta de 1988, notadamente a efetivação da dignidade da pessoa humana, redução das desigualdades, e efetivação da justiça social. Não somos inimigos do “empreendedorismo” e da livre iniciativa, muito pelo contrário.

Neste ponto, vale frisar, é verdade, que Vs. Exas. têm tido um papel fundamental na defesa de nossa combalida democracia e de nossa Constituição no que tange aos movimentos de caráter golpista que têm atacado as instituições de nossa República. No entanto, ao causar essa ruptura no projeto constitucional de regulação e garantias de direitos trabalhistas, terminam por contribuir para a precarização desmedida de milhões de trabalhadores(as) e aprofundamento das desigualdades. Diante de tamanha ausência de direitos estes(as) se tornam presas fáceis para serem cooptados por discursos anti-sistema de caráter golpista.

Para exemplificar o equívoco desse caminho ora trilhado pelo Supremo, impende trazer à baila o debate mundial sobre a natureza jurídica da relação de trabalhadores de plataformas digitais, conhecidos como trabalhadores uberizados, sendo que foi justamente a partir da atuação contra majoritária do Poder Judiciário de diversos países como Alemanha, Espanha, França, Estados Unidos da América, Reino Unido, e até do Tribunal de Justiça da União Europeia, que teve início a discussão e o aprofundamento do entendimento acerca da presunção de vínculo de emprego desses(as) milhões de trabalhadores e trabalhadoras que prestam seu labor diariamente em favor das grandes corporações, proprietárias dos aplicativos, com destaque para o transporte de pessoas e delivery de alimentos.

Diante de todo esse cenário, com todo o respeito, entendemos que a verdadeira jabuticaba dessa cizânia é justamente a visão desvirtuada da relação conflituosa entre capital x trabalho, valor social do trabalho/dignidade da pessoa humana x livre iniciativa/interesses do mercado, na contramão do que sói ocorrer nesse tipo de conflito nas Cortes Constitucionais das grandes democracias liberais do planeta.

O cenário é de tamanha ruptura, que o próprio STF “criou um monstro”, no caso, a utilização equivocada da Reclamação Constitucional como sucedâneo recursal de processos regularmente processados na Justiça do Trabalho. Esse é outro grande problema criado por conta dessa jabuticaba interpretativa do regulamento constitucional trabalhista. O referido problema já foi detectado por alguns Exmos. Ministros que deixaram de utilizar esse remédio constitucional para analisar o mérito, inclusive o conjunto probatório de lides trabalhistas em que se discute a fraude na contratação de trabalho, a exemplo das Reclamações 56.098 e 57.133, relatadas pelo Exmo. Ministro Luis Fux (https://www.jota.info/stf/do-supremo/fux-restabelece-decisoes-que-reconheceram-vinculo-entre-construtora-e-corretores-22082023).

A manutenção do atual caminho interpretativo do regulamento constitucional do trabalho pelo Supremo Tribunal Federal, em total descompasso com a agenda 2030 da ONU, sobrepondo a livre iniciativa e os interesses do mercado em desfavor dos direitos fundamentais sociais da classe trabalhadora, vai contribuir para o aprofundamento da concentração da riqueza, das desigualdades sociais e econômicas, a partir da manutenção da precarização sem precedentes das condições de pactuação do trabalho de milhões de trabalhadoras e trabalhadores, implodindo, assim, pela via interpretativa, todo o arcabouço protetivo do direito do trabalho, e ao fim a ao cabo tendo um grande impacto negativo na economia do país.

Outrossim, o esvaziamento da competência constitucional da Justiça do Trabalho pelas decisões da mais alta corte do país contribui para a continuação de um projeto de desmonte, e que coloca em risco outras conquistas alcançadas ao longo de décadas de lutas por direitos sociais e especificamente, trabalhistas.

Desta forma, com todo respeito e de forma democrática/dialógica, entendemos ser necessária e urgente que as decisões proferidas pela Corte Constitucional passem a refletir uma compreensão dos conflitos entre capital e trabalho de acordo com o projeto constitucional de 1988, e também em consonância com o conceito de trabalho decente estabelecido na agenda 2030 das Nações Unidas, afirmando, assim, a prevalência do valor social do trabalho sobre a livre iniciativa, e contra majoritariamente possam reconhecer que apenas com a efetivação dos direitos fundamentais sociais de todas as trabalhadoras e de todos os trabalhadores brasileiros, – cuja competência constitucional para processar e julgar as lides é inegavelmente da Justiça do Trabalho, – será possível pavimentar um caminho para a efetivação da dignidade humana, e com isso contribuir de forma real para a redução das desigualdades sociais e econômicas que assolam nosso povo.

Ana Paula Alvarenga
Juíza do Trabalho do TRT 15, membra da Associação Juízes para Democracia (AJD) e da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), integrante do GT Mundos do Trabalho do CESIT/Unicamp.

Vladimir Paes de Castro
Ex-conselheiro da Associação Juízas e Juízes para a Democracia – AJD, Juiz do Trabalho do Trt7-CE.

Do Migalhas

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