STF reconhece recreio e intervalo de aulas como jornada de trabalho de professores
José Geraldo Santana Oliveira*
O portal do STF registrou, ao dia 13 de novembro, às 18h10, a seguinte notícia: “Recreio e intervalo entre aulas integram jornada de trabalho de professores, decide STF”.
Essa relevante notícia, de real interesse de mais de 600 mil professores e professoras que se ativam em escolas privadas- segundo os censos escolares, em 2023, eram 466.000 no ensino básico e 150.000 no ensino superior-, põe fim a intermináveis disputas judiciais que se arrastam por anos a fio, ao menos quanto à questão central: o recreio (ensino básico) e intervalo de aula (ensino superior) deve ou não ser remunerado.
De um lado, os/as professores/as representados/as por seus sindicatos- com destaque, nos últimos anos para o Sinproep-DF-, buscando perante a Justiça do Trabalho a garantia de seu pagamento, por ser tempo à disposição do empregador, nos termos do Art. 4º da CLT.
De outro lado, sem nenhuma surpresa, as instituições privadas, quase sem exceção, buscando contrário, ou seja, decisão que as isente de pagá-lo.
Quando essas múltiplas discussões judiciais acerca dessa controvérsia chegaram ao Tribunal Superior do Trabalho (TST), a quem compete uniformizar a jurisprudência trabalhista, a Corte pacificou jurisprudência no sentido de que razão assiste aos/às professoras. Importa dizer: recreio e intervalo de aula, sem qualquer dúvida ou discussão, integram sim a jornada de trabalho; devendo, por isso, serem remunerados proporcionalmente ao tempo para eles fixado.
Diante dessa firme jurisprudência que, no âmbito na Justiça do Trabalho, não comporta mais discussão, a Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (Abrafi) bateu às portas do STF, que a corte constitucional, por meio de arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), que recebeu o número 1058- ajuizada aos 14 de abril de 2023-, a pretexto de ver declarada a inconstitucionalidade das reiteradas decisões do TST. Porém, buscando, ao fim e ao cabo, a declaração de que não devidos. O que se comprova por simples compulsar de sua petição inicial. Onde se lê, dentre outras alegações:
“Não bastassem os naturais riscos que se tem em ações individuais, as decisões que agora estão sendo proferidas pelo E. TST são de natureza coletiva, de substituição processual, as quais em uma única pincelada TEM DETERMINADO O PAGAMENTO DE 15 MINUTOS DE HORAS EXTRAS POR DIA, AO LONGO DE TODO O CONTRATO, COM IMPLEMENTAÇÃO DE DIFERENÇAS EM FOLHA DE PAGAMENTO PARA O FUTURO, E PARA TODOS OS PROFESSORES DAS INSTITUIÇÕES DE ENSINO!!
Atualmente existem cerca de 45 mil instituições privadas de ensino que empregam algo próximo a 1 milhão de profissionais da educação. A linha de decisão inconstitucional praticada pelo E. TST não pode ser tomada como apenas mais uma potencial interpretação equivocada daquela corte e sim pela forma como ela efetivamente se apresenta, ou seja, um incentivo a um possível desequilíbrio sistêmico da capacidade de funcionamento dessas instituições de ensino, as quais são em sua gigantesca maioria instituições de pequeno e médio porte.
Não se trata mais da discussão de algumas horas extras de um ou outro trabalhador, mas a discussão do direito de todos os professores, com potencial efeito perverso em toda a cadeia econômica que se encontra ali ancorada, inclusive nos próprios contratos educacionais. Tal forma de desequilíbrio foi muito facilmente visualizada durante os anos duros de pandemia e durante toda a discussão que se travou (inclusive neste E. STF), sobre a obrigação ou não de alterar parâmetros contratuais no curso do ano letivo.
Aqui há exatamente a mesma situação, mas não nas relações de consumo, e sim nas relações trabalhistas que já se encontram em curso e que já se alicerçam há incontáveis décadas na crença legítima de que o art. 71, parágrafo 2º da CLT lhes é aplicável, tanto para obriga-lhes à concessão de intervalos, como para que estes não sejam computados no cálculo da jornada efetiva diária.
[..]
Até o julgamento definitivo da presente ação constitucional centenas ou milhares de outras ações poderão seguir seu curso, determinando execuções de grande monta – de caráter coletivo, inviabilizando a atividade econômica especialmente das pequenas e médias instituições de ensino que buscam se recuperar depois dos anos tempestuosos pelos quais passaram. A concessão de tutela de urgência, nos termos mencionados, evitará que o julgamento final da presente ação produza resultado pouco efetivo ou, em alguns casos, sem utilidade para os jurisdicionados já prejudicados por decisões veiculadora de interpretação inconstitucional, como aquelas acima citadas”.
Quanta desfaçatez!
Pois bem! Como anotado no portal do STF, ao dia 13 de novembro corrente, o Tribunal julgou o mérito da citada ADPF, assentando que, quanto à presunção absoluta de que o recreio é tempo à disposição do empregador, as decisões do TST são inconstitucionais. O que, no particular, representa sim vitória do capital contra o trabalho; dando ensejo à nota da Fenep, divulgada logo após a decisão do STF, com o seguinte título: “ADPF 1058- VITÓRIA EXPRESSIVA DO SEGUIMENTO EDCUACIONAL PRIVADO 10X1 PELA INCONSTITUCIONALIDADE DAS DECISÕES DO TST.
A citada nota começa com a seguinte afirmação ufanista:” Com muita satisfação informamos que neste dia 13 de novembro de 2025 foi encerrado o julgamento no STF da ADPF 1058, com maiúscula vitória do setor privado!”.
Parafraseando a famosa inconfidência do então ministro da Fazenda Rubens Ricupero, em conversa particular, entre ele e o jornalista Carlos Monfort da Rede Globo, em setembro de 1994, vazada pelo satélite da Embratel- “ Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde”-; a nota da Fenep fatura o que é bom, a declaração de inconstitucionalidade das decisões do TST, consubstanciadas na presunção absoluta de que recreio e intervalo de aulas são tempos à disposição do empregador; e, propositadamente, omite o que é ruim para sua principal pretensão: não pagar esses tempos!.
O simples correr de olhos pela notícia postada no portal do STF, mostra-se bastante para demonstrar que, no que diz respeito ao mérito da controvérsia, repita-se, a obrigação de as escolas incluírem o recreio e o intervalo de aula, conforme o caso, na jornada dos/as professores/as, o que implica sua remuneração proporcional, a festejada “maiúscula vitória”, a rigor, ficou minúscula. Ou, dito de outra forma, foi uma vitória de Pirro; pois que, o fim almejado pelas escolas privadas, teve efeito contrário, uma vez que, sem mais delongas, foram declaradas devedoras desses tempos, exceto em casos excepcionais, discutidos individualmente, e previamente provado por elas.
Eis o excerto da notícia do STF, que comprova essa assertiva:
“Prova em contrário
Após debates nas sessões de ontem e hoje, prevaleceu, no julgamento, o voto reajustado do relator, ministro Gilmar Mendes, pela procedência parcial do pedido. A regra geral é que os períodos de recreio ou intervalos são tempo à disposição do empregador. A decisão, porém, afasta a presunção absoluta nesse sentido e estabelece como ressalva que, se nesse período o docente se dedicar a atividades de cunho estritamente pessoal, ele não deve ser considerado no cômputo da jornada diária de trabalho. A obrigação de comprovar a ocorrência dessas hipóteses é do empregador”.
Nos autos do processo da ADPF 1058, acha-se registrado:
“Procedente em parte
TRIBUNAL PLENO
Decisão: O Tribunal, por maioria, converteu o referendo da medida cautelar em julgamento de mérito, rejeitou as questões preliminares, confirmou a cautelar anteriormente deferida (eDOC 110) e julgou parcialmente procedente o pedido para: (i) declarar a inconstitucionalidade da presunção absoluta, que não admite prova em contrário, segundo a qual o intervalo temporal de recreio escolar (educação básica) ou intervalo de aula (educação superior) constitui, obrigatoriamente, tempo em que o professor se encontra à disposição de seu empregador; e (ii) assentar que, na ausência de previsão legal ou negociação coletiva estabelecendo orientação diversa, tanto o recreio escolar (educação básica), quanto o intervalo de aula (educação superior), constituem, em regra, tempo do professor à disposição de seu empregador (CLT, art. 4º, caput), admitindo-se, porém, a prova, produzida pelo empregador, de que, durante o recreio escolar ou o intervalo de aula, o professor dedica-se à prática de atividades de cunho estritamente pessoal, afastando-se, em tal hipótese, o cômputo na jornada diária de trabalho (CLT, art. 4º, § 2º). Por fim, o Tribunal entendeu que a presente decisão não produz efeitos retroativos àqueles que receberam de boa-fé. Tudo nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Edson Fachin, que não conhecia da ADPF e, vencido nesse ponto, julgava, no mérito, improcedente o pedido. Ausentes, justificadamente, os Ministros Edson Fachin (Presidente) e Cármen Lúcia, que proferiram voto em assentada anterior. Presidiu o julgamento o Ministro Alexandre de Moraes (Vice-Presidente). Plenário, 13.11.2025”.
O item “ii” dessa Decisão caracteriza-se como bastante para, sem subterfúgios e/ou meias palavras, demonstrar que ganhou e quem perdeu com ela. O seu simples cotejo com a realidade da esmagadora maioria das escolas não deixa nenhuma margem de dúvida sobre ao quanto que efetivamente interessa: a vitória é dos/as professores/as e da educação.
Vale anotar que, já em 1973, o extinto Conselho Federal de Educação (CFE), reconheceu expressamente como tempo tempo escolar; o que foi renovado pelo Conselho Nacional de Educação (CNE)- seu sucessor-, em 1998 e 2003, respectivamente pelos pareceres 792/73, 05/1997 e 02/2003, que os reafirmou.
O Parecer 792/73, de 5-6-73, asseverou: “o recreio faz parte da atividade educativa e, como tal, se inclui no tempo de trabalho escolar efetivo…; e quanto à sua duração, ‘… parece razoável que se adote como referência o limite de um sexto das atividades (10 minutos para 60, ou 20 para 120, ou 30 para 180 minutos, por exemplo)’.
O Parecer CNE/CEB 05/97 registrou:” “As atividades escolares se realizam na tradicional sala de aula, do mesmo modo que em outros locais adequados a trabalhos teóricos e práticos, a leituras, pesquisas ou atividades em grupo, treinamento e demonstrações, contato com o meio ambiente e com as demais atividades humanas de natureza cultural e artística, visando à plenitude da formação de cada aluno. Assim, não são apenas os limites da sala de aula propriamente dita que caracterizam com exclusividade a atividade escolar de que fala a lei. Esta se caracterizará por toda e qualquer programação incluída na proposta pedagógica da instituição, com freqüência exigível e efetiva orientação por professores habilitados. Os 200 dias letivos e as 800 horas anuais englobarão todo esse conjunto.”
Desse modo, somente faltava o recreio ser considerado, de modo definitivo, como tempo do docente à disposição do empregador, portanto, remunerado. Ou, em outras palavras: só faltava o recreio ou intervalo de aulas ser declarados, em definitivo, como tempo de trabalho remunerado. O que o STF acaba de fazê-lo, de modo inquestionável.
Definido que, em regra, o recreio e o intervalo de aulas são tempos à disposição do empregador, o que os torna obrigatoriamente remunerados; repita-se, exceto, nos casos individuais em que a escola comprovar que “..o professor dedica-se à prática de atividades de cunho estritamente pessoal..”- o que, quem milita na docência sabe que é praticamente impossível-; resta, agora, saber como deve ser concretizado.
Desde logo, pode e deve ficar assentado que, cada instituição de ensino privado, de nível básico e superior, em âmbito nacional, não havendo instrumento normativo coletivo que disponha de outra forma, deve, sem mais demora, computar na jornada de trabalho dos/as professores/as por ela contratados/as, a fração diária equivalente ao recreio ou intervalo de aulas, conforme o caso, que deve ser calculada com base no tempo de duração de cada aula.
Do mesmo modo que a carga horária de regência e/ou de outras atividades docentes que integram a carga horária semanal, ao recreio ou intervalo incidem a meia semana e o repouso semanal remunerado, que resulta na fórmula 5,25 semanas mensais; tendo como referencial o salário-aula, se a contratação for por hora; ou, salário fixo, se for mensalista. E mais: com repercussão no 13º salário, nas férias, no FGTS, no aviso prévio etc.
Faz-se necessário anotar que, conforme ressalva expressa na decisão sob comentários, as convenções e acordos coletivos podem dispor de modo diverso, ou seja, que o recreio e o intervalo são pagos por regras próprias, neles estabelecidos. Bem assim, que esse tempo é inteira e obrigatoriamente de descanso para os professores. Em caso que tais, prevalecem os comandos desses instrumentos normativos. Não havendo norma coletiva dispondo de modo diverso, aplica-se a decisão do STF.
Faz-se necessário esclarecer que a decisão do STF restringe-se ao recreio e ao intervalo de aulas- que, ao fim e ao cabo, são a mesma coisa, diferenciando-se apenas pela nomenclatura que lhe é dada em cada nível de ensino-, não alcançando as janelas, que são de outra natureza.
Assim sendo, para fazer jus ao recebimento do recreio ou intervalo de aula, conforme o caso, o/a professor/a, necessariamente, tem de estar trabalhando na instituição de ensino, durante a aula que o antecede e a que o sucede. Se esse tempo ocorre, por exemplo, após três aulas, o/a professor/a, para fazer jus ao recebimento dele, tem de ministrar a terceira e a quarta aula. Sempre tem que ministrar a aula anterior e a posterior a ele. Caso contrário, não recebe.
A parte final da decisão do STF- “Por fim, o Tribunal entendeu que a presente decisão não produz efeitos retroativos àqueles que receberam de boa-fé-“, suscita dúvida sobre seu real significado. O que ela estabelece é o seguinte: se, porventura, algum/a professor/a, por força de decisão judicial, mesmo utilizando o tempo de recreio ou intervalo de aulas, recebeu valores a ele correspondentes- o que, a rigor, é quase impossível-, não terá que devolver nenhum centavo. Ficando, ainda, assentado que, doravante, não o receberá, desde que a instituição comprove que esse tempo é dedicados “..à práticas de atividades de cunho estritamente pessoal”.
Muitos já indagam, se essa decisão do STF autoriza as instituições de ensino de ensino básico e superior exigir dos/as professores/as que nela atuam a prestação de trabalho durante o recreio e o intervalo de aula? A resposta só pode ser negativa, sob pena de descaracterizar o sentido pedagógico/acadêmico de que se reveste esse tempo. Bem assim, soar como penalidade por ser obrigadas a remunerá-lo.
O que ficou evidenciado nas discussões entre os ministros do STF, quase todos com larga experiência em ensino superior e até no ensino médio, como é o caso do ministro Flávio Dino, é que o recreio ou intervalo de aula é tempo de interação entre professore/as, professores/as e coordenadores/as e diálogo informal entre professores/as e alunos/as, como já o é há séculos, todos com finalidades pedagógicas/a acadêmicas; e nada mais.
Em numa hipótese, pode-se admitir que o recreio e o intervalo de aulas sejam oficializados como plantões de dúvidas e/ou de atendimentos formais a alunos. Essa não é nem de longe a finalidade da decisão! Tais exigências, se forem tentadas, indiscutivelmente, soarão como abuso de direito e desprovidas de validade jurídica e ética!
Assentou-se, ainda, que o fato de o professor/a ao ir banheiro, tomar café e eventualmente sentar-se na sala própria, por alguns minutos, não se presta a descaracterizar a regra aprovada de o considerar com tempo à disposição do empregador.
Afinal, a decisão do STF, antes de tudo, reveste-se de grande relevância social e pedagógica/acadêmica.
Por derradeiro, deve ficar devidamente esclarecido que a discussão sobre a aplicação concreta da decisão do STF dá, agora, os seus primeiros passos, que vão se sedimentando no cotidiano e após a publicação do Acórdão, que a abordará em seu inteiro teor.
Por prudência e para não correr o risco de trazer prejuízos às entidades que já regulamentaram essa matéria, em suas convenções coletivas, de modo diverso do que decidiu o STF, e pretendem mantê-la sem alteração, a Contee, institucionalmente, somente se manifestará após a publicação do Acórdão. O que é de todo louvável!
*José Geraldo Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee




