STF tem maioria contra Lava Jato, mas não define impacto sobre condenações
O Supremo Tribunal Federal formou maioria nesta quinta-feira a favor de uma tese que pode anular dezenas de sentenças da Operação Lava Jato nas quais o delatado não foi ouvido após o delator que o acusava na fase final do processo. Trata-se de uma derrota maiúscula para a operação, mas ainda não se sabe o alcance total dela. O motivo é que o presidente da corte, Antonio Dias Toffoli, decidiu deixar para a quarta-feira que vem o debate sobre em que casos específicos a tese se aplicaria. Não é uma questão menor: se interpretada da maneira mais ampla possível, a nova jurisprudência pode afetar quase 90% das condenações da Lava Jato, segundo cálculos dos procuradores de Curitiba. Entre os possíveis beneficiários estaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no caso específico do sítio de Atibaia, pelo qual ele foi condenado em primeira instância.
O adiamento encerrou a segunda jornada seguida no Supremo em que os magistrados debatiam o caso de Márcio de Almeida Ferreira, ex-gerente de empreendimentos da Petrobras condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro na Lava Jato. Ferreira pleiteava ter sua condenação anulada da mesma maneira que ocorreu com o ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Em 27 de agosto, a Segunda Turma do STF decidiu que a sentença era nula porque Bendine teve o mesmo prazo que o corréu e também delator para apresentar sua defesa na fase final do processo, chamada de alegações finais. Foi a primeira vez em que Supremo anulou uma condenação do então juiz Sergio Moro, ampliando a crise da Lava Jato.
Agora, na próxima quarta-feira, duas decisões deverão ser tomadas. Uma trata especificamente do caso de Ferreira. Os ministros terão de decidir se ele foi prejudicado e seu caso deve retornar para nova decisão da primeira instância —até agora, o placar ficou assim: 5 a 4 pela anulação de sua condenação, e Toffoli já antecipou que é a favor de conceder um habeas corpus a Ferreira.
A segunda e mais importante decisão é justamente a que define a extensão do impacto na Lava Jato como um todo. Um placar de 6 a 3 já se formou a favor de que, nos casos em que o réu não teve prazo posterior para se manifestar, haja anulação. A questão que começou a ser debatida, então, foi: vale para todos os casos? Para os casos julgados a partir de agora? Só para os réus que reclamaram da situação ainda quando o caso estava na primeira instância? O plenário sem a presença de Marco Aurélio de Mello, que já havia deixado o Supremo, poderia tomar a decisão sem ele? O ministro Marco Aurélio acompanhou o início da sessão, mas se retirou do plenário antes do final dela. Seus colegas entenderam que, como ele não estava presente, era necessário esperar seu voto devido à importância do tema. Foi aí que Toffoli interveio adiando o embate.
Segundo fontes próximas ao presidente do Supremo, Toffoli deverá apresentar uma proposta para haver uma espécie de freio para impedir uma soltura em massa de condenados por corrupção. Só poderiam ser beneficiados os réus que reclamaram da situação dos prazos ainda na primeira instância. Segundo um levantamento dos procuradores da Operação Lava Jato, na hipótese de o entendimento do caso ser estendido para todas as ações penais em que os delatores e os delatados tiveram o mesmo prazo para apresentar as alegações finais, poderão ser anuladas 32 sentenças, que envolvem 143 dentre 162 réus condenados pela Lava Jato. Questionada pelo EL PAÍS sobre quantos destes casos se encaixariam na proposta de Tofffoli, a força-tarefa de Curitiba informou que essa análise específica ainda não havia sido concluída concluída.
Se a ideia de Toffoli prevalecer, no caso de Lula, ele seria beneficiado em apenas um dos casos pelos quais foi condenado em Curitiba, que é o que trata da doação do terreno do Instituto Lula, parte do processo sobre o sítio de Atibaia em que houve delatores da Odebrecht. Em teoria, e numa interpretação estrita, Lula não seria imediatamente solto caso a tese vencesse porque o petista está preso por ter sido condenado no processo do triplex do Guarujá —onde, formalmente, não havia delator.
Casos à espera
Desde a decisão sobre Bendine, dezenas de processos chegaram ao STF pedindo a extensão da medida para outros condenados. O caso de Ferreira é o primeiro da leva a ser analisado, que ganhou ainda mais importância pela decisão do relator Edson Fachin de levá-lo a plenário. A questão testa a correlação de forças no Supremo a favor da Lava Jato num momento em que a corte ainda tem à espera de votação um recurso de Lula que questiona a imparcialidade do então juiz Sérgio Moro —tudo isso em meio às revelações das conversas privadas dos procuradores e Moro feitas pelo The Intercept.
No caso específico de Ferreira nesta quinta-feira, foram favoráveis a anulação de seu processo os ministros Alexandre de Moraes, Rosa Weber, Ricardo Lewandovski, Gilmar Mendes e Celso de Mello. “O interesse do corréu é se salvar. É conseguir a sua absolvição. Se ele precisar instigar o juiz, instigar a acusação contra o outro corréu, ele o fará”, sustentou Moraes.
Do outro lado, estavam o relator do caso, Edson Fachin, além de Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. Eles entenderam que o réu teve a possibilidade, sim, de falar após os delatores, mas manteve-se silente. “Não falou porque não quis. Não falou porque não tinha o que acrescentar”, alertou o réu Barroso. Os placares do caso específico e da tese geral ficaram distintos porque Cármen Lúcia votou com o relator contra Ferreira, e com a divergência, com relação a abrangência da decisão.