Teletrabalho: carga horária e remuneração
Por Henrique Stefanello Teixeira*
O que pode ser exigido dos professores do ensino privado na modalidade de home office, teletrabalho ou trabalho a distância deve seguir a carga horária contratada sob pena de configuração de trabalho extra
A repentina alteração da realidade laboral dos professores do ensino privado para a modalidade de teletrabalho, além da evidente e abrupta mudança da rotina da realização dos serviços, enseja pertinentes questionamentos sobre o cumprimento das cargas horárias e o formato de pagamento dos salários.
O fato de o trabalho não ser mais realizado no ambiente escolar permite um acréscimo de jornada de trabalho sem a consequente remuneração? O que ocorre se o professor for demandado para além da sua carga horária semanal contratada?
Para respondermos a essas perguntas, primeiramente é importante relembrar que os professores, enquanto pertencentes a uma categoria diferenciada, possuem uma série de peculiaridades contratuais, as quais permanecem os distinguindo dos demais trabalhadores.
A principal delas refere-se ao formato de contratação e pagamento de salário, que conforme previsto nas normas coletivas, ocorre a partir de unidades remuneratórias denominadas de horas-aula, ou como denomina a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em seu artigo 320, apenas aulas.
Um professor, portanto, é contratado por um determinado número de horas-aula semanais, as quais multiplicadas por quatro semanas e meia acrescidas de um sexto a título de repouso semanal remunerado, resultam no seu salário mensal.
Essa condição de cálculo por hora, quando o contrato é convertido em teletrabalho, home office ou qualquer outra modalidade de trabalho a distância permanece em plena vigência, uma vez que os limites contratuais permanecem inalterados nessa fase transitória em que o trabalho não é mais realizado no estabelecimento de ensino, mas no domicílio do trabalhador.
Isso é muito importante, pois na ocasião da reforma trabalhista de 2017 o legislador instituiu e regulou o teletrabalho e excluiu esse trabalhador do controle de jornada conforme preceitua o novo inciso III do artigo 62, da CLT. Também na recentíssima Medida Provisória 927, de 22 de março de 2020, isso é reafirmado, incluindo-se que o uso de aplicativos e programas de fora da jornada de trabalho não constituem tempo à disposição do empregador. Cabe a transcrição desse novo dispositivo.
Art. 4º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial, independentemente da existência de acordos individuais ou coletivos, dispensado o registro prévio da alteração no contrato individual de trabalho.
§ 5º O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo.
O texto da Medida Provisória, diga-se de passagem, é evidentemente inconstitucional para qualquer trabalhador, pois todos ainda possuem o direito previsto em nossa Constituição Federal de exercer uma jornada máxima de oito horas diárias e 44 semanais.
A disposição encontra muito menos sentido quando se fala do trabalhador docente, pois este é contratado por um número de horas semanais (12, 16, 20, 40, por exemplo) e não por um salário fechado como os demais trabalhadores mensalistas.
A contratação por hora-aula pode gerar uma série de situações disformes pois existem professores em home office com contratos de 40 horas-aula, enquanto outros, sendo remunerados a partir de contratos de quatro horas-aula semanais.
Essa diferenciação tão clara é mais do que suficiente para demonstrar que, no caso dos professores, o trabalho realizado deve obedecer à carga horária semanal contratada, pois o pacto firmado entre empregado e empregador previa um lapso temporal específico de dedicação, diferentemente daquele trabalhador mensalista comum.
Em suma, por conta dessas características específicas, o trabalho que pode ser exigido dos professores na modalidade de home office, teletrabalho ou trabalho a distância deve seguir estritamente a carga horária contratada sob pena de configuração de trabalho extraordinário, o qual deve sempre ser devidamente remunerado uma vez que não se pode admitir prestação de trabalho gratuito.
*Henrique Stefanello Teixeira é advogado