Terceirização, reforma trabalhista e o STF como inimigo

Por José Geraldo de Santana Oliveira*

Se para algum fiel defensor da Ordem Democrática ainda havia alguma dúvida sobre o explícito apoio do Supremo Tribunal Federal (STF) à impropriamente chamada reforma trabalhista, esta feneceu-se com a decisão liminar do ministro Roberto Barroso, tomada na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) N. 48, ajuizada pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT), em defesa da constitucionalidade da Lei N. 11.442/2007 — que trata da terceirização do transporte de cargas —, ao dia 19 de dezembro corrente.

Na referida decisão liminar, o ministro Roberto Barroso faz apologia da terceirização da atividade-fim, considerando-a a mais avançada e a mais legítima defesa da livre iniciativa, sem, contudo, dizer uma palavra sequer sobre os valores sociais do trabalho, que compõem com os da livre iniciativa o quarto fundamento da República Federativa do Brasil (Art. 1º, inciso IV, da Constituição Federal), vindo aqueles antes destes; e, ainda, silencia-se por completo sobre a valorização do trabalho humano, primeiro fundamento da Ordem Econômica (Art. 170 da CF), que tanto lhe encanta. Além do que já antecipa a sua posição sobre a Lei N. 13.467/2017, que a consagra no Art. 4º.

Na sua decisão, composta por 18 páginas, sendo a maioria de loas à terceirização, o ministro, no rol de sua defesa desta, destaca:

“[…]

25. É nesse contexto que se coloca a discussão sobre a terceirização no Brasil. A terceirização é muito mais do que uma forma de reduzir custos trabalhistas por meio de uma suposta precarização do trabalho, tal como alegado pelos que a ela se opõem. Pode, em verdade, constituir uma estratégia sofisticada e, eventualmente, imprescindível para aumentar a eficiência econômica, promover a competitividade das empresas brasileiras e, portanto, para manter e ampliar postos de trabalho. Essa é a relevância da terceirização para a estruturação das atividades econômicas e é com essa perspectiva que deve ser examinada.

III.1.2. PRINCÍPIOS DA LIVRE INICIATIVA, DA LEGALIDADE E DA PROTEÇÃO AO EMPREGO

26. Nessa linha, no que respeita à compatibilidade entre a terceirização e as normas constitucionais, deve-se lembrar que a Constituição de 1988 consagra a livre iniciativa e a livre concorrência como valores fundantes da ordem econômica (CF/1988, art. 1º c/c art. 170, caput e inc. IV). De acordo com tais princípios, compete aos particulares a decisão sobre o objeto de suas empresas, sobre a forma de estruturá-las e sobre a estratégia para torná-las mais competitivas, desde que obviamente não se violem direitos de terceiros.

Não há na Constituição norma que imponha a adoção de um único modelo de produção e que obrigue os agentes econômicos a concentrar todas as atividades necessárias à consecução de seu negócio ou a executá-las diretamente por seus empregados.

27. A Lei nº 11.442/2007, por sua vez, previu as figuras da empresa de transporte rodoviário de cargas (ETC) e do transportador autônomo de cargas (TAC). E estabeleceu que o TAC pode ser contratado diretamente pelo proprietário da carga ou pela ETC. A norma autorizou, portanto, de forma expressa, que a empresa transportadora de cargas terceirizasse a sua atividade-fim, por meio da contratação do transportador autônomo.

28. A decisão sobre a forma de estruturar e contratar o transporte de cargas está inserida na estratégia empresarial da ETC. A ETC pode entender, por exemplo, que seu diferencial está na gestão do serviço de transporte, e não na sua execução direta propriamente. Nesse caso, poderá concentrar esforços na gestão da atividade e subcontratar a sua execução. Pode decidir executar o transporte em algumas regiões e optar por subcontratar o transporte para outras. Pode, ainda, valer-se da contratação do TAC em períodos de pico de demanda, em que não disponha de motoristas em número suficiente.

29. Do mesmo modo, o proprietário de carga que opte por gerenciar a distribuição dos seus produtos pode valer-se de motoristas empregados para distribuí-los. Pode executar parte do transporte e terceirizar parte. Pode concluir que é mais eficiente terceirizar integralmente a atividade de transporte. Trata-se, igualmente, de estratégia empresarial do proprietário da carga. 30. Note-se, ademais, que as categorias previstas na Lei nº 11.442/2007 convivem com a figura do motorista profissional empregado, prevista no art. 235-A e seguintes da CLT. O TAC constitui apenas uma alternativa de estruturação do transporte de cargas. Não substitui ou frauda o contrato de emprego.

31. É válido observar, igualmente, que as normas constitucionais de proteção ao trabalho não impõem que toda e qualquer relação entre o contratante de um serviço e o seu prestador seja protegida por meio da relação de emprego. Há alguma margem de conformação para o legislador ordinário. Não bastasse isso, ainda que se utilizassem os parâmetros da própria Consolidação das Leis do Trabalho, o transportador autônomo de carga não se configuraria como empregado.

32. De acordo com o art. 3º da CLT, a relação de emprego caracteriza-se pelos seguintes elementos: (i) onerosidade, (ii) não eventualidade, (iii) pessoalidade e (iv) subordinação. A Lei nº 11.442/2007 prevê duas modalidades distintas de TAC. O TAC-agregado e o TAC independente. O TAC-agregado, nos termos do art. 4º, §1º, da Lei nº 11.442/2007, dirige o próprio serviço e pode prestá-lo diretamente ou por meio de preposto seu, por expressa determinação legal. Não estão presentes, portanto, na relação com o contratante, os elementos da pessoalidade e da subordinação. O TAC-independente presta serviços em caráter eventual. Portanto, em nenhum dos dois casos haveria relação de emprego nem mesmo à luz dos critérios da CLT.

33. Por fim, é importante ter em conta, ainda, que a Lei 13.467/2017 (Lei da Reforma Trabalhista) autorizou expressamente a terceirização da atividade principal da empresa (art. 4º), na mesma linha do que já havia feito a norma objeto desta ação. Desse modo, tudo indica que a norma em exame é não apenas constitucional, mas compatível com o sentido em que o ordenamento infraconstitucional parece avançar.

34. Diante do exposto, concluo que a Constituição não veda a terceirização das atividades-fim. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa assegura às empresas a formulação das suas próprias estratégias empresariais. No caso do transporte de carga, a possibilidade de terceirização da atividade-fim é, ademais, inequívoca porque expressamente disciplinada na Lei nº 11.442/2007. Não há que se falar na inconstitucionalidade da norma, uma vez que a Constituição também não impõe a proteção de toda e qualquer prestação remunerada de serviços mediante a configuração de relação de emprego. Por fim, é de se notar que nem mesmo pelos critérios da Consolidação das Leis do Trabalho seria possível configurar a contratação do transporte autônomo de carga como relação de emprego, diante da ausência dos requisitos da pessoalidade, da subordinação e/ou da não-eventualidade.

III.2. PERIGO NA DEMORA

35. O perigo na demora é inequívoco. Como demonstrado pela requerente, diversas decisões da Justiça do Trabalho têm reconhecido o vínculo de emprego entre os transportadores autônomos e as empresas que os contratam, a despeito do que dispõe a Lei nº 11.442/2007. Muito embora se trate de norma de 2007, as decisões apresentadas pela requerente demonstram que a insegurança sobre a constitucionalidade da lei persiste no tempo. Nessas condições, há lesão ou risco de lesão de difícil reparação para todos aqueles que figuram como partes na relação contratual em questão. A insegurança jurídica, passados tantos anos do início de vigência da norma, torna ainda mais grave o perigo na demora.

IV. CONCLUSÃO

36. Diante do exposto, defiro a cautelar para determinar a imediata suspensão de todos os feitos que envolvam a aplicação dos artigos 1º, caput, 2º, §§ 1º e 2º, 4º, §§ 1º e 2º, e 5º, caput, da Lei 11.442/2007. Determino, por fim, a inclusão do processo em pauta, para referendo da cautelar e concomitante julgamento do mérito pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 19 de dezembro de 2017. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO Relator”.

Destarte, mais do que nunca, apresenta-se, com clareza absoluta, que o STF só exerce a condição de guardião da CF, conforme lhe determina o Art. 102 desta, no tocante aos interesses da livre iniciativa (capital); no que concerne aos valores sociais do trabalho (Art. 1º, inciso IV, primeira parte), à valorização do trabalho humano (Art. 170, caput) e ao primado do trabalho (Art. 193), declara-se o seu impiedoso carrasco.

Por tudo isso, na árdua luta que se tem de travar, contra a reforma trabalhista, o STF não é aliado, nem sequer observador isento. Ao contrário, é inimigo declarado.

Pedir-lhe que declare a inconstitucionalidade da Lei N. 13.467/2017 é o mesmo que pedir ao capital para ser justo e não explorar o trabalho.

Calha, aqui, lembrar as últimas palavras de Giordano Bruno, pouco minutos antes de ser queimado pela fogueira da inquisição, em 1600: “Que ingenuidade a minha, pedir aos donos do poder para reformá-lo”.

*José Geraldo de Santana Oliveira é consultor jurídico da Contee

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