Três anos de pandemia: 2023 será marcado pela declaração de endemia no Brasil

Ao chegar a 700 mil mortes pela covid-19 no Brasil, epidemiologista acredita que o governo está perto de encerrar o ciclo vacinal com a nova vacina bivalente

Em 11 de março de 2020, a OMS declarava o status de pandemia de covid-19 no mundo. No Brasil o primeiro caso já havia sido notificado em 26 de fevereiro de 2020. Com isso, o Brasil chega aos três anos da pandemia completando as impressionantes 700 mil mortes pela doença respiratória.

O Painel de Informação de Casos e Óbitos Covid-19 registra 699.634 mortes na última semana epidemiológica notificada, considerando que há defasagens previstas de notificação nacional. Ou seja, centenas de mortes que já aconteceram nas semanas anteriores (ou mesmo meses) ainda não foram “contabilizadas” oficialmente pelo Ministério da Saúde ou Secretarias estaduais de saúde, por exemplo. Com isso, é possível que as 700 mil vítimas da doença já tenham sido atingidas.

No entanto, este marco sinistro também é um momento de muita esperança, segundo o epidemiologista Jesem Orellana, da Fiocruz-Amazônia. Em entrevista ao Portal Vermelho, ele avaliou que o ano de 2023 deverá ser marcado por dois grandes eventos: a suspensão do status de emergência sanitária internacional, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), e ao mesmo tempo o Ministério da Saúde (MS) deve declarar a situação de endemia no Brasil. Ou seja, é o fim do status de pandemia, tanto global, quanto da epidemia no país.

Pandemia, epidemia, endemia

Orellana diz que falar em endemia em 2022 foi precipitado, mas esse horizonte começa a ficar bem claro, agora em 2023. Portanto, o que muda para os brasileiros? Por que o cenário de circulação do vírus está mudando?

O epidemiologista fez um quadro comparativo para nos mostrar essa diferença. Ele mostra uma queda de quase 500% nas primeiras 8 semanas epidemiológicas de 2023, comparadas com o mesmo período de 2022. Enquanto nos dois meses iniciais de 2023 morreram pouco mais de 5 mil pessoas pela doença, esse volume foi de quase 30 mil nos dois primeiros meses do ano anterior.

Com isso, a comparação entre as 8 semanas epidemiológicas de 2022 e 2023, “deixa claro que houve uma redução radical e que o vírus começa a perder muita força para causar casos graves e mortes por covid-19”. “Isso não significa que vamos acabar com o vírus, mas que ele vai continuar circulando com uma versão de longo prazo muito mais elaborada e melhorada do Sars-Cov2, e com essa roupagem da ômicron e das subvariantes dela em comparação com a versão original do vírus”.

Orellana explica que o vírus se torna menos agressivo, por fatores imunológicos das pessoas que ja tiveram a infecção e principalmente a vacina. “Ele fica restrito a uma situação relacionada a uma síndrome gripal de leve a moderada, do que a uma síndrome gripal com potencial que tinha de gerar colapsos nos hospitais, causar até quatro mil mortes por dia”, compara.

Neste momento, com o que nós temos de conhecimento acumulado sobre as subvariantes da ômicron, de acordo com ele, esse cenário está mais ou menos consolidado.

Ele explica que o fato de entrar no status de endemia, não significa que não possa haver surtos, nova explosão de casos, internações e até de mortes. “Dengue e malária, por exemplo, são doenças endêmicas que não assumem padrões epidêmicos, há anos; mas, em 2022, a dengue assumiu um padrão epidêmico com o maior número de mortes dos últimos 14 anos no Brasil por ano. Tivemos 1200 mortes em 2022 por dengue no Brasil, com 1,5 milhão de casos notificados”, informa.

É preciso ter claro que, não há um critério formal para o fim da pandemia e a entrada na endemia. “Não há uma fórmula para aplicar a diferentes doenças, especialmente em relação a uma doença emergente como a covid. Não há um padrão de pandemia, epidemia e endemia para a uma doença recente, que não repete padrões como do vírus influenza. Não dá para encontrar padrões universais, porque vai depender de cada cenário”.

Fim do esquema vacinal

O especialista aposta em duas declarações importantes para o mundo este ano, “que não são pouca coisa”. A suspensão do status de pandemia, ou emergência sanitária internacional, ocorre após três anos. A última pandemia de influenza durou menos de dois anos.

No Brasil, provavelmente, haverá a declaração do Ministério da Saúde de um estado de endemia e não mais de epidemia. “Esse aumento modesto de internações e algumas mortes, que tivemos em diferentes regiões do país, acabou sendo resultado do efeito residual do vírus, muito em função dessas pessoas que não tomaram nenhuma dose da vacina, e das pessoas que estão com o esquema incompleto”, observa ele.

Um elemento determinante, na opinião dele, para essa guinada no cenário epidemiológico é a aplicação da dose de reforço contra a covid-19 com a vacina bivalente da Pfizer. Esta é uma fase crítica da vacinação, segundo ele, pois a vacina bivalente protege contra as versões originais do novo coronavírus e essas subvariantes que circularam com mais força.

“Provavelmente, o Ministério da Saúde vai orientar a maior parte da população do Brasil a encerrar o esquema vacinal. Até o momento, ninguém está com o esquema vacinal encerrado”, afirma. “Esta será provavelmente a última etapa da campanha nacional de vacinação em contexto de epidemia no Brasil. A vacinação com a dose de reforço da vacina bivalente”.

Ninguém mais vai ser vacinado porque o vírus vai sumir? O vírus continua circulando, mas a vacina passa a ser incorporada ao calendário nacional de vacinações, mais ou menos nos moldes da vacinação anual contra a gripe comum, a influenza, para grupos específicos como idosos, gestantes, puérperas, indígenas, ribeirinhos, quilombolas ou pessoas imunocomprometidas. “Mas não vai haver mais campanhas nacionais de vacinação incluindo basicamente toda a população”.

Bivalente: a bala de prata

Orellana ressalta que, mesmo sem a vacina bivalente, mais preparada para o cenário epidemiológico dominado pelas subvariantes da ômicron, já havia relativo sucesso em controlar a epidemia, como mostra o gráfico das primeiras semanas epidemiológicas. A queda de contágios e mortes de 2021 para 2022 já havia sido significativo.

“Com a vacina bivalente, a expectativa é que, no pior dos casos, continue igual ao que estamos vendo no início de 2023: um padrão de circulação viral razoavelmente elevado, mas sem potencial para fazer a epidemia progredir para dentro dos hospitais e se traduzir em mortes aos milhares”, descreve.

Esse é o ponto, diz ele. A nova vacinação é considerada crítica porque o governo consegue acumular uma experiência de monitorar a doença, de tratar as pessoas, de acompanhar esses pacientes, fazer isolamento respiratório. “E o Ministério da Saúde tem agora uma oportunidade de ouro de usar essa nova tecnologia que é a vacina bivalente para basicamente selar o caixão da epidemia de covid-19 no Brasil”.

É o que parece que vai acontecer. Há uma grande mobilização do Programa Nacional de Imunizações, uma campanha lançada pelo presidente Lula com o vice-presidente Alckmin, a ministra Nísia Trindade, muito empenhados em melhorar esses números, oq ue torna o cenário bem favorável.

Surtos sazonais

A possibilidade de surtos de covid, como ocorre com as gripes, é preocupante e legítima, porque pode haver uma nova mutação nas subvariantes mais agressivas, não só em relação a contágios novos, mas ao potencial de causar doença grave, internação e óbito.

Embora esta seja uma preocupação que não deva ser descartada, Orellana diz que os sanitaristas estão otimistas, porque a condução que vai ser dada à epidemia, ou endemia de covid-19, nos próximos meses e anos, ao longo deste mandato do MS, certamente vai ser melhor do que se acompanhou e se viu, desde que houve a notificação do primeiro caso em março de 2020.

Ele diz que o MS certamente vai investir no fortalecimento das estratégias de vigilância das síndromes gripais, na vigilância laboratorial, em ações de proteção e promoção da saúde, justamente para preparar a população e as equipes de vigilância epidemiológica para atuar no controle de eventuais surtos que possam acontecer nos próximos meses ou anos.

A situação do surto de dengue, demonstra a importância do MS ficar atento com o aperfeiçoamento de estratégias de vigilância epidemiológica.

A epidemia global

Por que a OMS ainda não declarou o fim da emergência global, se tantos países já vivem um cenário de queda drástica de contágios da covid? Há uma grande incerteza em relação aos desenvolvimentos da epidemia em diferentes regiões do mundo. A covid deixou de ser algo aterrador que gera preocupação em escala global, mas continua sendo considerada uma pandemia, pela dificuldade de fazer chegar a vacina de forma igualitária nas diferentes regiões do planeta.

“Há situação análoga na Europa e Américas, mas não na África e Ásia. O que aconteceu na China é algo que pode acontecer em outros lugares, com retomada forte dos contágios, pela cobertura baixa da vacinação na China, mesmo sendo um dos maiores exportadores principalmente para países em desenvolvimento”, alerta o epidemiologista.

A dificuldade de fazer estas vacinas chegarem ao calendário de muitos países, serem inoculadas no braço da maioria da população é o que gera essa incerteza. “Desta forma, suspender o padrão de pandemia significa dificultar uma série de medidas de apoio de países ricos a pobres, doação de vacinas, medicamentos, máscaras”, justifica.

Pelo critério epidemiológica já daria para suspender o critério de pandemia no mundo, e até epidemia no Brasil. Mas será que estamos prontos para isso? Essa é a grande questão, na opinião dele.

Por isso, Orellana mencionou uma série de indicadores que apontam para um cenário menos preocupante e incerto no Brasil. “Embora não haja critérios absolutos, os indicadores epidemiológicos, neste momento, estão longe daquilo que vimos em 2022 e mais longe ainda do que vimos em 2021. Temos a Anvisa aprovando e recomendando seis medicamentos, entre eles antivirais, anti-inflamatórios, inibidores de determinadas enzimas para auxiliar no tratamento de pacientes com covid-19. Temos um leque de vacinas disponíveis muito grande, o que pode ser a bala de prata no Brasil e no mundo, que é a vacina bivalente. E temos a Anvisa reconhecendo que não é mais obrigatório o uso de máscaras em aeroportos e aeronaves. Há uma série de sinais que mostram que o Brasil está se afastando de um cenário mais preocupante e incerto.

Vermelho

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