Trump é mais fruto da crise sindical do que do ‘ódio branco’, diz livro

Carlos Juliano Barros

Quando Donald Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos, em 2016, boa parte dos analistas atribuiu a guinada à direita da cena política norte-americana ao “ressentimento” de homens brancos e empobrecidos do interior do país.

Em outras palavras, os conservadores habitantes de rincões decadentes teriam se deixado levar pelo discurso populista do “America First” (América em Primeiro Lugar), que prometia a volta a um passado idílico de prosperidade, por reação à perda de privilégios históricos e por uma certa inveja dos moradores de grandes centros urbanos cosmopolitas e progressistas.

É esse diagnóstico amplamente difundido que Ruy Braga, professor de sociologia do trabalho da Universidade de São Paulo (USP), coloca em xeque em seu recém-lançado “A Angústia do precariado: trabalho e solidariedade no capitalismo racial”.

Publicado pela editora Boitempo, o livro é resultado de uma temporada do autor na Universidade da Pensilvânia, estado decisivo para compreender a chegada de Trump à Casa Branca.

Laços de solidariedade

Basicamente, Braga refuta a ideia da inveja como motor do crescimento da direita radical por um motivo bastante convincente: as classes trabalhadoras dos pólos desindustrializados do interior do país jamais aspiraram ao estilo de vida das “elites” descoladas e intelectualizadas de Nova York ou São Francisco.

O argumento central do livro é que as mudanças provocadas pelo que se convencionou chamar de neoliberalismo, a partir dos anos 1980, erodiram os laços de solidariedade construídos ao longo de três décadas de fordismo e de Estado de Bem-Estar Social, no pós Segunda Guerra Mundial.

E isso tem relação com o capitalismo profundamente racializado da maior economia do planeta. Ao longo das últimas quatro décadas, empregos precários e mal pagos deixaram de ser exclusividade de negros, latinos e outros grupos sociais historicamente estigmatizados.

Além da deterioração do mercado de trabalho, as populações que aderiram a Trump também assistiram à escalada de problemas antes restritos às grandes metrópoles, como a violência urbana e o tráfico de drogas.

Continua após a publicidade

No entanto, o autor propõe uma interpretação que vai além da “narrativa do ódio branco” — a ideia de que “Trump representaria um sistema moral organizado pelo desejo de vingança daqueles que num mundo altamente competitivo foram deixados para trás”.

Em momento algum, Braga nega a existência de racismo, homofobia e misoginia entre a típica classe trabalhadora branca norte-americana, aquela a que nos acostumamos a ver em filmes de época. Mas, por si só, o “ódio branco” não é capaz de explicar a história toda.

Quando Trump falava em retomar as indústrias perdidas para a China, por exemplo, ele não só atiçava o preconceito contra o país asiático, mas também ativava a memória de uma época em que os empregos eram mais estáveis, a seguridade social funcionava melhor e a renda não era tão concentrada. Um período, inclusive, em que os trabalhadores tinham mais tempo para dedicar às suas próprias comunidades. Tudo isso remete a uma evidente sensação de justiça.

A importância dos sindicatos

Por sinal, era uma época em que sindicatos tinham muito mais poder e prestígio do que hoje. No auge do fordismo, entre as década de 1950 e 1960, três a cada dez trabalhadores norte-americanos estavam associados a entidades representativas. Atualmente, o índice situa-se na casa dos 10%.

Para Braga, o enfraquecimento de movimentos organizados dos trabalhadores — “o maior responsável pela democratização das sociedades nacionais” — é uma das principais pistas para entender a queda da qualidade de vida da população, materializada na Grande Recessão de 2008, e a consequente ascensão da extrema direita, não só nos Estados Unidos, mas em todo o mundo.

E ainda que reconheça o óbvio, que os sindicatos não atravessam o seu melhor momento, o autor deixa no ar um certo otimismo com as recentes experiências de organizações de funcionários da Amazon e da Starbucks, por exemplo.

O sucesso dessas novas iniciativas é, segundo Braga, essencial para conter a ameaça da extrema direita. Sem a efetiva garantia de melhores condições para o grosso da população que vive do trabalho, o espectro de Trump e companhia limitada continuará rondando por aí. A eleição de 2024 nos Estados Unidos que o diga.

Do UOL

Artigos relacionados

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Botão Voltar ao topo