Uma Bruna, milhões de brasileiras

Conheça Bruna Brelaz, Amazonense e estudante de direito é a nova presidenta da UNE

Todo mundo guarda lágrimas e sofre a perda de alguém com a tragédia que se abateu sobre o Brasil. As de Bruna Chaves Brelaz, 26 anos, estudante de Direito, visitam o rosto quando ela fala sobre outra jovem do estado do Amazonas, assim como ela. Bruna, a nova presidenta da União Nacional dos Estudantes, chora inevitavelmente ao falar da amiga Gabriela Cativo, também do movimento estudantil , vítima da Covid-19 em meio à crise do oxigênio em Manaus no último mês de janeiro. Quando lembra e homenageia a conterrânea Gabriela, Bruna mexe no sítio de terra das suas raízes. Revira sua própria história como menina pobre no bairro Petrópolis, quando as águas eram não apenas lágrimas de criança, mas a ameaça real das chuvas e deslizamento de terra em uma área de risco na periferia manauara. “Minha mãe levava eu e minha irmã para dormirmos as três juntas no chão da sala. Desse jeito, se houvesse alguma cheia ou desabamento do barranco, a gente podia fugir mais facilmente pela porta da rua”, explica.

Mas não é somente por isso que Gabriela Cativo fertiliza o coração da nova presidenta da UNE. Em 2013, a amiga foi uma das coordenadoras da primeira atividade nacional do movimento estudantil em que Bruna participou, a Bienal dos Estudantes, em Recife e Olinda. “Eu tinha 18 anos, entrando para aquele mundo novo de política, de mobilização e ter uma mulher das minhas origens, parecida comigo já num cargo de coordenação foi uma grande referência”. A força daquela representatividade trouxe Bruna Brelaz hoje ao posto de maior liderança da juventude organizada do Brasil, representando agora cerca de oito milhões de estudantes universitários e responsável pela condução da mais importante entidade estudantil da história do país, com quase 84 anos de participação nos principais eventos da vida nacional. A filha da valente dona Dyla, que durante a adolescência periférica só vislumbrava fazer a vida ajudando o carinhoso avô no balcão da taberninha da Estelita, hoje tem seu nome na mesma posição já ocupada por personagens conhecidos do país como o ex-governador de São Paulo José Serra, o deputado federal Orlando Silva (SP), o vereador e ex-senador Lindbergh Farias (RJ).

Bruna Brelaz é um sintoma de transformação das amarras e contradições mesmo em um ambiente tradicionalmente progressista como a UNE. Ao longo de oito décadas com uma maioria de presidentes homens e brancos, ela é a primeira mulher negra e do Norte do Brasil a ser escolhida para a presidência da entidade. A primeira presidenta negra da UNE foi Moara Saboia, que assumiu interinamente no ano de 2016. Tendo participado da última gestão como diretora, Bruna Brelaz revela, no meio da simpatia dos sorrisos, também o olhar cravejado de raiva e dor pela política de genocídio do governo Jair Bolsonaro que, em seu estado do Amazonas e muitos outros, causou a maior crise sanitária e colapso da saúde pública de todos os tempos com mortes principalmente entre as populações pobres, negras e indígenas.

Como integrante da UNE nestes tempos de resistência, Bruna ajudou a construir, no último mês de março, a principal campanha dos estudantes brasileiros na pandemia da Covid-19, o movimento “Vida, Pão, Vacina e Educação”, que viralizou pelas ruas e redes sociais como síntese poderosa das demandas da população jovem do país contra o atual estado de barbárie. Da mesma forma, Bruna atuou recentemente, ao lado dos principais movimentos sociais brasileiros, na retomada das grandes manifestações populares de rua, na coordenação dos protestos de 29 de maio, 19 de junho e 3 de julho que pedem o impeachment de Jair Bolsonaro, a interrupção da ofensiva genocida que vem dizimando o povo brasileiro e a aniquilação dos malignos ensaios golpistas de rompimento democrático do bolsonarismo e seus consortes.

De preto e com a cara pintada nas ruas, Bruna quer a saída imediata de Bolsonaro, mas também se preocupa com a herança de toda essa crise nos próximos anos, principalmente na área da educação. Ela, que teve acesso à universidade como cotista, dentro das políticas públicas de inclusão que mudaram a cara do ensino superior na última década, acredita que esse legado está sob risco. “Gritamos Fora Bolsonaro, sobretudo, para interromper o processo violento de destruição das universidades, das escolas, do sistema educacional no país. A gente precisa reverter o corte de quase R$2 bilhões no orçamento da educação, a política desumana do teto de gastos, os ataques à autonomia universitária. Tem estudante que está passando fome, desempregado e a evasão do ensino superior é uma grande realidade”, afirma. Hoje em seu segundo curso de graduação, estudante de uma faculdade particular em São Paulo, ela se diz apreensiva também com a situação dessa parcela de alunos e alunas universitários que não têm garantias das instituições sobre as condições de retorno das aulas, ensino à distância precário e não contam com nenhuma forma de regulamentação ou diretriz por parte do governo federal.

Para todo esse enfrentamento, ela acredita no protagonismo da juventude popular, periférica, nas linhas de frente contra o bolsonarismo. “Na época do Fora Collor, o movimento pelo impeachment teve a participação mais focada nos alunos de escolas particulares, da classe média. Hoje a cor e a origem dos jovens que estão nas ruas mudou muito”, observa. E além da oposição nas ruas, ela destaca também a importância da articulação política com um amplo leque de forças democráticas e partidos para garantir a vitória não somente no impeachment, mas em um novo pacto nacional para conter os efeitos da crise que foi plantada. De articulação, Bruna também entende. Foi conversando com estudantes de todo o seu estado, em algumas cidades onde só se chega de barco, que ela avançou no movimento estudantil, primeiro concorrendo à presidência do seu Diretório Acadêmico, na Universidade do Estado do Amazonas, depois ingressando na disputa pelo Diretório Central dos Estudantes e sendo eleita presidenta da União Estadual dos Estudantes do Amazonas, aos 21 anos de idade.

Ao chegar à diretoria da UNE, como reconhecimento a todas lutas que liderou no estado, uma reviravolta completa no cotidiano. Foi escolhida para a área de Relações Institucionais e seguiu diretamente para Brasília. Sua rotina era conversar diariamente com deputados e senadores, principalmente das comissões de Educação e de outras áreas importantes para a UNE, acompanhando todas as votações e projetos de lei que envolvem a universidade brasileira. “Admito que no começo deu medo”, confessa, quando lembra da experiência de transitar naquele mundo de engravatados, gabinetes e interesses. Logo depois, na tesouraria da entidade, viveu a perseguição governo Bolsonaro e do ministro da Educação Abraham Weintraub com a tentativa de matar a UNE acabando com sua principal fonte de recursos, a sua carteira de estudante. Dessa forma, apesar da pouca idade, Bruna já viveu um pouco de tudo na luta pela educação brasileira. No ano de 2020 ela militou e ajudou na campanha pelo adiamento do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que fez o bolsonarismo recuar pela pressão estudantil e também na conquista do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).

Reprodução/UNE

Apesar de oficialmente cria da Geraçao Z, tendo nascido em 1995, Bruna se diz assustada com o tanto de virtualidade e tecnologia que precisou incorporar à rotina como diretora de uma UNE de quarentena, quase completamente dependente dos aplicativos de teleconferência, mensagens, planilhas compartilhadas, atos virtuais e manifestações de hashtag. Dentro de casa, no período da quarentena encontrou refúgio pra saúde mental se divertindo com desafios gastronômicos do Masterchef, episódios antigos de seriados como Greys Anatomy ou recentes como Atypical. Quando o assunto é música, tem se envolvido cada vez mais com o hip hop e os artistas do rap nacional que ontem e hoje cantam as periferias de um país real não vivente das páginas dos livros oficiais. Mas apesar da urbanidade do rap metropolitano morar hoje dentro do peito, o seu maior sonho pós-pandemia está no regionalismo do interior do Amazonas, onde fantasia estar, vacinada, no próximo Festival de Parintins que for realizado. E quando o assunto é torcida do boi, a flamenguista Bruna não tenta escapar ou fazer política para gregos e troianos: “Sou Caprichoso, e pronto. Além de tudo é o boi que tem a mesma cor da bandeira da UNE”, ameniza.

A ex-aluna do Instituto de Educação em Manaus, que só aprendeu a circular para além do bairro em que morava quando conheceu o movimento estudantil, hoje viu o mundo se estender no horizonte. Promete rodar todos os 26 estados e o Distrito Federal na luta do Fora Bolsonaro, em defesa da democracia e da soberania do país. Para encher o peito e se preparar diante da mais devastadora conjuntura nacional desde a redemocratização, Bruna busca inspiração na história de vida da sua mãe. “Ela enfrentou muita coisa sozinha, assim como a minha avó que veio lá de Codajás, no interior do Amazonas e teve de se virar do jeito que dava em Manaus. Minha mãe criou duas filhas numa luta enorme, dormiu na fila pra fazer a minha matrícula em uma escola pública boa. São coisas que eu nunca vou conseguir imaginar como é. Essa é a minha referência”. Apaixonada por dona Dyla em cada sílaba do seu relato, Bruna Brelaz acaba descrevendo a vida das inúmeras mulheres chefes de família deste solo que operam milagres para ver suas meninas chegarem onde ela está hoje. E com isso, carrega para a UNE e para o futuro não somente a sua vida, mas as de milhões de brasileiras.

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