‘Viola o direito adquirido’, diz jurista sobre decisão do TST de aplicar reforma trabalhista em contratos anteriores à lei

Em situações após 2017, empresas não precisam garantir direitos extintos

A partir de agora, todos os contratos de trabalho em curso no Brasil devem seguir as normas da reforma trabalhista, incluindo aqueles firmados antes da sua aprovação, em novembro de 2017. A decisão foi tomada pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) nesta segunda-feira (25).

Até o momento, a Justiça do Trabalho emitia entendimentos diferentes sobre ações relacionadas a direitos que antes estavam previstos e que foram abolidos pela reforma (lei 13.467/2017). Entre eles, horas de deslocamento remuneradas, intervalos intrajornada e gratificação de função.

Agora, todas as instâncias da Justiça do Trabalho devem ter a mesma interpretação: as normas da reforma trabalhista serão aplicadas para julgar qualquer situação que tenha acontecido após 2017, ainda que o contrato entre empregado e empregador tenha sido firmado antes disso.

“A decisão do TST é daquelas que mudam paradigmas”, avalia Leonardo Fazito, mestre em Direito pela Universidade de Paris, advogado sindical e trabalhista. “O que o TST julgou ontem é que a reforma trabalhista pode violar o direito adquirido dos trabalhadores”, resume.

A reforma trabalhista, proposta e aprovada pela gestão de Michel Temer (MDB), representa a mais robusta mudança recente na Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). Foi sancionada enquanto nos gramados da esplanada cerca de 45 mil pessoas tomavam bombas da Polícia Militar em protesto de centrais sindicais e movimentos populares tentando impedi-la.

A lei prevê, entre outros pontos, a flexibilização dos acordos coletivos, a não obrigatoriedade da contribuição sindical, a legalização da jornada de 12×36, da redução do horário de almoço e do banco de horas informal.

“Uma perversão do direito do trabalho”

Para o jurista e professor Jorge Luiz Souto Maior, a decisão do TST não só legitima a reforma trabalhista, que ele considera “uma agressão recorrente aos direitos dos trabalhadores”, como amplia a sua aplicação.

“É um problema muito grave porque interfere diretamente num princípio basilar do direito do trabalho que é o da condição mais benéfica. Ou seja, que nenhuma lei posterior diminui o patrimônio jurídico já integrado ao trabalhador ou trabalhadora É um princípio básico, que está alinhado com a ideia da melhoria social dos trabalhadores”, explica Souto Maior, que foi desembargador do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região.

“Toda a discussão se coloca, exatamente, porque se reconhece que essa legislação diminuiu a proteção jurídica trabalhista”, acrescenta. “A decisão é mais um ataque aos direitos dos trabalhadores do Brasil, infelizmente vindo desta vez do TST”, define Souto Maior.

“Isto é um problema seríssimo do ponto de vista da própria compreensão teórica do direito do trabalho, das suas formulações, dos seus objetivos. É uma perversão do direito do trabalho”, salienta o ex-desembargador.

Fazito lembra, ainda, que está em curso “um confronto aberto entre o Supremo Tribunal Federal e os tribunais do trabalho, o TST inclusive. E a decisão acena para uma capitulação do TST frente a este embate. Muitos dos desembargadores que se pronunciaram na sessão sobre a decisão que foi tomada, concordando com o relator, foram neste sentido”.

“Isso faz com que a gente inverta a lógica do direito do trabalho mais uma vez. A gente tem brincado entre colegas falando de duplo twist carpado hermenêutico. Porque o próximo passo é a possibilidade de as legislações ordinárias suspenderem vigência, mitigarem efeitos e até revogarem normas constitucionais”, afirma Leonardo Fazito.

O julgamento

O caso concreto que chegou ao TST foi o de uma mulher que trabalhou como faqueira no setor de abate da JBS em Porto Velho (RO). Ela demandou ser remunerada pelo tempo de deslocamento ao trabalho enquanto esteve no serviço, entre dezembro de 2013 e janeiro de 2018.

Por 15 votos a 10, o colegiado condenou a empresa dos irmãos Wesley e Joesley Batista a pagar pelas horas de deslocamento até 10 de novembro de 2017, um dia antes de a reforma trabalhista entrar em vigor.

Acompanhando o voto do relator e presidente do Tribunal, o ministro Aloysio Corrêa da Veiga, prevaleceu o entendimento de que direitos adquiridos deixam de valer a partir da data da vigência da nova lei, que os extinguiu.

“A gente está vendo hoje em dia uma perda gigantesca do trabalho celetista”, pontua Fazito. “As formas mais precarizadas de trabalho tem sido valorizadas de maneira ilusória, como o empreendedorismo, o que cria impactos inclusive no recolhimento tributário, gera consequências na aposentadoria das pessoas, por exemplo”, ilustra o advogado. “E para quem tem o emprego ainda com alguma proteção, os tribunais têm se ocupado em destrui-la”, alerta.

Edição: Thalita Pires

Do Brasil de Fato

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