21 de março – Baile das palavras: Versos de 4 poetas brasileiras no Dia Mundial da Poesia

Hoje, 21 de março, o mundo se rende ao sopro das palavras que transformam, alimentam a alma e abrem os olhos para o invisível. O Dia Mundial da Poesia é um tributo à arte que não se vê, mas se sente – como a brisa que acaricia o rosto ou o som do vento entre as folhas. No Brasil, a poesia se torna mais intensa e vibrante com a força das vozes femininas, que, como estrelas em uma noite escura, iluminam nossos caminhos com palavras repletas de história, emoção e resistência.

Neste dia especial, a Confederação Nacional dos Trabalhadores de Ensino (CONTEE) convida você a adentrar os mundos líricos de quatro poetas brasileiras, que engrandecem nossa cultura e nossa luta por um amanhã mais humano.

  1. Cora Coralina – A Poeta da Terra e das Águas

Cora Coralina é uma das raízes mais profundas da poesia brasileira, uma mulher que, com as mãos calejadas pela vida, escreveu sobre o valor dos pequenos gestos, a grandeza do simples. Sua poesia é um rio que corre pelas veias do Brasil profundo, misturando o sagrado e o profano, a dor e a esperança. Em seu poema “Todas as Vidas”, ela nos revela a força invisível que move o coração humano:

Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau-olhado,
acocorada ao pé do borralho,
olhando pra o fogo.
Benze quebranto.
Bota feitiço…
Ogum. Orixá.
Macumba, terreiro.
Ogã, pai-de-santo…

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho.
Seu cheiro gostoso
d’água e sabão.
Rodilha de pano.
Trouxa de roupa,
pedra de anil.
Sua coroa verde de são-caetano.

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira.
Pimenta e cebola.
Quitute bem feito.
Panela de barro.
Taipa de lenha.
Cozinha antiga
toda pretinha.
Bem cacheada de picumã.
Pedra pontuda.
Cumbuco de coco.
Pisando alho-sal.

Vive dentro de mim
a mulher do povo.
Bem proletária.
Bem linguaruda,
desabusada, sem preconceitos,
de casca-grossa,
de chinelinha,
e filharada.

Vive dentro de mim
a mulher roceira.
Enxerto da terra,
meio casmurra.
Trabalhadeira.
Madrugadeira.
Analfabeta.
De pé no chão.
Bem parideira.
Bem criadeira.
Seus doze filhos,
Seus vinte netos.

Vive dentro de mim
a mulher da vida.
Minha irmãzinha…
tão desprezada,
tão murmurada…
Fingindo alegre seu triste fado.

Todas as vidas dentro de mim:
Na minha vida —
a vida mera das obscuras.

Livro recomendado: “Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais” – A obra de Cora é como um caleidoscópio de imagens poéticas, uma viagem por entre becos e histórias que falam diretamente ao espírito, com a sabedoria popular e a beleza do cotidiano.

  1. Cecília Meireles – A Poeta do Tempo, da Areia e do Vento

Cecília Meireles é o suspiro do vento nas árvores, a areia que se escorre entre os dedos do tempo. Suas palavras são como ecos que se perdem e se encontram, formando um caminho entre a fugacidade da vida e a eternidade do ser. Em “Motivo”, ela nos mostra que, em cada instante, a vida se derrama como água entre as mãos:

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:
sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,
não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e dias
no vento.
Se desmorono ou se edifico,
se permaneço ou me desfaço,
— não sei, não sei. Não sei se fico
ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:
— mais nada.

Livro recomendado: “Ou Isto ou Aquilo” – Uma obra que é como um jogo entre a escolha e a perda, a incerteza e a aceitação. Cada poema de Cecília é uma pedra lançada no lago do tempo, gerando ondas de reflexão.

  1. Hilda Hilst – A Poeta da Loucura e do Abismo

Hilda Hilst é a tempestade e o silêncio, a dor e o êxtase. Sua poesia é o grito que ecoa na noite, a força crua e visceral que atravessa os corpos e as mentes. Ela se lança em abismos de emoção e loucura, desafiando as fronteiras entre o real e o imaginário. Com este poema – “Cantares de Perda e Predileção” – venceu o Prêmio Jabuti da Câmara Brasileira do Livro, em 1984, e o Prêmio Cassiano Ricardo do Clube de Poesia de São Paulo, em 1985.

Vida da minha alma:
Recaminhei casas e paisagens
Buscando-me a mim, minha tua cara.
Recaminhei os escombros da tarde
Folhas enegrecidas, gomos, cascas
Papéis de terra e tinta sob as árvores
Nichos onde nos confessamos, praças

Revi os cães. Não os mesmos. Outros
De igual destino, loucos, tristes,
Nós dois, meu ódio-amor, atravessando
Cinzas e paredões, o percurso da vida.

Busquei a luz e o amor. Humana, atenta
Como quem busca a boca nos confins da sede.
Recaminhei as nossas construções, tijolos
Pás, a areia dos dias

E tudo que encontrei te digo agora:
Um outro alguém sem cara. Tosco. Cego.
O arquiteto dessas armadilhas.

Livro recomendado: “A Obscena Senhora D” – Uma obra que é um mergulho profundo no abismo da mente humana. Hilda Hilst quebra as amarras da convenção e nos guia por um território onde as palavras ganham um poder inquietante e transformador.

  1. Elisa Lucinda – A Poeta do Coração Que Não Se Cansa de Bater

Elisa Lucinda é o coração pulsante da resistência, a chama que nunca se apaga. Sua poesia é um sopro de vida, uma poesia que não se cala diante da injustiça, que grita por mudança e por um novo olhar sobre o mundo. No poema “Amanhecimento”, Lucinda revela a força do amor, esse sentimento que move e ressignifica.

De tanta noite que dormi contigo
no sono acordado dos amores
de tudo que desembocamos em amanhecimento
a aurora acabou por virar processo.
Mesmo agora
quando nossos poentes se acumulam
quando nossos destinos se torturam
no acaso ocaso das escolhas
as ternas folhas roçam
a dura parede.
nossa sede se esconde
atrás do tronco da árvore
e geme muda de modo a
só nós ouvirmos.
Vai assim seguindo o desfile das tentativas de nãos
o pio de todas as asneiras
todas as besteiras se acumulam em vão ao pé da montanha
para um dia partirem em revoada.
Ainda que nos anoiteça
tem manhã nessa invernada
Violões, canções, invenções de alvorada…
Ninguém repara,
nossa noite está acostumada.

Livro recomendado: “O Semelhante” – Uma obra que pulsa com as emoções mais intensas, revelando a força das palavras como instrumentos de luta e transformação. Este livro vem do fato de Elisa Lucinda viver entre um recital e outro, por todo o Brasil. Como a própria autora diz: “Minha atriz empresta à palavra sua força de nascida, de porque foi evocada. Me ajuda a tocar a diversificada orquestra das intenções. Para que possa servir à poesia. Estar à sua mercê, de tanto o público reclamar do vento ligeiro desse dizer; das escapulidas da palavra dita, de querer ir embora com elas, sabe Deus para onde.”

A Poesia Como Oásis de Transformação

Essas quatro poetas brasileiras são iluminam as sombras da nossa história e da nossa alma. Com seus versos, elas não só tocam os corações, mas também nos desafiam a enxergar o mundo de uma forma mais sensível, mais crítica, mais humana. Elas mostram que a poesia não é apenas uma arte, mas um grito por justiça, por liberdade e por verdade.

Neste Dia Mundial da Poesia, a CONTEE celebra essas vozes que, com seus escritos literários, nos fazem mais conscientes e mais vivos. A poesia, como as mulheres que a escrevem, não pode ser silenciada, pois ela é o vento que espalha as sementes da mudança, o fogo que acende a chama da revolução interior.

Celebrando a Poesia, Celebrando a Vida!

Por Romênia Mariani

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